Em novos ataques ao Judiciário, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) subiu o tom contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Nesta terça-feira (7/9), as comemorações da Independência do Brasil ficaram em segundo plano. Na cena principal, estiveram as falas do chefe do Executivo contra o magistrado, a quem chamou de "canalha".
Bolsonaro garantiu que, a partir de agora, vai desobedecer ordens legais dadas pelo magistrado. Em Brasília (DF), pela manhã, o líder do governo federal não citou o ministro nominalmente, mas voltou a citar as "quatro linhas" da Constituição e disse que Moraes "perdeu as condições mínimas" de compor o tribunal. "Ou o chefe desse poder (STF) enquadra o seu, ou esse poder pode sofrer aquilo que não queremos", ameaçou.
À tarde, em São Paulo (SP), "sugeriu" a saída dele do STF. Os discursos geraram duras reações, e partidos pensam em amadurecer internamente a discussão sobre se posicionar favoravelmente a um eventual impeachment. Possíveis crimes de responsabilidade já foram listados.
'Não existe mais'
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Em Belo Horizonte, a Praça da Liberdade sediou os protestos bolsonaristas. Enquanto expoentes da direita mineira se revezavam ao microfone, perto dali, na Praça Afonso Arinos, o Grito dos Excluídos, que teve o apoio de partidos e entidades contrárias ao atual governo, marchava rumo à Praça da Estação.
Além de propor desobediência aos atos do ministro, Bolsonaro falou que Moraes "açoita" a democracia brasileira. Ele clamou por "liberdade" a presos que, em sua visão, foram encarcerados por motivações políticas. Nesse grupo, estão figuras como o presidente nacional do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Roberto Jefferson, detido em função do inquérito que investiga a formação de milícias digitais para atacar instituições democráticas.
"Liberdade para os presos políticos. Fim da censura. Fim da perseguição àqueles conservadores e àqueles que pensam no Brasil", pediu.
Embate nos tribunais
Em agosto, Bolsonaro enviou ao Senado Federal um pedido de impeachment de Moraes. A solicitação foi rejeitada pelo presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Após diversos xingamentos do líder do Palácio do Planalto a Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e ao Judiciário, Alexandre de Moraes incluiu Bolsonaro no inquérito das fake news. Há, também, apuração em torno do incentivo a atos antidemocráticos.
Barroso, aliás, foi um dos alvos escolhidos pelo presidente da República neste feriado. O clamor pelo voto impresso, derrotado na Câmara dos Deputados, voltou à tona. "Não podemos ter eleições em que pairem dúvidas sobre os eleitores. Não posso patrocinar uma farsa como essa patrocinada, ainda, pelo presidente do TSE", sustentou Bolsonaro, ainda em São Paulo.
Segundo ele, o país precisa de "eleições limpas, democráticas, com voto auditável e contagem pública dos votos".
O 'ultimato' de Bolsonaro
Mais cedo, em Brasília, Bolsonaro assegurou não desejar uma ruptura democrática, mas classificou os protestos de hoje como uma espécie de "ultimato". De acordo com ele, o país passará a escrever uma "nova história".
"Esse retrato que estamos tendo neste dia não é de mim, nem ninguém em cima desse carro de som. Esse retrato é de vocês. É um comunicado, é um ultimato para todos que estão lá na Praça dos Três Poderes, inclusive eu, presidente da República, para onde devemos ir", falou, mencionando a necessidade de se registrar, em fotografia, uma imagem dos manifestantes que se juntaram em frente ao carro de som de onde ele discursava.
Sem se referir diretamente a Moraes, o presidente "inaugurou" os ataques que se sucederam durante todo o dia da Independência. "Não queremos ruptura. Não queremos brigar com poder nenhum. Mas não podemos admitir que uma pessoa curve a nossa democracia. Não podemos admitir que uma pessoa coloque em risco a nossa liberdade".
Antes de chegar à Paulista, Bolsonaro sobrevoou a avenida em um helicóptero. Lá, antes de continuar os ataques ao Judiciário, mirou nas restrições adotadas por governadores e prefeitos para conter a COVID-19. Depois, quando encerrava o rápido discurso, voltou a recorrer à "vontade divina" para garantir que permanecerá no comando da nação.
"Àqueles que querem me tornar inelegível em Brasília: só Deus me tira de lá. Só vou sair preso, morto ou com a vitória. Dizer aos canalhas que eu nunca serei preso. A minha vida pertence a Deus, mas a vitória pertence a todos nós", bradou. "Onde vocês estiverem, eu estarei", falou, em tom profético, nos momentos finais do pronunciamento.
Randolfe protocola notícia-crime; Fux pode se pronunciar
Na noite de hoje, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) anunciou ter acionado justamente a Suprema Corte a fim de que Jair Bolsonaro seja investigado por atentado ao Estado Democrático de Direito, à ordem constitucional e à separação dos Poderes. O parlamentar pediu, ainda, a apuração da utilização de possíveis recursos públicos no financiamento das passeatas.
"Também solicitei ao STF a abertura de inquérito contra Bolsonaro, por sua grave ameaça ao livre funcionamento do Judiciário e pelo uso de recursos públicos para financiar seu carnaval golpista, na forma da ainda vigente Lei de Segurança Nacional", relatou o senador.
Segundo "O Estado de S. Paulo", o presidente do STF, Luiz Fux, vai se manifestar sobre os recentes ataques de Bolsonaro na próxima sessão da Corte. Há encontro agendado para esta quarta (8/9).
Como articulam os partidos
A nova investida de Bolsonaro contra o STF deixou indignadas lideranças políticas brasileiras. O PSDB convocou, para amanhã, reunião extraordinária da Executiva da legenda. As declarações desta terça foram consideradas "gravíssimas" pela cúpula tucana.
O encontro foi chamado pelo presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo. O também tucano João Doria, governador de São Paulo, afirmou que Bolsonaro "desafia a democracia e empareda a Suprema Corte".
O PSD, por seu turno, vai instituir comitê para acompanhar os desdobramentos dos atos de hoje. O presidente da legenda, Gilberto Kassab, e os líderes pessedistas na Câmara e no Senado — Antonio Brito e Nelsinho Trad, respectivamente — já estão garantidos na comissão. Eles se reúnem amanhã para definir os outros componentes.
"A cada dia vemos aumentar a instabilidade e o PSD está acompanhando essa situação com muita atenção. Temos avaliações de alguns importantes juristas apontando que apenas as falas, as manifestações, seriam razões suficientes para justificar o processo. Vamos acompanhar a conduta do governo para determinar, ou não, a defesa e o apoio a um eventual processo de impeachment do presidente da República", justificou Kassab.
Outra agremiação a repudiar as posições externadas por Bolsonaro foi o MDB. "É lamentável o presidente da República usar o Dia da Independência para afrontar os outros Poderes", lê-se em trecho do comunicado, divulgado pelo presidente da sigla, o deputado federal Baleia Rossi (SP).
Paralelamente, o presidente do PDT, Carlos Lupi, encabeça articulação para juntar legendas como PSDB, PSD e MDB em prol do debate sobre hipotético impedimento de Bolsonaro.
"A reunião será com todo o centro democrático para discutir um apoio ao impeachment. O presidente atentou contra a democracia, então a resposta da democracia é o impeachment" , contou o trabalhista, à "CNN Brasil". O presidenciável pedetista Ciro Gomes ligou para Alexandre de Moraes a fim de prestar solidariedade.
"Os discursos de Bolsonaro escancaram o medo que ele tem da Justiça. Terá de explicar de onde veio o dinheiro para bancar seus atos de intimidação", comentou Gleisi Hoffmann, deputada federal pelo Paraná e líder do diretório nacional do PT.
O 7/9 de Bolsonaro em quatro frases:
Em Brasília:
- "Nós todos, aqui na Praça dos Três Poderes, juramos respeitar a nossa Constituição. Quem age fora dela, (ou) se enquadra ou pede para sair. Esse ministro específico do Supremo Tribunal Federal perdeu as condições mínimas de continuar dentro daquele tribunal."
- "Não queremos ruptura. Não queremos brigar com poder nenhum. Mas não podemos admitir que uma pessoa curve a nossa democracia. Não podemos admitir que uma pessoa coloque em risco a nossa liberdade."
Em São Paulo:
- "Qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, este presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou. Ele tem tempo ainda para pedir o seu boné e (ir) cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais."
- "Àqueles que querem me tornar inelegível em Brasília: só Deus me tira de lá. Só vou sair preso, morto ou com a vitória. Dizer aos canalhas que eu nunca serei preso. A minha vida pertence a Deus, mas a vitória pertence a todos nós."