Jornal Estado de Minas

ICMS

Projeto sobre ICMS dos combustíveis gera incertezas; especialistas opinam



O peso do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) no preço dos combustíveis opõe estados à União. A Câmara dos Deputados aprovou projeto, na quarta-feira, que muda a forma de cobrança do tributo. O texto determina que o ICMS seja calculado com base no preço médio dos combustíveis nos dois anos anteriores. Atualmente, a base de cálculo está relacionada ao preço médio dos últimos 15 dias. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defende a alteração como forma de baratear a gasolina, dando certa previsibilidade ao ICMS que chega às bombas. Paralelamente, governos locais apontam que as novas regras devem gerar repentina queda de arrecadação. Em Minas, a perda seria de R$ 3,6 bilhões.





Para especialistas ouvidos pelo Estado de Minas, as mudanças podem ter efeitos positivos a curto prazo, mas negativos futuramente. O presidente Jair Bolsonaro e Lira têm dado indicações de que consideram o ICMS o grande vilão do aumento dos combustíveis. O relator do tema na Câmara, Doutor Jaziel (PL-CE), estima que as alterações reduzam em 8% o preço da gasolina para o consumidor. Os cálculos indicam, ainda, corte de 7% no etanol e queda de 3,7% no diesel. As alíquotas do ICMS, fixadas estadualmente, passariam a ser estabelecidas conforme o valor do litro do combustível — e não mais em percentuais.

“A gente nem tem como ter certeza de que são esses os valores (de redução). Mas, em tese, no curto prazo, haveria redução do preço na bomba para o consumidor”, diz Fábio Tadeu Araújo, economista, mestre em organizações e desenvolvimento pela FAE Business School e especialista em economia empresarial e internacional. Segundo o projeto, as alíquotas estabelecidas pelos 26 estados e pelo Distrito Federal precisarão vigorar por um ano.

Na visão de Araújo, o mecanismo pode dar previsibilidade ao valor do combustível. ''Ao longo de 12 meses, não haveria mudança em quanto o ICMS impactaria o combustível. O que não significa que o combustível vá flutuar — ele flutuaria pela política de preços da Petrobras e dos demais postos de combustível”, avalia.





O também economista Paulo Vieira lembra que o preço da gasolina é composto por diversos fatores. Para ele, o tema não pode ficar restrito ao debate sobre o imposto estadual. ''Temos um acúmulo de vários fatores: a alta do petróleo do mercado internacional, a alta do dólar e o conjunto dos impostos, que é pesado”, opina, citando, ainda, a inflação. ''Não é só o ICMS o vilão da história. Se fosse, não seria somente agora que estaria provocando toda essa comoção'', completa ele.

Apesar dos possíveis impactos positivos de pronto, o futuro é visto com receio por economistas. A utilização do preço médio dos 24 meses anteriores pode impedir que eventuais diminuições no custo da matéria-prima beneficiem os motoristas. ''Há uma tentativa de apagar um fogo imediato, o que pode causar um incêndio no futuro'', teme Gabriel Quintanilha, especialista em direito tributário e professor convidado do curso de direito da Fundação Getulio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro. ''Com a retomada econômica plena, fatalmente o preço do combustível vai se readequar e se acomodar novamente. No futuro, teremos prejuízos muitos grandes com essa alteração, que só é benéfica neste primeiro momento'', explica.

Quem também prega cautela é Carlos Guimarães, presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados do Petróleo do Estado de Minas Gerais (Minaspetro). ''Se olharmos para o futuro e pensar que o preço do dólar e do petróleo podem cair, pode ser que lá na frente a gente tenha uma queda de preço que não chegue ao consumidor, porque vai pegar a média ponderada dos últimos dois anos''.





Estados podem perder R$ 24 bi

A percepção de que o projeto que fixa o valor do ICMS causará prejuízo a Minas Gerais é reforçada por estudo da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), que calcula rombo de R$ 24 bilhões na arrecadação dos estados. Segundo o levantamento, os cofres públicos mineiros só não perderiam mais que os de São Paulo. Segundo a Secretaria de Fazenda, os R$ 3,6 bilhões que o estado deve perder gerarão “impacto direto” nas administrações municipais. As contas apontam que as 853 prefeituras dividem R$ 900 milhões da arrecadação do ICMS dos combustíveis.

A insatisfação, verbalizada por governadores, como o piauiense Wellington Dias (PT), está calcada em suposta perda de autonomia na condução do imposto. Embora ressalte que as gestões precisam seguir regras para pôr em prática a cobrança do ICMS, o economista Fábio Tadeu Araújo aponta pouca participação dos estados no debate. ''Os estados não podem fazer com o ICMS o que bem entenderem. Eles têm limitação de até onde tributar. Não é uma autonomia completa. Existe uma restrição. A maneira como o processo está sendo conduzido restringe mais, em especial pela maneira como se dá a discussão”. ''No momento em que você mede por unidade, acaba tendo redução na arrecadação dos estados. E, por consequência, uma redução da repartição de receita com os municípios”, observa Gabriel Quintanilha, especialista em direito tributário.

Para Araújo, mudar o ICMS pode ''sair pela culatra'' a longo prazo. Para ele, não há saída via mercado, tendo em vista que a Petrobras é quase monopolista. A redução de tributos, na visão dele, é dificultada pela COVID-19, que fez disparar os gastos das gestões regionais. ''O governo federal tem muito pouco tributo. Não vai mudar quase nada. Teria que combinar com governadores que, eventualmente, quisessem perder receitas. Ninguém quer perder receitas'', analisa.





''Os estados não estão em situação confortável a ponto de abrir mão de receita, mas essa seria uma possibilidade: os estados diminuírem a alíquota de ICMS. Sem precisar, portanto, de fazer mudança de legislação. Justamente por eles não quererem, o governo federal está tentando o projeto”, continua o especialista. A mudança na política de preços é a terceira possibilidade. ''Seria fazer com que a Petrobras não mais reajustasse o preço automaticamente pelo preço internacional, como era até anos atrás. Se for via tributos, os estados não querem fazer e perderiam arrecadação.''


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