Com o fim da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, um novo foco de desgaste para o Palácio do Planalto deve ser aberto no início de 2022, após a retomada das atividades de outro colegiado, que investiga a propagação de informações falsas com fins políticos. É que a cúpula da CPI Mista das Fake News pretende aproveitar o material levantado nos seis meses de trabalho da CPI da Covid para ampliar ainda mais a agonia do presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição.
Das 66 pessoas que tiveram até agora indiciamento pedido no relatório final do senador Renan Calheiros (MDB-AL), a ser votado hoje, 15 já eram alvo da CPI Mista das Fake News. O próprio Bolsonaro faz parte dessa lista.
Ao distorcer informações e dizer, em transmissão ao vivo pelas redes sociais, na quinta-feira passada, que pessoas vacinadas com duas doses contra o coronavírus estão desenvolvendo a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids), Bolsonaro teve o vídeo removido pelo Facebook, Instagram e YouTube, contribuindo para dar novos argumentos à CPMI das Fake News.
"Bolsonaro reincide a cada dia, faz questão de cometer os mesmos crimes. Não muda. Só porque a CPI da Covid se encaminha para a reta final, ele acha que vai voltar a falar sozinho de novo nas redes sociais. Essa última declaração, sobre vacina e Aids, agrava ainda mais a situação dele", disse Renan.
Criada em dezembro de 2019, a CPI Mista das Fake News foi interrompida em março do ano passado por causa da pandemia, mas deve ser retomada em fevereiro de 2022. As eleições presidenciais estão marcadas para outubro. O senador Ângelo Coronel (PSD-BA), presidente, disse que a comissão mista terá tempo suficiente para avançar nas informações obtidas pela CPI da Covid. "Teremos 207 dias de trabalho", disse.
Aliados de Bolsonaro afirmam que a nova estratégia foi traçada sob medida para prejudicar o presidente porque se a CPI Mista retomar as atividades em fevereiro, os trabalhos só devem terminar em agosto, às vésperas da eleições.
A comissão é composta por deputados e senadores. Em seu pouco tempo de trabalho, teve como principal foco a atuação do chamado "gabinete do ódio" - grupo ligado ao vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente -, que alimenta a militância mais radical do bolsonarismo nas redes sociais. A existência desse grupo foi revelada pelo Estadão em novembro de 2019.
Tanto Carlos como outros integrantes do "gabinete do ódio", como os assessores da Presidência Tércio Arnaud Tomaz e Filipe Martins, tiveram o indiciamento pedido pela CPI da Covid por incitação a crime, propagação de desinformação e por estímulo ao descumprimento de regras sanitárias. O mesmo crime foi atribuído a outros dois filhos políticos do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), também alvos da CPI Mista. O blogueiro Allan dos Santos, que teve a prisão preventiva determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, sob acusação de comandar uma milícia digital contra a democracia e as instituições, é outro nome na mira da comissão.
"Temos clareza de que as informações e evidências contidas neste documento apresentado pela CPI da Covid muito servirão de apoio para o relatório com as conclusões do trabalho da CPI Mista das Fake News", afirmou a deputada Lídice da Mata (PSB-BA), relatora da comissão. "Essa rede de desinformação é a mesma identificada pela CPI Mista das Fake News e pelo STF, sustentada pelo chamado 'gabinete do ódio' e denunciada por parlamentares que eram da base de sustentação do governo."
ACORDO
Lídice afirmou que muitas vezes a comissão mista auxiliou a CPI da Covid, instalada no Senado em abril. "A confirmação desta rede se deu através de cruzamentos entre documentos, num acordo de cooperação entre suas equipes de trabalho", disse a deputada.
Na lista dos que tiveram o indiciamento pedido por Renan e continuam no radar da CPI Mista também estão Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação do governo; blogueiros bolsonaristas, como Allan dos Santos e Bernardo Kuster, além dos empresários Luciano Hang e Otávio Fakhoury, apontados pela CPI da Covid como integrantes do chamado 'gabinete paralelo'.
Antes que a CPI Mista suspendesse suas atividades por causa da pandemia, Wajngarten, Allan, Hang, Fakhoury, Kuster e Filipe Martins já haviam tido suas convocações aprovadas para prestar depoimento, suspeitos de propagar notícias falsas e de estimular um clima de beligerância contra o Congresso e o Supremo.
DEPOIMENTOS
A definição dos primeiros nomes a serem ouvidos na retomada das investigações depende da decisão dos partidos, que podem mudar os integrantes do colegiado para tentar formar uma maioria governista. "Precisamos saber como vai ficar agora, por exemplo, o PSL, com a mudança partidária (fusão com o DEM). Tem de recalcular", afirmou a relatora. Mesmo com a oposição em minoria, Lídice diz ser possível avançar nas diligências. "Desde o início havia maioria governista e, ainda assim, a gente conseguiu fazer algumas coisas.". Hoje, o colegiado tem 18 parlamentares governistas e 10 de oposição ou independentes.
O líder do governo na Câmara e vice-presidente da CPI Mista das Fake News, deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR), minimizou os efeitos negativos da comissão para o Planalto, sob o argumento de que tudo não passa de "pura narrativa". "Não tem nenhum problema. Eu vou continuar vice-presidente e vamos encerrar os trabalhos. Vamos votar o relatório, fazer o que tem de fazer", disse Barros.
O presidente da comissão afirmou, por sua vez, que os trabalhos somente serão reiniciados no ano que vem para evitar uma nova interrupção nas atividades, decorrente do recesso parlamentar, em dezembro. "O foco agora está nas reformas. (A volta da) CPI Mista tem previsão para o início do ano, para evitar interrupções", declarou Coronel, também relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reforma o Imposto de Renda. O Estadão revelou que o senador foi um dos contemplados com a destinação de R$ 40 milhões em emendas, por meio do orçamento secreto. O esquema foi montado pelo governo Bolsonaro para aumentar sua base eleitoral no Congresso.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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