Jornal Estado de Minas

Mulheres na política

Fala machista de ministro da CGU no Senado expõe histórico de agressões

Brasília – A fala machista do ministro da  Controladoria-Geral da União (CGU) Wagner Rosário  direcionada à senadora Simone Tebet (MDB-MS) escancarou a agressividade à qual as mulheres que trabalham na política estão expostas.



Durante o depoimento de Wagner Rosário à CPI da COVID, do Senado, na quarta-feira da semana passada, sem conseguir responder aos questionamentos da senadora, o ministro tentou se esquivar das perguntas chamando a parlamentar de “descontrolada”. O ataque repercutiu mal em todo o país.

Ao Correio Braziliense, dos Diários Associados, a senadora Leila Barros (Cidadania-DF) lamentou o fato e destacou que a situação, apesar de ser chocante, não é rara.

“Nos espaços de poder, como é o caso da política, nós, mulheres, sentimos diariamente essa ‘influência’ atrapalhando”, disse. “Comigo, não é diferente. Sou a primeira mulher eleita senadora pelo Distrito Federal. Só esse fato já diz muito”, destacou a parlamentar.

Para Leila Barros, a baixa representatividade feminina na política favorece episódios de agressão às mulheres e eles têm ocorrido com mais frequência.

“O machismo é estrutural e cultural em toda sociedade e na política não é diferente. Mesmo sendo maioria na população, nossa participação nos espaços de poder é ínfima”, afirmou. “O Congresso Nacional é um reflexo atenuado da triste realidade brasileira. Somos apenas 12 senadoras entre os 81 integrantes da Casa. Tivemos avanços, mas ainda há um caminho a ser percorrido”, concluiu a senadora.





A Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados também repudiou as falas do ministro da CGU e manifestou apoio a Simone Tebet. “É notório o crescimento dos atos de violência política contra as mulheres”, disse.

“A Coordenadoria dos Direitos da Mulher da Câmara se manifesta, representando toda a bancada feminina, e, juntamente com a Procuradoria da Mulher, não deixará de se manifestar em nenhuma ocasião em que as mulheres forem desrespeitadas, e sempre envidará todos os esforços para cobrar as providências legais cabíveis dos órgãos responsáveis”, ressaltou o comunicado.

A fala do ministro da CGU gerou bate-boca entre os presentes à reunião do comitê de investigação do Senado e fez com que Wagner Rosário passasse à condição de investigado pela CPI da COVID. Encerrada a sessão, o ministro pediu desculpas à senadora Simone Tebet no Twitter. Na avaliação de especialistas, o combate ao machismo estrutural em que a sociedade está imersa requer investimento na educação.





A despeito do grande apoio à causa do respeito às mulheres na política, após o episódio, o descaso está presente na própria Casa. Em publicação nas redes sociais, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ironizou a situação e chamou Simone Tebet de “Maria do Rosário do Senado”.

O filho 02 do presidente Jair Bolsonaro ainda completou a publicação escrevendo: “É ou não é um circo?”. A postagem incluiu o vídeo do momento em que Wagner Rosário faz a ofensa contra a senadora.

A briga à qual Eduardo faz referência ocorreu em 2014, quando Jair Bolsonaro, à época deputado federal, disse que não estupraria a colega da Câmara Maria do Rosário porque ela não merecia por ser “muito feia”. O então deputado foi condenado pela Justiça em 2019 devido à agressão.





Um dia após o ataque na CPI da COVID, Simone Tebet disse que as palavras de Wagner Rosário estão no inconsciente de quem ainda pensa que mulheres são inferiores aos homens.

“Não vem à toa. Ela está no inconsciente daqueles que ainda acham que as mulheres são menores, inferiores. Essa palavra nos toca muito fortemente. Não agridam mulheres que são porta-vozes de outras mulheres. Jamais digam que, quando ela eleva a voz, é histérica ou descontrolada”, disse durante abertura da comissão.  Procurada pela reportagem, a senadora não quis se manifestar sobre o assunto.


Representatividade 


Sendo minoria tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado, a bancada feminina trabalha para garantir a presença de mais mulheres no Congresso. Na Câmara, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), foi cobrado para que o Projeto de Lei 1.951/21, já aprovado pelo Senado, seja colocado em pauta o mais breve possível.

A matéria estabelece a reserva de vagas às mulheres nos cargos legislativos nas diferentes esferas da Federação de maneira escalonada no tempo, começando com um mínimo de 18% em 2022 e atingindo uma cota de 30% em 2040.





Para a cientista política Cíntia Souza, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o percentual ainda é pequeno diante da urgência da demanda. “Embora a iniciativa de incentivar mulheres na política seja relevante, esses percentuais são bastante tímidos se considerarmos o período de duas décadas sobre as quais a lei será aplicada”, avalia.

Cíntia Souza explica que, no Brasil, há uma subrepresentação das mulheres na política, se for avaliada a diferença entre a proporção de mulheres eleitoras e mulheres eleitas.

“Somos mais da metade da população, mas alcançamos apenas 15% das eleitas para cada Casa do Congresso. Essa situação é ainda pior se pensarmos nos cargos de destaque no Congresso, como presidentes de comissões ou líderes de partido, por exemplo”, ressalta.





A advogada Ladyane Souza, integrante do grupo que trata do tema da violência política no Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), destaca que a violência política de gênero está enraizada na cultura e funciona como mecanismo para silenciar a representatividade dessas mulheres.

“Quando a gente pensa na seriedade do tema, a gente pensa no que nós queremos para a nossa democracia. O objetivo dessa violência é silenciar. A partir dessa ideia de silenciamento, se torna muito sério. Atinge os nossos interesses”, afirma. (Com Tainá Andrade)


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