O presidente da Câmara dos Deputados, Arhtur Lira (PP-AL), começa a semana sob fogo cruzado dentro e fora do Legislativo, com fortes pressões da oposição na Casa, do Palácio do Planalto e, principalmente, do Supremo Tribunal Federal. Isso porque ele pretende aprovar amanhã, em segundo turno, no plenário a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 23/21, conhecida como PEC dos Precatórios. A proposta parcela o pagamento das dívidas judiciais da União com estados e prefeituras e altera o teto de gastos para R$ 91,6 bilhões, principal aposta do governo para garantir o pagamento de R$ 400 no Auxílio Brasil. O programa social substitui o Bolsa-Família, prometido pelo presidente Jair Bolsonaro, e deve ser sua principal bandeira para a tentar a reeleição em 2022.
Antes de tentar a votação na terça-feira, entretanto, Arthur Lira terá que responder à ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, que deu prazo de 24 horas, na sexta-feira, para a Câmara explicar como foram as negociações para aprovação da PEC. A magistrada é relatora da ação apresentada por um grupo de deputados que acusam Lira de fazer manobras inconstitucionais para garantir votos para a PEC, como mudança no rito de votação, que permite votos on-line, e liberação extra do chamado “orçamento secreto” para emendas parlamentares. Como Lira só vai receber hoje a intimação de Rosa Weber, ele tem até amanhã para responder.
Além disso, amanhã, o plenário do STF vai julgar a decisão liminar de Rosa Weber, atendendo a uma ação do Psol, que determina que nenhum recurso indicado por parlamentares por meio de emendas parlamentares seja liberado até que o plenário da Corte se manifeste sobre o tema. Segundo o Psol, Lira teria prometido até R$ 15 milhões em emendas para que parlamentares votassem a favor da chamada PEC dos Precatórios. Rosa Weber determinou ainda que seja dada ampla publicidade às indicações feitas pelos parlamentares com esse tipo de emenda. A decisão leva em conta as denúncias de total ausência de informações sobre os deputados e senadores que solicitam repasses. Amanhã, o plenário do STF vai analisar a decisão de liminar de Rosa Weber, se mantém ou acata.
FOME COMO JUSTIFICATIVA
Diante das pressões, Lira reage às críticas e busca minimizar o furo no teto de gastos, alegando que há problemas maiores no Brasil, como a fome. “É muito fácil cobrar o teto de gastos, sempre o defendi em todos os momentos. Mas nós melhoramos a situação sanitária, e os rebotes da pandemia estão aí. Inflação nos alimentos, nos combustíveis, falta de matérias-primas. Estamos com um problema econômico sério para ser resolvido, mas o pior deles ainda é a fome. Há 20 milhões de famílias brasileiras literalmente passando fome", disse ele em entrevista na sexta-feira. “Um pai de família que não tem emprego e sua família passa fome, vai ao desespero, o que leva ao colapso social”, completou.
Ao justificar a defesa da proposta, Lira disse ainda: “Esse assunto não merece ser politizado. É importante que a gente mantenha os ânimos calmos, serenos, que possamos fazer sim mais uma vez um debate tranquilo, com cada partido mantendo suas posições claras. A Câmara trabalha sempre para encontrar saídas prioritárias para os problemas dos brasileiros.” Ele, inclusive, trabalha para ampliar a margem dos votos. A PEC já foi aprovada em primeiro turno com 312 votos, apenas quatro além do mínimo necessário.
Lira argumenta que a PEC é apenas uma solução temporária para garantir recursos ao Auxílio Brasil. Sem a aprovação da proposta, as despesas com precatórios subirão de R$ 55 bilhões, neste ano, para quase 90 bilhões no ano que vem. Com a PEC, haverá limite de R$ 44 bilhões para precatórios no ano que vem. "O problema do Brasil não é financeiro. A arrecadação vai crescer neste ano mais do que o previsto. Estamos na discussão aqui de R$ 40 bilhões, quando no ano passado gastamos R$ 700 bilhões fora do teto", afirmou Lira.
O deputado também alega que a PEC dos Precatórios se tornou tão necessária porque o Senado não votou o projeto de reforma do Imposto de Renda (PL 2337/21), que foi aprovado pela Câmara no início de setembro e poderia fornecer fontes permanentes de arrecadação para financiar o programa social. “Estamos falando de 20 milhões passando fome contra 20 mil brasileiros super-ricos que recebem dividendos sem pagar R$ 1 de imposto. A Câmara estabeleceu uma alíquota de 15% sobre os dividendos, reduzindo o imposto das empresas para fomentar o emprego e crescimento. Só esse dividendo teria fonte para criação de um programa permanente de R$ 300 mensais dentro do teto", afirmou ele.
Mandado de segurança vê inconstitucionalidade
Brasília – A última ofensiva de adversários do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) no Supremo Tribunal Federal contra a PEC dos Precatórios foi feita pelo ex-presidente da Casa Rodrigo Maia, depois de outras ações de cinco partidos e quatro parlamentares. Ele entrou com mandado de segurança no sábado para questionar o rito adotado por seu antecessor votação da proposta. Maia alega que “o processo de aprovação ignorou por completo a Constituição e normas regimentais, numa sequência de graves violações ao devido processo legal legislativo".
O mandado de Maia aponta ao Supremo dois “vícios” principais na tramitação: vícios" principais na tramitação: a autorização para que deputados em missão oficial participassem da sessão, concedida pela Mesa Diretora da Câmara horas antes da votação e apresentação de uma "emenda aglutinativa" que, na prática, adicionou novos trechos à PEC durante a análise do texto em plenário. A ação deve ser distribuída ao gabinete da ministra Rosa Weber, que já é relatora da ação pela suspensão da tramitação.
Do lado do Planalto, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), aposta na aprovação da PEC em segundo turno amanhã. “Nós achamos que vamos ter uma boa quantidade de votos para aprovar a PEC dos Precatórios em segundo turno", disse ele após a aprovação inicial. Ele garante que o o governo continua trabalhando com o plano A, de aprovar a PEC dos Precatórios e enviá-la para o Senado na sequência. Na semana passada, o Ministério da Economia jogou a responsabilidade para o Congresso e disse que o governo só trabalha com a possibilidade de aprovação da PEC para bancar o Auxílio Brasil, isso porque o Bolsa-Família já expirou.
Decreto redefine linha e extrema pobreza
Brasília – O presidente Jair Bolsonaro editou decreto para reajustar os valores pagos pelo programa social e também aumentar as faixas de pobreza e extrema pobreza, usadas como referência para delimitar as famílias com direito a receber a ajuda do governo. Hoje, o Bolsa-Família, que será substituído pelo Auxílio Brasil, considera como famílias em situação de extrema pobreza aquelas que têm renda de até R$ 89 por pessoa. Esse valor foi reajustado para R$ 100, de acordo com o decreto. Já a situação de pobreza hoje é caracterizada pela renda de até R$ 178 por pessoa, valor que passará a R$ 200.
O tíquete médio do programa, o quanto as famílias recebem em média, foi reajustado em 17,84%, passando para R$ 217,18 mensais. Hoje, esse valor fica em torno de R$ 190. Apesar do aumento das faixas, o comunicado da Secretaria-Geral da Presidência da República prevê que serão alcançadas, inicialmente, as mesmas 14,6 milhões de famílias já beneficiadas hoje pelo programa. O governo almeja contemplar mais de 17 milhões, mas isso ainda depende da aprovação da PEC dos Precatórios.
A proposta altera o cálculo do teto de gastos (a regra que limita o avanço das despesas à inflação) e limita o pagamento de precatórios (dívidas judiciais), abrindo espaço de R$ 91,6 bilhões no Orçamento de 2022. Essa folga é essencial para permitir o pagamento dos R$ 400 prometidos por Bolsonaro até o fim do ano que vem, quando buscará a reeleição, e também ampliar o número de famílias contempladas.
O decreto foi publicado em edição extra do Diário Oficial da União da noite de sexta-feira, três dias antes de o Bolsa-Família ser revogado (8 de novembro). A medida é uma estratégia do governo para ampliar os valores permanentes do programa sem necessidade de compensar com aumento de arrecadação. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) permite que haja reposição de inflação sem uma fonte específica de financiamento, desde que o reajuste seja aplicado sobre o programa existente.
Caso o governo deixasse o reajuste para depois, para ser aplicado já na estrutura do Auxílio Brasil, a concessão ficaria amarrada a alguma nova fonte de aumento permanente de arrecadação, algo difícil de avançar. O governo já precisou driblar dificuldades para levar adiante o aumento do programa social depois que a reforma do Imposto de Renda travou no Senado - a taxação sobre dividendos seria fonte de recursos para a política.
Com a manobra, o Orçamento aumentado do Bolsa Família será redirecionado para o Auxílio Brasil. Os pagamentos do novo programa começam no dia 17 de novembro. O comunicado da Secretaria-Geral da Presidência da República, porém, não informa qual o novo valor destinado ao programa. Hoje, o Bolsa Família tem dotação anual de R$ 34,8 bilhões.
Concedido somente às famílias em extrema pobreza, o benefício básico do Bolsa-Família passa de R$ 89 para R$ 100 com o reajuste dado pelo governo. Já as parcelas variáveis, com valor de R$ 41, sobem para R$ 49. O Benefício Variável Vinculado ao Adolescente vai de R$ 48 para R$ 57. No Auxílio Brasil, a estrutura básica foi simplificada para Benefício Primeira Infância, Benefício Composição Familiar e Benefício de Superação da Extrema Pobreza. O benefício básico será extinto.
“O reajuste dos benefícios básicos é permanente e será incorporado ao programa em caráter definitivo. Não tem relação com o valor mínimo de R$ 400 para cada família, que deve ser viabilizado com a aprovação da PEC 23/2021 (PEC dos Precatórios) e começar a ser pago em dezembro, retroativo a novembro. Esse valor complementar tem caráter temporário, até 31 de dezembro de 2022”, diz o governo.