O MDB lança a sua pré-candidatura ao Palácio do Planalto apostando em um diferencial. Será o primeiro grande partido - e possivelmente o único - com uma mulher na disputa de 2022. A senadora Simone Tebet (MDB-MS), de 51 anos, é tratada internamente como uma peça fundamental nos planos da sigla, que busca resistir ao governismo e recuperar protagonismo para a corrida sucessória. Ela é cortejada por Sérgio Moro (Podemos) para compor sua chapa nas eleições presidenciais, mas o partido descarta aproximação com o ex-juiz. O perfil arejado da parlamentar, a história familiar nas fileiras emedebistas e a atuação destacada na CPI da Covid fizeram a senadora ser vista como oportunidade de o partido renovar a própria imagem e de se diferenciar no congestionamento da terceira via.
A cúpula emedebista quer chegar ao evento de lançamento, ainda sem data prevista, com a definição dos nomes que vão liderar a estratégia de marketing e o plano econômico. Uma mulher deverá ficar a cargo das questões fazendárias - a economista Zeina Latif foi convidada. O detalhe importante para uma senadora feminista que não gosta de se autodefinir com o termo, mas milita nas pautas de gênero. Ela foi a primeira a liderar a bancada do MDB e a presidir a Comissão de Constituição e Justiça. Este é, sobretudo, um grande marco simbólico para o partido como um todo, que destronou a primeira mulher presidente da República e formou um governo composto exclusivamente por homens brancos, na maioria sêniores.
Entre correligionários, a avaliação é a de que Simone ajudará o MDB, e vice-versa. A senadora está disposta a abrir mão da campanha à reeleição ao Senado, onde as pesquisas internas apontam boas chances de reeleição, em contrapartida poderá ser o novo nome do partido para futuros arranjos e influenciar os rumos da agremiação. Por outro lado, ainda precisa superar desconfianças gerais cultivadas até entre colegas de plenário. O MDB perdeu a vocação de concorrer ao Planalto e é conhecido pelo adesismo. Depois de Tancredo Neves, em 1985, só teve a cabeça de chapa duas vezes, com candidaturas frágeis. A de Orestes Quércia, em 1994, e a de Henrique Meirelles, em 2018.
Agora, Simone Tebet é apontada como a melhor opção para uma unidade partidária e para uma candidatura sólida. Contudo, o lançamento à Presidência da filha do "rábula do Pantanal", como o ex-senador Antonio Carlos Magalhães chamava seu pai, o também ex-senador Ramez Tebet, ainda expõe uma disputa antiga dentro de um partido marcado pelo caciquismo e governismo. Uma parte, puxada pelo ex-senador Eunício Oliveira (CE), quer se reaproximar do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Outra defende o governo de Jair Bolsonaro no Senado e no conjunto do Congresso, com os líderes Fernando Bezerra (PE) e Eduardo Gomes (TO).
"Não conheço essa questão eleitoral (da pré-candidatura), fiquei sabendo agora por você. O MDB precisa fazer reuniões para todos conhecermos as intenções do partido. Mas é bom ter o nome de uma mulher para encarar uma disputa nacional", diz a senadora Rose de Freitas (MDB-ES), primeira mulher a ocupar vaga na Mesa Diretora do Senado. "Nesse momento político que estamos, com uma pessoa na Presidência e outra que já foi presidente querendo disputar, é tarefa árdua viabilizar a terceira via. Só se todos tiverem desprendimento político de discutir o País."
O maior incentivador da candidatura de Simone é o presidente nacional do partido, o deputado Baleia Rossi (SP). Ele assumiu o comando em 2019, com um discurso de renovação e de reconexão com as bases. Simone movimenta a militância do partido e representa para os segmentos temáticos o que Meirelles passou longe de significar na eleição anterior. O ex-ministro da Fazenda de Michel Temer pagou R$ 57 milhões pela própria campanha e só obteve 1,2% dos votos. "Simone é a candidata das massas do partido, da militância, do segmento jovem, do trabalhista, de diversidade. Meirelles foi um arranjo de última hora para justificar os avanços do governo Temer", frisou Nestor Neto, presidente nacional do MDB Afro.
Há tempos Baleia aposta em Simone. Ambos enfrentaram os candidatos preferidos do governo na eleição interna para as presidências da Câmara e do Senado, em fevereiro, e foram superados numa disputa marcada pelo despejo de verbas milionárias do orçamento secreto, esquema montado pelo presidente Jair Bolsonaro para obter apoio político. Na "super live" que fez em comemoração aos 55 anos do MDB, em março, Baleia recebeu apenas três lideranças: ela e os ex-presidentes Michel Temer e José Sarney. "Você não é hoje presidente nacional do MDB, mas tenho muita esperança de que outra presidência chegará muito rapidamente", disse o deputado.
A expectativa é a de que ela incorpore, na pré-campanha, as diretrizes do "Todos por um só Brasil", documento lançado em agosto com as bases do que o partido quer defender em 2022. Com toda sua trajetória política no partido, Simone se apresenta como alguém equilibrada. Católica, diz-se progressista nos costumes, mas é contra a descriminalização do aborto, por motivos religiosos. Tem críticas à Lava Jato, mas não é "garantista". Na economia, fincou os dois pés contra a PEC dos Precatórios, batizada de "PEC do calote" e contra o esquema do orçamento secreto.
Com a visibilidade, virou uma novidade que tem interessado o mercado. Convidada para um evento do Itaú na última sexta-feira, 12, adotou discurso de pré-candidata. "Temos que acabar com o discurso velho de que a esquerda se assenhora das políticas sociais, de que só eles têm compromisso com a responsabilidade social. Da mesma forma, acabar com esse discurso de estado máximo e estado mínimo", afirmou.
Para a audiência recorde da CPI da Covid, ela destacou falsidades em documentos do governo sobre vacinas, brigou para que as senadoras tivessem voz na comissão, não aceitou arroubos do senador Flávio Bolsonaro e extraiu confissões de testemunhas. A atuação rendeu dos colegas de plenário elogios à "sensibilidade" com do drama que enlutou mais de 610 mil famílias. No Twitter, ganhou mais de 100 mil seguidores.
A articulação junto aos segmentos econômicos vem de antes da CPI. Na campanha para a presidência do Senado, ela recebeu integrantes do Mulheres do Brasil, grupo coordenado pela empresária Luiza Helena Trajano, para colher propostas de gestão. Cortejada para ingressar na política partidária, a dona do Magazine Luiza ressaltou a "coragem e a coerência" da senadora.
Sul-mato-grossense de Três Lagoas, Simone até aqui trilhou caminho muito parecido com o do genitor, por meio de quem deu os primeiros passos na vida pública. Imiscuída nas reuniões políticas do pai desde pequena, foi quem, dos quatro irmãos, herdou o legado. Como Ramez, Simone sempre foi filiada ao MDB. Ambos foram prefeitos, deputados estaduais, vice-governadores e chegaram ao Senado. Ele ocupou a presidência da Casa, de 2001 a 2003, em uma construção finalizada pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL).
O político alagoano era o presidente quando Simone chegou a Brasília, em 2015, e providenciou que ela herdasse o gabinete que fora ocupado pelo pai. Anos depois, ela protagonizaria com Renan disputas que marcariam reviravoltas no poder em Brasília e sedimentariam o perfil austero, combativo e pragmático da senadora. Em 2019, ela disputou na bancada a indicação do partido à presidência do Senado e foi derrotada pelo correligionário em um atrito que a fez ameaçar deixar a sigla. Em reação, declarou apoio a Davi Alcolumbre (DEM-AP), que impôs a maior derrota já sofrida por Renan e desalojou o MDB do comando do Congresso.
Dois anos depois, a senadora renovou o ímpeto de presidir a Casa. Desta vez, optou pelo pragmatismo e contou com o apoio de Renan, que mobilizou parte do gabinete para ajudar a correligionária a enfrentar Rodrigo Pacheco (DEM-MG) - a sintonia se repetiria na CPI. Novamente, foi vencida na bancada. Concorreu de forma avulsa e perdeu por 57 votos a 21. Os aliados consideraram o resultado bastante satisfatório.
Em ascensão na política nacional, Simone agora transporta sua influência para o Mato Grosso do Sul. Em um movimento que surpreendeu os emedebistas locais, o marido dela, o deputado estadual Eduardo Rocha (MDB), virou secretário do governo de Reinaldo Azambuja (PSDB). A escolha acendeu o alerta no diretório estadual porque os emedebistas querem lançar o veterano ex-governador André Puccinelli. Azambuja, por sua vez, quer encaminhar um de seus secretários para a sucessão. "Claro que Puccinelli não queria a saída do Eduardo porque se utiliza isso para dizer que é enfraquecimento do MDB. É estratégia do governo para tentar isolá-lo", comentou o presidente regional do partido, Júnior Mochi.
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