Os impactos na disponibilidade de água para torneiras, cultivos e gado são os primeiros efeitos que os mineiros sentirão caso não sejam ouvidos os alertas feitos dentro da
26ª conferência do clima (COP-26) da Organização das Nações Unidas (ONU)
. É o que dizem ambientalistas ouvidos pela reportagem do Estado de Minas após a conclusão, anteontem, da COP-26 e a assinatura de um acordo com a participação e anuência dos 200 países integrantes. Resta agora que se cumpram as metas do documento, cujos principais focos são a redução progressiva dos subsídios aos combustíveis fósseis e do uso de carvão.
Em agosto, a própria ONU divulgou o Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) que prevê um aumento dramático das temperaturas do planeta nos próximos 30 a 50 anos, entre 1,5°C e 4°C. Pelos estudos regionais conseguidos pelo EM, algumas cidades mineiras sofrerão mais, como Belo Horizonte, que teria um aumento ainda maior que a média mundial, passando de 20°C médios ao longo do ano para até 24,5°C no pior cenário, fazendo com que o clima ameno das montanhas se torne semelhante ao de Salvador.
Os países membros se comprometeram a viabilizar U$S 100 bilhões por ano até 2025 para financiar medidas para evitar o aumento da temperatura, mas o documento final foi suavizado, sobretudo após interferência da Índia, ao remover o termo eliminação do uso de carvão e sua substituição por redução desse que é um dos principais emissores de CO2, o gás que é um dos principais responsáveis pelo aquecimento global.
“Se nada for feito, a agricultura será um dos setores que vão ser mais prejudicados em Minas Gerais. O aquecimento global muda a retenção de água do cerrado, porque só as espécies mais adaptadas sobrevivem. O cerrado é hoje o bioma mais devastado do Brasil. Aqui há árvores com raízes profundas que ajudam a trazer umidade ao solo. Há raízes que têm três vezes a altura das árvores e perdendo isso obviamente se reduzirá a umidade do solo como um todo, prejudicando os cultivos, a economia e a nossa sobrevivência", disse o ambientalista e presidente do Instituto Diadorim para desenvolvimento regional e socioambiental, Gustavo Gazzinelli.
A presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), Poliana Valgas, diz não ter dúvidas que os impactos mais próximos dos mineiros com o aquecimento global serão referentes à disponibilidade hídrica. “A gente precisa ter políticas públicas de revitalização dos territórios de produção de água. Os últimos estudos mostram que o Rio das Velhas, por exemplo, perdeu vazão e volume e é assim no Brasil todo. Essa situação afeta diretamente a disponibilidade da água ao longo das bacias hidrográficas”, aponta.
Segundo ela, a criação de programas para revitalizar as captações de águas e preservação dos mananciais é fundamental. “Os programas que temos hoje ainda são fragmentados. É preciso que se tenha uma conexão, uma verdadeira política pública em Minas Gerais para a recuperação e revitalização dessas bacias. Em paralelo, precisamos também estimular a captação de água das chuvas e o reuso de água, preservando as florestas e os mananciais”, afirma Valgas.
Aquecimento
As concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera atingiram um novo recorde em 2020, alcançando a marca de 413,2 ppm (partes por milhão) segundo o Boletim de Gases de Efeito Estufa da OMM (Organização Meteorológica Mundial), divulgado no mês passado. A tendência de alta anual acima da média tem sido detectada desde 2011. O nível atingido em 2020 é 149% superior ao período pré-industrial da história.
“O aquecimento global ultrapassa as fronteiras. Por isso todos precisam fazer a sua parte. Não adianta nós fazermos a nossa e os demais não. Precisamos rever o nosso modelo de desenvolvimento. No atual, em que dependemos do transporte rodoviário, privilegiamos demais um meio que é forte emissor de CO2", afirma Gustavo Gazzinelli.
Os países que integram o G-20 (ao qual o Brasil faz parte) respondem por 78% de todas as emissões de CO2 mundial. Para alcançar a meta do Acordo de Paris, de manter o aumento das temperaturas em até 2%, seria necessário um corte de 7,6% nos níveis de emissões globais de gases de efeito estufa (GEE). A China é a maior poluidora global, com 23,9% de todas as emissões do mundo, seguida dos EUA (13,6%), União Europeia e Índia (6,8%), Indonésia (3,5%), Rússia (3,3%) e Brasil (2,9%).
Desmatamento
Outro fator preocupante na visão do diretor do Instituto Diadorim é o desmatamento. De acordo com o monitoramento por satélites internacionais da organização não governamental World Forest Watch (WFW), a área metropolitana de BH perdeu 9.167ha de cobertura arbórea entre 2015 e o ano passado, mais que duas vezes a extensão do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça, que tem 4.006ha.
O levantamento detectou que pelo menos 435ha são de mata primária (ainda virgem), ou seja, extensão que supera o Parque das Mangabeiras (337ha), na Zona Sul da capital. Em 2020, último período de dados consolidados, foram afetados 1.004ha (11%), quase a extensão de três parques das Mangabeiras. Desse universo, pelo menos 55,37ha eram constituídos de mata nativa primária.
“O desmatamento é um fator agravante do aquecimento global e aí pouco importa se é legal ou ilegal. O impacto é o mesmo. Menos árvores. Seja pela expansão das mineradoras seja pela abertura de mais condomínios e ocupações urbanas. Boa parte disso é legal, mas no final se soma e precisaria controlar isso pois há uma forte influência local, que se soma a um solo impermeabilizado que ajuda a levar embora a água das chuvas que as matas amorteceriam e fariam penetrar no solo para serem liberadas pelas nascentes”, descreve Gazzinelli.