Jornal Estado de Minas

GOVERNO ZEMA

Cemig: suposta interferência do Novo faz deputado citar 'comando paralelo'

Os detalhes do processo seletivo que culminou na escolha de Reynaldo Passanezi Filho para a presidência da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) levaram a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a administração da estatal a identificar uma espécie de "gestão paralela" da empresa de luz.



O comitê de investigação, tocado pela Assembleia Legislativa, tenta entender por que Evandro Negrão de Lima, dirigente do partido Novo em Minas Gerais, recebeu a primeira proposta da Exec, que conduziu as etapas da escolha de Passanezi. A legenda abriga o governador Romeu Zema.

Nesta segunda-feira (18/10), deputados estaduais ouviram Cledorvino Belini, ex-presidente da Cemig. Ele ocupou o cargo do início do governo Zema até janeiro do ano passado, quando foi substituído por Passanezi. Segundo o antigo executivo, a decisão de contratar uma empresa para recrutar o novo comandante da estatal partiu do governo estadual.

Ao tratar das conversações que levaram a nomeação de Passanezi, o relator da CPI, deputado Sávio Souza Cruz (MDB), apontou a presença de pessoas externas à companhia, mas com acesso a informações.



"Fica claro que havia, dentro da Cemig, um comando paralelo. Havia a existência de insiders, e isso é grave em uma empresa que tem ações na bolsa. Insiders, que tinham informações privilegiadas, tomando decisões em nome da empresa", disse.

Aos parlamentares, Cledorvino Belini contou ter externado o desejo de deixar a companhia de luz, por motivos de saúde, durante reunião com Romeu Zema e o então secretário de Desenvolvimento Econômico, Cássio Azevedo, vítima de câncer neste ano. O ex-presidente garantiu não ter tido influência na decisão de contratar a Exec para conduzir a sucessão.

"Cássio chegou a me dizer que iam contratar um headhunter, mas não me falou quem. Ele e Evandro é que passaram a cuidar desse processo", relatou Belini. "Foi uma decisão do governo ", emendou.

Belini só soube que a Exec fora chamada quando Evandro Negrão enviou a ele uma fatura de R$ 170 mil, valor cobrado pela seleção do novo executivo.



Cássio Azevedo, citado pelo depoente, era dono da AeC, empresa de call center que também está na mira da CPI. por causa do contrato de R$ 1,1 bilhão que a estatal fechou com a IBM, multinacional de tecnologia. O pacto trata de serviços como o controle do setor que presta suporte aos consumidores.

O acordo, porém, foi oficializado pouco tempo após a estatal romper acordo com a Audac, que havia vencido concorrência para controlar o atendimento telefônico. A IBM repassou essa tarefa à AeC, que havia participado - e perdido - do pregão vencido pela Audac.

"Fica claro, a cada dia mais, a ingerência do partido Novo sobre a companhia. Fica claro, quanto mais o tempo passa, que quem de fato mandava na Cemig era o senhor Cássio Azevedo", observou Professor Cleiton (PSB), vice-presidente e sub-relator do comitê que examina a gestão da estatal. 





Novo na Cemig: até Amoêdo é citado

Cledorvino Belini foi questionado sobre possível sugestão de João Amoêdo, ex-presidente nacional do Novo e candidato ao Planalto em 2018, para a contratação de Passanezi. Ele negou ter conhecimento de possível conexão do tipo.

A primeira proposta da Exec à Cemig foi encaminhada em novembro de 2018, justamente a Evandro Negrão. Apesar disso, o acordo, firmado sem licitação, só foi oficializado em 20 de janeiro deste ano, sete dias após Passanezi ser empossado como presidente.

Para a assinatura retroativa do contrato, a Cemig se amparou na convalidação, prática que permite a pactuação de serviços prestados anteriormente. "A Cemig contrata uma headhunter. Coincidentemente, uma proposta encaminhada a um dirigente do Novo. Uma empresa que os proprietários também são filiados ao Novo. Eles escolhem o seu sucessor. E o seu sucessor é quem faz o pagamento", protestou Sávio Souza Cruz.



A deliberação que confirma a contratação passou pelo conselho da empresa. A ata da reunão que referenda o acordo é, inclusive, assinada por Reynaldo Passanezi, que foi intimado a depor pelos deputados. Ele havia sido incluído no rol de investigados, mas nesta segunda deputados acertaram que o executivo passará a constar na lista de testemunhas.

"Eles tiveram que fazer várias viagens no tempo. O presidente, escolhido pela empresa de headhunter, é quem paga a empresa de headhunter", completou o emedebista. Headhunter é o nome dado às empresas que trabalham recrutando executivos com experiência de mercado.

"Estamos percebendo que não há convalidação, mas sim uma maquiagem para tentar dar legalidade a um processo que se iniciou e terminou de forma errada", constatou o presidente da CPI, Cássio Soares, do PSD.

O governista Zé Guilherme, do PP, argumentou que o governo Zema foi ao mercado escolher profissionais para sanear a companhia de luz. "A dívida era tão alta que, quando a Cemig precisava de ir ao mercado para se financiar, tinha que pagar juros muito maiores por causa da situação que se encontrava", falou ele.



Belini afirma ter deixado o Novo, mas certidão aponta o oposto


Ao ser perguntado por Sávio Souza Cruz sobre ser filiado a um partido político, Cledorvino Belini relatou ter ingressado nos quadros do Novo após deixar a Cemig. Aos deputados, ele explicou não ter renovado a admissão.

Momentos depois, porém, o relator da CPI entregou ao ex-presidente da estatal uma certidão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que comprova a existência de inscrição ativa em seu nome no diretório mineiro do Novo. Belini garantiu que não tem feito os pagamentos das mensalidades e falou em encerrar, de vez, a filiação à agremiação de Zema.

O que dizem os envolvidos 


O Estado de Minas procurou todas as partes citadas durante a sessão da CPI. A Cemig garantiu que a seleção de Passanezi foi feita seguindo "normais legais e internas" da empresa (Leia o posicionamento completo no fim deste texto). Evandro Negrão optou por não se posicionar neste momento.





A AeC, de Cássio Azevedo, foi contactada para repercutir as alegações sobre suposta interferência de seu fundador na gestão da estatal. A empresa garantiu que sua relação com a Cemig é pautada por "legalidade, idoneidade e pela absoluta transparência". (Leia a nota no fim deste texto).

A Exec, responsável por guiar o processo de escolha de Passanezi, afirmou que não vai comentar o caso em respeito ao "sigilo" do contrato com a Cemig.

 

O Novo, também acionado, garantiu que o partido e seus integrantes não cometeram irregularidades. A agremiação se colocou à disposição das autoridades para prestar informações.  

Nota da Cemig sobre a escolha de Reynaldo Passanezi

 

"Sobre a contratação da empresa Exec, responsável pelo recrutamento e seleção do diretor-presidente da Companhia, a Cemig reafirma que ela foi feita com a observância das normas legais e internas da empresa.


A Cemig esclarece ainda que, em 2020, decidiu implantar o Projeto Cliente Mais, que vai oferecer um atendimento de excelência aos 8,7 milhões de clientes da Cemig, por meio de uma parceria estratégica com a IBM que consiste na integração dos canais de atendimentos. Anteriormente, a Cemig tinha 14 fornecedores que cuidavam de diferentes canais e eram remunerados por tempo de atendimento, não por resolução de problemas. Além da melhoria de qualidade, o Cliente %2b representa economia superior a R$ 400 milhões para a Cemig em dez anos de contrato". 





Nota da AeC, empresa de Cássio Azevedo, citado por deputados:


"A AeC atua há quase 30 anos no mercado, tendo prestado serviços para centenas de empresas, e esclarece que todos os contratos e serviços prestados ao longo de mais de uma década para a Cemig foram pautados pela legalidade, idoneidade e pela absoluta transparência, gerando emprego e renda para o município de Belo Horizonte.

A empresa reafirma seu compromisso em colaborar com toda e qualquer apuração que demande sua participação e reitera que todas as suas relações institucionais e comerciais sempre se nortearam pela ética e pelo conjunto das melhores práticas de integridade e compliance."

  

Texto atualizado às 21h17 da segunda-feira (18), a fim de incluir explicações da Cemig e o posicionamento do Novo

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