Jornal Estado de Minas

CPI DA COVID

Bancada feminina tem atuação decisiva na CPI da COVID no Senado

Brasília – Especialistas, políticos e a maior parte dos próprios senadores que atuaram na Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia ressaltam que a bancada feminina obteve durante os trabalhos do colegiado uma atuação “brilhante”.



Mesmo sem contar com uma representante entre os membros da comissão, apesar de não terem tido direito a voto, as senadoras conseguiram o direito a voz durante todas as reuniões da CPI. As integrantes da bancada se revezaram ao longo do inquérito para que todas prestassem sua contribuição.

Entre as mais de 1.200 páginas do extenso relatório do senador Renan Calheiros (MDB-AL), 47 páginas foram designadas apenas para recomendações da bancada feminina, além de outros pontos conseguidos por conta da ação e arguição das parlamentares.

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), agradeceu ao relator pela inclusão da recomendação do chamado Fundo Especial para os Órfãos da Covid (Facovid), para possibilitar o pagamento de uma pensão para crianças e adolescentes que perderam os pais durante a crise sanitária, entre elas 12 mil crianças de até 6 anos, de acordo com levantamento da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen Brasil), entidade que representa os cartórios de registro civil do país.



Apesar do direito à voz durante os trabalhos, Gama criticou o fato de não haver representação de mulheres como titular na CPI.

“No primeiro dia desta CPI, foi protagonizado aqui algo que espero que não mais se repita nesta casa, senador Tasso, as mulheres sem direito a voto aqui nesta comissão. E nós viemos aqui e pedimos direito a voz, pois não tínhamos direito a voto. O senador Omar Aziz designou a presença das mulheres na CPI como pessoas com direito a voz. Nós tivemos colegas aqui que se manifestaram de maneira dura contra nossa participação feminina. Tivemos que falar firme em uma rotina que não vai para a televisão, porque às vezes não é transmitida, não é divulgada”, contestou.

A líder da bancada feminina, senadora Simone Tebet (MDB/MS), teve uma das atuações mais importantes do colegiado. Quando a primeira etapa da CPI estava chegando ao fim, foi ela quem conseguiu convencer o deputado Luis Miranda (DEM-DF) a revelar o nome do líder do governo da Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP/PR), em envolvimento junto ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) num suposto crime de prevaricação, por conta de irregularidades na tentativa de compra da vacina Covaxin, intermediada pela Precisa Medicamentos, empresa que consta no rol de indiciados no parecer da comissão.

“Quando a CPI estava terminando a primeira fase, que é a fase de comprovar omissão dolosa na compra de produtos farmacêuticos, vacinas, numa condição errática contra a ciência, à época talvez não precisasse prorrogar a CPI, mas foi da boca de uma parlamentar que nós conseguimos extrair de um deputado bolsonarista (Miranda) a denúncia de que ele havia chegado ao presidente da República com uma nota fiscal alegando que havia um esquema de corrupção dentro do Ministério da Saúde. Foi a voz de uma mulher que descortinou ao Brasil que ao lado de tanta dor ainda tínhamos um núcleo político dentro do MS aliado a um núcleo militar com indícios sérios de um esquema de propinoduto e vacinoduto. A partir daí, muitas denúncias chegaram. Também foi na voz de outra parlamentar (Eliziane Gama) que o Tribunal de Contas da União cancelou o aditivo do contrato da VTCLOG. Então, Covaxin e VTCLog, todos esses esquemas de corrupção foram abordados e trazidos com muito empenho pela bancada feminina. Depois eu provei que as notas fiscais foram falsificadas e ali estava a prova do crime do contrato da Covaxin”, afirmou Tebet.





Além da atuação técnica, Simone exaltou a capacidade de contornar situações de tensão e de conseguir informações por parte das senadoras. Ela ainda afirmou que sem a bancada feminina a CPI não daria certo, pelo menos para avançar à segunda parte dos trabalhos. “Nós fomos decisivas no momento de tensão. Nós não criamos narrativas, nós vamos direto aos fatos e com isenção. Apesar de ser uma bancada de ideologia diferente, todas nós tínhamos um compromisso sagrado e moral com a verdade. Mesmo sendo mais da área do governo, ou não, os parlamentares buscaram a verdade”, afirma.

“Mais do que isso, trazer também sororidade, compaixão, gentileza para os depoentes, nós procuramos em diversos momentos dar humanidade a esses depoentes e através disso conseguimos extrair muita coisa deles. Acho que foi fundamental e que a CPI não daria certo se não fosse a bancada feminina, pelo menos no que se refere a essa questão do esquema de corrupção”, completou Simone Tebet.

Atuação sem "partido e ideologia"

Brasília – A senadora Leila Barros (Cidadania-DF) também ressalta a importância da bancada feminina e questionou a atuação de Bolsonaro e do governo federal. “Não importa a qual ideologia sirva um presidente da República. Se ele é de esquerda, direita ou centro. Essa escolha é soberana à escolha da população com o voto. Em contrapartida, ele tem a obrigação de cuidar de todo o povo. Essa CPI demonstrou, de forma clara e transparente, que nosso povo não foi cuidado no momento que mais precisou”, afirma.





Assim como Leila, a integrante da base do governo, senadora Soraya Thronicke (PSL/MS), entende que o trabalho da CPI ia além de “partidos e ideologia”, pois se tratava de vidas humanas. Em sua contribuição para o avanço dos trabalhos, com imparcialidade, fez críticas ao governo e a municípios de seu estado, Mato Grosso do Sul, e trouxe para contribuir um extenso relatório à parte com indícios de irregularidades na unidade da Federação. Soraya ressaltou a maturidade da bancada feminina, que não deixou questões ideológicas interferirem no objetivo de descobrir omissões, erros e eventuais crimes no combate à pandemia.

“Nós entendemos que a questão apurada na CPI não tem partido e não tem ideologia e nós entendemos de uma forma orgânica. Nós nem sequer comentamos essa questão. As vidas estão acima de qualquer questão periférica que poderia nos desunir. A bancada feminina merece, sem falsa modéstia, todo aplauso, justamente pela maturidade com que tem lidado com a política, um movimento cada dia mais hostil e difícil de a gente lidar”, disse a senadora.

Diante da hostilidade que as senadoras, por vezes, recebem na política, parte do público e dos próprios senadores se surpreenderam com a atuação das parlamentares durante a comissão. As mulheres compõem cerca de 52% da população brasileira, mas ainda assim são excluídas de espaços de poder e liderança. Em um universo de 81, apenas 14 são senadoras, mesmo as mulheres sendo maioria no Brasil.





Segundo a professora Elen Geraldes, da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, apesar de terem sido “esquecidas” entre os membros da CPI, não tendo nem uma senadora sequer como suplente, as parlamentares “brilharam” e explica o porquê de a boa atuação das mulheres ter surpreendido o público e até os colegas senadores: “Algumas das parlamentares que compareceram eram extremamente bem preparadas, mas talvez pela questão tão forte do machismo que a gente tem na política brasileira, a gente teve pouca representatividade, pouco contato com elas, por isso a surpresa. Senadoras como (Eliziane) Gama e (Simone) Tebet estavam muito preparadas para esta CPI. Elas passaram a ser melhor reconhecidas até por colegas senadores. Como há homens muito preparados, há mulheres preparadas, mas a gente tem pouco contato com essas mulheres preparadas porque elas não aparecem tanto, não estão no cargo de poder, não têm visibilidade e são ignoradas pela mídia e pelos partidos, enquanto os homens são aplaudidos. Em temáticas de grande visibilidade, políticos e partidos indicam homens”, explicou.

Outro fato que traz essa diferença de tratamento de espaço entre homens e mulheres era o próprio comportamento de depoentes. A especialista recorda o caso do ministro da Controladoria Geral da União (CGU) Wagner Rosário, que em sua oitiva disse que Simone Tebet estava “completamente descontrolada”. A sessão foi interrompida por conta do comentário e a senadora e demais colegas repudiaram o comportamento do controlador-geral.

“Existe um histórico de tachar que as mulheres são histéricas, menos controladas, que elas são emocionais, etc. A gente viu por parte dos depoentes algumas vezes menos valorização das contribuições femininas. Elas foram excluídas de uma CPI tão importante que vai atingir toda uma população brasileira, lembrando que as mulheres são mais da metade da população, e mesmo assim elas ficaram de fora”, conclui Elen.


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