Na manhã deste domingo (21/11), milhares de filiados ao PSDB em todo o Brasil participarão das prévias do partido para escolher o seu candidato à Presidência da República em 2022.
Mas o partido que vai às urnas neste final de semana parece distante daquele que comandou o país por oito anos e foi a principal força de oposição aos governos do PT.
Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil e o presidente da legenda, Bruno Araújo, as prévias do PSDB fazem parte de uma tentativa do partido de recuperar relevância e protagonismo no cenário político brasileiro.
O PSDB foi fundado em 1988 a partir de uma cisão do antigo PMDB (atual MDB) com uma inspiração na chamada social-democracia europeia. O partido venceu duas eleições presidenciais consecutivas (1994 e 1998), com Fernando Henrique Cardoso.
A partir de então, perdeu quatro disputas nacionais seguidas para o PT: 2002, 2006, 2010 e 2014. Apesar disso, manteve sua dominância em estados considerados poderosos como São Paulo e Minas Gerais e se consolidou, neste período, como a principal força de oposição aos governos petistas.
Após o impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016, o PSDB se aliou ao então presidente Michel Temer (MDB) e passou a integrar diversos ministérios. Em 2018, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) preso como resultado da Operação Lava Jato, a expectativa era de que o partido pudesse voltar ao poder.
No entanto, seu candidato na época, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, ficou em quarto lugar com apenas 4,76% dos votos. Além disso, o partido viu sua participação na Câmara dos Deputados despencar. Em 2014, o PSDB elegeu 54 deputados e era a terceira maior bancada da Casa.
Quatro anos depois, o partido elegeu apenas 29, ficando em em nono lugar. E enquanto tudo isso acontecia, o PT, até então principal adversário dos tucanos, também perdeu deputados, mas conseguiu se manter como a maior bancada na Câmara e ainda levou seu candidato, Fernando Haddad, ao segundo turno das eleições de 2018.
Nesse cenário descendente, o governador de São Paulo, João Doria, passou a tentar emplacar o seu nome como candidato à Presidência em 2022, mas encontrou resistência de diferentes grupos na legenda.
Três nomes disputam a chance de representar o partido nas eleições presidenciais de 2022: Doria; o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite; e o ex-prefeito de Manaus e ex-senador pelo Amazonas Arthur Virgílio.
A disputa está polarizada em torno de Doria e Leite. As eleições acontecerão em todo o Brasil por meio de votos eletrônicos e poderão participar todos os filiados ao partido até o dia 31 de maio deste ano.
A expectativa é de que o resultado seja divulgado no domingo (21/11). Se nenhum dos três candidatos atingir a maioria absoluta dos votos, haverá segundo turno, previsto para o dia 28 de novembro.
O desafio do vencedor em 2022 será grande uma vez que os dois principais candidatos do partido, Doria e Leite, não aparecem entre os primeiros colocados nas pesquisas de intenção de voto realizadas até o momento e que colocam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o atual presidente Jair Bolsonaro nas duas primeiras posições.
Nesse contexto, uma das perguntas a serem respondidas é: a realização das prévias pode ajudar o PSDB a recuperar a relevância que teve no passado?
Perda de relevância
Para o professor de ciência política na Fundação Getúlio Vargas (FGV) Cláudio Couto, a resposta é: não. Ele afirma que antes de avaliar os impactos das prévias, é preciso entender o que levou o partido a perder o prestígio e o protagonismo que teve durante quase 20 anos.
Segundo ele, isso se deve a dois fatores: a perda consecutiva de eleições presidenciais e a diluição da sua identidade.
"Não acho que as prévias, em si, podem fazer o partido recuperar a sua relevância. O PSDB perdeu protagonismo porque perdeu muitas eleições seguidas e isso tem um impacto direto no partido. Além disso, especialmente depois de 2014, o PSDB teve sua identidade diluída. Desde sua fundação, ele se propunha a ser uma legenda progressista, mas isso se perdeu quando o partido deu uma guinada para o centro-direita e está indo cada vez mais à direita", afirmou.
O cientista político Fernando Bizzarro faz doutorado na Universidade de Harvard e estuda partidos há quase 10 anos. Ele diz que as prévias têm um ponto positivo que é o de produzir atenção em direção ao PSDB.
"Se não fosse pelas prévias, não estaríamos falando do PSDB agora. E isso é bom. Traz mídia e coloca o partido em evidência", explica.
Bizzarro aponta dois outros fatores para explicar a perda de protagonismo do PSDB. Um deles foi a mudança de prioridade do eleitorado a partir de 2014.
"Até 2014, a principal preocupação do eleitorado era a economia. Depois, passou a ser a corrupção. No campo da economia, o PSDB ia bem, tinha repertório. Mas no campo do combate à corrupção, isso mudou, especialmente quando algumas figuras do partido como Aécio Neves passaram a ser alvos da Lava Jato", afirmou.
"O PSDB não tinha a mesma capacidade de incorporar essa pauta como outros partidos ou nomes como Jair Bolsonaro. O PSDB acabou perdendo o bonde da história", afirma.
O outro fator apontado por ele é a incapacidade de o partido criar uma base sólida e militante em torno dele. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que, entre 2011 e 2021, o número de filiados do PSDB caiu 1,6%, saindo de 1,370 milhão para 1,354 milhão. No mesmo período, o total de filiados ao PT aumentou 5,4%, saindo de 1,524 milhão para 1,607 milhão.
"No período em que esteve no poder, o PSDB não foi capaz de transformar seus eleitores em partidários. O antipetismo nunca foi uma posição de adesão ao PSDB e isso se tornou uma fraqueza quando o ambiente mudou e outros atores passaram a ocupar o espaço deixado pelo partido", explica.
À BBC News Brasil, o presidente do PSDB, Bruno Araújo, admite que o partido perdeu protagonismo e disse que as prévias são uma tentativa de recuperar essa liderança.
"O PSDB teve, sim, enorme protagonismo nas últimas décadas. Em 2018, tivemos um tropeço, mas já estamos nos recuperando. As prévias são, sim, um movimento para devolver um certo protagonismo ao partido. Agora, ganhar ou vencer a eleição será o resultado de uma série de variáveis e de trabalho a ser feito", disse.
Riscos das prévias
Cláudio Couto aponta que, ao contrário do que sustenta Bruno Araújo, o PSDB pode sair das prévias mais fraco do que entrou. Isso aconteceria, segundo ele, porque o processo de escolha interna suscita disputas entre grupos que poderiam levar o partido ao "esfacelamento".
"O problema que eu vejo é a possibilidade de esfacelamento do partido. Em vez de resolver o problema da indicação de um candidato, você acaba criando um ponto de atrito incontornável. Pelo andar da carruagem é pouco provável que o partido se una inteiro em torno do nome que vencer", afirmou Couto.
Atualmente, os dois principais candidatos das prévias tucanas são João Doria e Eduardo Leite. Apesar de se tratarem com cordialidade sob os holofotes, os dois disputam acirradamente a indicação.
Em outubro, um grupo de apoiadores de Leite acusou Doria de ter fraudado os registros de filiações no diretório do partido em São Paulo para ampliar a base eleitoral do governador de São Paulo. Doria negou as alegações.
"Duvido que se Doria for o vencedor, o partido vai se unir como fazem os partidos Democrata ou Republicano nos Estados Unidos. No Brasil, essa disputa interna deixa marcas, fere sensibilidades e acaba produzindo um estrago muito grande", afirmou o cientista político.
"O risco é o PSDB sair mais fraco do que se tivesse conseguido manter um mínimo de unanimidade. E isso pode acontecer especialmente agora que aumenta a competição na chamada terceira via com a possível candidatura do ex-juiz Sergio Moro", afirmou Couto em referência à filiação de Moro ao Podemos.
Fernando Bizzarro discorda da possibilidade de que o partido possa sair das prévias pior do que entrou.
"Se o PSDB sair pior, então é melhor fechar o partido. Dada a posição do partido, não tem como isso acontecer. Acho que vai sair ou na mesma posição ou em posição relativamente melhor", afirmou.
O cientista político ressaltou que além do acirramento das tensões internas citado por Cláudio Couto, as prévias geram um risco externo ao expor as fraquezas do partido ao público exterior.
"As prévias expõem à sociedade as divisões internas do partido e cria a possibilidade de que candidatos adversários explorem isso ao longo das eleições. Acaba gerando um fogo amigo que pode ser usado mais adiante", explicou.
Bruno Araújo admite que o processo de escolha interna pode causar "rusgas", mas ele diz acreditar que essas "feridas" precisam da liderança do vencedor para serem curadas.
"Eu não convoquei uma confraria. Convocamos uma eleição e eleições deixam rusgas. Essas rugas deixam feridas abertas no tempo e precisam da liderança do vencedor pra serem curadas. Depois do resultado, há meses até agosto do ano que vem para as costuras e as feridas serem cicatrizadas", afirmou.
Mudança no vento
Apesar dos riscos da realização de prévias em temperatura alta, Fernando Bizzarro diz que o partido pode se aproveitar de uma mudança de prioridades do eleitorado em 2022.
Ele explica que com a possível piora do ambiente econômico e recrudescimento da inflação e do desemprego, a economia pode voltar a ser a principal preocupação do eleitorado nas próximas eleições. Se isso acontecer, o PSDB pode voltar a ser relevante no debate político do ano que vem, diz Bizzarro.
"Se o foco sair da corrupção para a situação econômica, aí o PSDB voltará a navegar em um terreno no qual se sente confortável. Isso pode representar uma oportunidade para o partido retomar algum protagonismo nas próximas eleições", afirmou.
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