Com a investigação contra o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) praticamente travada há cerca de um ano por decisões judiciais, o Ministério Público do Rio de Janeiro intensificou nos últimos meses a apuração contra outro filho do presidente Jair Bolsonaro, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).
Ambos são suspeitos de ter enriquecido a partir do desvio de salários de funcionários fantasmas (que não trabalham de fato) em seus gabinetes legislativos, esquema conhecido popularmente como "rachadinha".
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Segundo o portal UOL, a decisão que determinou as quebras de sigilo aponta "indícios rotundos de atividade criminosa em regime organizado" e diz que "Carlos Nantes (Bolsonaro) é citado diretamente como o chefe da organização".
No caso de Flávio, o Ministério Público já apresentou em novembro de 2020 um denúncia contra ele, Fabrício Queiroz (ex-assessor apontado como operador do esquema de rachadinha) e mais 15 pessoas que atuavam no seu antigo gabinete de deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio de janeiro (Alerj). O senador e Queiroz são acusados dos crimes de organização criminosa, peculato, lavagem de dinheiro e apropriação indébita.
Os promotores dizem ter levantado provas de que esse dinheiro coletado do salário dos funcionários era usado por Queiroz para pagar na boca do caixa contas da família de Flávio, como boletos do plano de saúde ou da mensalidade escolar das filhas.
Além disso, afirmam que parte do recurso desviado era lavada através do investimento em imóveis e por meio de uma loja de chocolate que o senador possuía em um shopping no Rio de Janeiro.
No entanto, até hoje a Justiça do Rio de Janeiro não decidiu se rejeita a denúncia ou a aceita e torna o senador e seus antigos funcionários réus em um processo criminal. O caso ficou travado por decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que anulou parte das provas contra o senador, e do Supremo Tribunal Federal (STF), que impediu a Justiça do Rio de analisar a denúncia até que haja uma definição sobre se o senador tem ou não direito a foro privilegiado.
Ao anular parte das provas contra o senador, a maioria da Quinta Turma do STJ considerou que a autorização das quebras de sigilos bancário e fiscal de Flávio e de outras dezenas de investigados não foi devidamente fundamentada como prevê a lei.
"Eu não posso concordar com a legitimidade do magistrado de primeiro grau em relação à quebra do sigilo bancário e fiscal. A decisão se limita a quatro ou cinco linhas. Isso não pode ser considerado uma decisão fundamentada, ainda que sucinta. Não há qualquer referência aos critérios necessários para a quebra de um sigilo bancário e fiscal", disse na ocasião o ministro do STJ Reynaldo Fonseca.
No total, a derrubada do sigilo na investigação contra o senador — determinada pelo juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça Rio de Janeiro (TJRJ) — alcançava 95 pessoas físicas e jurídicas.
Um dos principais argumentos da defesa de Flávio é de que teria havido abuso nas investigações, com a realização de uma ampla devassa nas suas contas e de seus funcionários, devido à ilegalidade das quebras de sigilo.
Diante dessa vitória do senador o Ministério Público do Rio parece ter adotado uma conduta mais cautelosa nas investigações contra Carlos Bolsonaro.
Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, os promotores do caso apresentaram um pedido de quebra de sigilo mais restrito na investigação do vereador. A solicitação abrangeu apenas os suspeitos de serem funcionários fantasmas e o entorno próximo de Carlos, alcançando assim 25 dos seus 81 ex-funcionários na Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
Já no caso de Flávio, a quebra de sigilo atingiu todos os 78 ex-servidores que passaram pelo antigo gabinete de Flávio na Alerj nos doze anos em que Fabrício Queiroz (2007-2018) era funcionário lá, diz ainda a reportagem.
O pedido também foi mais limitado no alcance de empresas que teriam sido utilizadas no esquema. Segundo o jornal, um dos ex-funcionários atingidos na quebra de sigilo da investigação contra Carlos é a ex-mulher de Jair Bolsonaro, Ana Cristina Siqueira Valle. O acesso aos dados bancários dela autorizado pela Justiça vão de maio de 2005 a maio de 2021, incluindo assim parte do período em que esteve casada com o presidente (ambos se separaram em 2008, após cerca de 16 anos juntos).
No entanto, não houve pedido de quebra de sigilo das pessoas ou empresas que participaram das operações imobiliárias de Ana Cristina, algo que havia ocorrido no caso de Flávio. Isso poderia atingir Bolsonaro, levando a apuração para a Procuradoria-Geral da República, única instância do Ministério Público que pode investigar o presidente.
Assim como no caso de Flávio, a suspeita é que recursos desviados do gabinete de Carlos teriam sido usados na compra de imóveis com dinheiro vivo pela família Bolsonaro.
Ana Cristina Valle é vista como possível idealizadora dos esquemas de rachadinha que teriam funcionado nos gabinetes de Flávio, Carlos e do próprio Jair Bolsonaro, quando ele era deputado federal. Segundo reportagem do portal UOL, os três empregaram no total 18 parentes de Ana Cristina, e há evidências de que muitos eram funcionários fantasmas.
O portal UOL inclusive teve acesso a gravações de Andréa Siqueira Valle, irmã de Ana Cristina, em que ela admite que devolvia parte do salário quando trabalhou no gabinete de Flávio e em que afirma que seu irmão André foi demitido do gabinete de Jair Bolsonaro após ter devolvido menos do que o combinado.
"O André deu muito problema porque ele nunca devolveu o dinheiro certo que tinha que ser devolvido, entendeu? Tinha que devolver R$ 6 mil, ele devolvia R$ 2 mil, R$ 3 mil. Foi um tempão assim até que o Jair pegou e falou: 'Chega. Pode tirar ele porque ele nunca me devolve o dinheiro certo'", teria dito Andréa na gravação, segundo o UOL.
O presidente jamais se manifestou publicamente sobre essas acusações.
Procurada pela BBC News Brasi, o advogado de Carlos Bolsonaro, Antônio Carlos Fonseca, disse que não poderia comentar a investigação contra seu cliente porque o procedimento encontra-se em segredo de Justiça.
Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz negam que tenham desviado recursos do gabinete da Alerj por meio de funcionários fantasmas. A versão de Queiroz é que recolhia parte dos salários para conseguir contratar mais pessoas para atuar pelo mandato de Flávio no Estado do Rio de Janeiro. Ele nunca apresentou provas disso.
Já o hoje senador afirma que não tinha conhecimento do que seu ex-assessor fazia e nega ter sido beneficiado pelo esquema. Ele também se diz perseguido politicamente pelo Ministério Público.
Sem foro privilegiado, caso de Carlos pode andar mais rápido
Além da anulação de parte das provas, o que obrigou o Ministério Público a refazer a denúncia contra Flávio, a controvérsia sobre se o senador tem ou não direito a foro privilegiado é outro fator que tem travado o andamento do caso.
Já Carlos Bolsonaro não tem como pleitear ser julgado em alguma instância superior porque o STF declarou no ano passado inconstitucional o foro privilegiado para vereadores que era previsto na Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Com isso, sua investigação corre na primeira instância, onde a tramitação costuma ser mais rápida do que nos tribunais.
Flávio Bolsonaro, por sua vez, tem empreendido uma longa batalha judicial para evitar ser julgado em primeira instância. Ele primeiro pleiteou que seu caso tramitasse no STF, por ser senador. Após ter esse pedido recusado em 2019, conseguiu em junho do ano passado que seu caso fosse para o Tribunal de Justiça Rio de Janeiro (TJRJ), segunda instância, valendo-se do foro do seu antigo mandato, de deputado estadual.
Antes, o caso corria na primeira instância da Justiça Estadual do Rio de Janeiro porque, no início de 2018, o plenário do STF decidiu restringir o foro privilegiado apenas a crimes relacionados ao atual mandato do parlamentar. Ou seja, como as acusações contra o filho do presidente são anteriores ao seu mandato de senador, o entendimento inicial é que ele não teria direito a foro especial nesse caso.
No entanto, em junho de 2020, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro aceitou o argumento dos advogados do filho de presidente de que ele ainda teria direito ao foro de deputado estadual (julgamento na segunda instância em vez de na primeira) porque não deixou de ter cargo eletivo (deixou de ser deputado estadual para assumir imediatamente o mandato de senador).
Poucos dias após essa decisão, em 30 de junho de 2020, o Ministério Público do Rio de Janeiro apresentou um recurso no STF questionando o foro concedido a Flávio. Esse recurso foi uma ação do tipo Reclamação, que é usada quando uma decisão judicial claramente contraria uma decisão prévia do STF (no caso a decisão de 2018 que restringiu o alcance do foro privilegiado).
No entanto, essa reclamação, sorteada para o gabinete do ministro Gilmar Mendes, até hoje não foi julgada na Segunda Turma do STF.
Com a demora do Supremo, o presidente TJRJ, desembargador Claudio de Mello Tavares, marcou para janeiro deste ano um julgamento do Órgão Especial do Tribunal para reavaliar se o foro especial concedido ao senador deveria ser mantido. Nas vésperas do julgamento, porém, Mendes deu uma decisão liminar suspendendo sua realização até que o STF decidisse sobre o foro do filho do presidente.
Dessa forma, o caso está parado até o momento aguardando alguma decisão do Supremo.
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