Com apenas um voto contra, os vereadores de Divinópolis, na região Centro-Oeste de Minas, aprovaram o projeto que proíbe a linguagem neutra nas instituições de ensino públicas e privadas do município. A proposta foi aprovada por 15 votos em meio a gritos de “família”, na tarde desta quinta-feira (16/9). Manifestantes lotaram o plenário da Câmara Municipal.
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“É garantido aos estudantes o direito ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com as normas legais de ensino estabelecidas com base nas orientações nacionais de educação, pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) e da gramática elaborada nos termos da reforma ortográfica ratificada pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)”, consta na redação.
A norma se aplica à educação básica, assim como ao ensino superior e concursos.
Caso seja descumprida, as escolas da rede particular estarão sujeitas às seguintes penalidades administrativas, cumulativamente no caso de reincidência:
- advertência;
- suspensão do alvará de funcionamento de estabelecimento.
Polêmica
O autor do projeto, vereador Eduardo Azevedo (PSC), alegou que o texto que pode virar lei é uma forma de estabelecer “medidas protetivas” ao que chamou de “direto dos estudantes” no aprendizado da língua portuguesa.
Ao defender o projeto, o legislador afirmou que a linguagem neutra é uma iniciativa que integra a “ideologia de gênero”. “É tentar implantar na nossa educação”.
Disse ainda que mudanças da língua acontecem de forma espontânea e não de forma “repentina” por iniciativa de militantes. “Queremos garantir o direito dos alunos a língua culta”, argumentou.
'Inconstitucionalidade'
A única a votar contra foi a vereadora Lohanna França (Cidadania). Integrante da Comissão de Educação, ela assinou o parecer pela “não aprovação”, com a alegação de que a matéria não demonstra atendimento nem aos pressupostos básicos da República Brasileira, nem ao interesse público local.
“Ao tentar coibir uma prática da qual sequer se tem notícia na Secretaria Municipal de Educação de Divinópolis, baseando-se numa irrealista e quimérica imposição ideológica sobre outrem – no presente caso, os alunos e os interessados em prestar concurso público – situação que não passa de um espectro da polarização política que gera desinformação e cólera sobre fatos inexistentes”, consta no parecer.
Sob fortes críticas e com gritos de “pede para sair”, a vereadora, ao defender a posição, ainda citou trecho do parecer da Comissão de Justiça, Legislação e Redação. Embora o parecer tenha sido pela constitucionalidade, um trecho contradiz o posicionamento. “Se revelada a intenção, ainda que velada, de criação de mecanismo de controle sob a liberdade do educador, ele é inconstitucional”, leu.
“Há essa intenção. Esse projeto é inconstitucional. Ele fere a lei de Diretrizes e Base da Educação, esse projeto fere o Plano Nacional do Livro Didático”, apontou.
Lohanna ainda cobrou responsabilidade dos vereadores. “Vamos votar um projeto inconstitucional porque alguns dos senhores estão movidos por uma onda de gritos. Tenham responsabilidade”.
'Família'
A maioria dos parlamentares usou a “família” para justificar o voto a favor.
“Ele (filho) pode virar (homossexual) e eu vou respeitar, mas eu não quero que a escola tenha uma contribuição em cima disso. Eu não posso aceitar uma coisa dessa”, argumentou o vereador Flávio Marra.
O integrante da Comissão de Educação Ney Burguer (PSB), que recusou-se a assinar o parecer, seguiu na mesma linha. “Sou a favor da família. Tenho na família homossexual, lésbicas, tenho muito orgulho deles, mas isso eu não ia aceitar”.
Manifestação
Manifestantes lotaram o plenário da Câmara após quase um ano vazio devido às restrições da pandemia da COVID-19. Aglomerados, por diversas vezes foi necessário pedir o uso de máscara por quem insistia em desobedecer as normas sanitárias.
Enquanto alguns se enrolavam nas bandeiras LGBTIA%2b, outros vestiam-se com a camisa da Seleção Brasileira, usavam bandeiras do Brasil. Cartazes com os dizeres "liberdade" e "defendemos a família" também eram empunhados.
A maior parte estava ali em defesa do projeto e ecoava os gritos de “família”. Em vários momentos, de forma desrespeitosa, interrompiam os pronunciamentos dos vereadores.
O ataques eram direcionados, principalmente, contra a única a não votar a favor.
“Pede para sair”, gritavam.
Interrompida várias vezes, Lohanna retrucou.
“Quem pediu para sair e não teve coragem de aguentar isso aqui que eu aguento foi seu amigo que está ao seu lado. Eu não. Eu tenho coragem”, rebateu a um dos manifestantes, se referindo ao ex-vereador e candidato a prefeito, Sargento Elton.
O projeto segue, agora, para ser sancionado ou vetado pelo prefeito Gleidson Azevedo (PSC).
*Amanda Quintiliano especial para o EM