A criminalista Patrícia Vanzolini desbancou o atual presidente da OAB de São Paulo, Caio Augusto Silva dos Santos, que tentava a reeleição, em uma acirrada disputa que reeditou a de 2018. Na ocasião, Patrícia foi candidata a vice na chapa de Leonardo Sica. Neste ano, o primeiro em que as chapas precisaram respeitar a paridade entre homens e mulheres e a reserva de 30% dos cargos para advogados negros, os dois inverteram os papéis, e a advogada assumiu a liderança.
Patrícia considera que sua vitória é também do gênero. "Tenho convicção de que todas essas seccionais que serão geridas por mulheres terão muita firmeza, muita ênfase e muito foco na atuação das pautas identitárias", disse. Patrícia defende uma atuação "serena, contida e equilibrada" da OAB-SP, mais voltada para atender os interesses da classe e com atuação serena no ambiente político e na interlocução com a sociedade.
Ter uma mulher liderando uma chapa foi relevante para a vitória?
Se a gente pensar que a Ordem começa na década de 1930, quando as mulheres sequer votavam, vamos considerar que em uma parte desses 91 anos as mulheres não eram nem cogitadas. É claro que é um feito grandioso e fico muito orgulhosa. Mas uma coisa era ter uma mulher na cabeça de chapa. Outra coisa era ter uma professora, alguém que já tinha algum tipo de entrada na classe. Além disso, nós conseguimos criar um programa de governo muito consistente, diferenciado em relação a outras chapas. Foi um feito de uma chapa construída ao longo de três anos e não reunida ali açodadamente só para essa eleição.
As seccionais terão atuação mais identitária com a política de paridade de gênero e cotas raciais?
É um começo auspicioso, se a gente pensar que no triênio anterior não havia nenhuma mulher presidente de seccional. Se a gente pensar que em sua primeira hora de vigência cinco mulheres devem ser eleitas, acho um bom começo. É uma quebra de paradigma, isso vai rompendo a barreira. Tenho convicção de que todas essas seccionais que serão geridas por mulheres terão muita firmeza, muita ênfase e muito foco na atuação das pautas identitárias. De nossa parte, vai haver uma mudança, sim, aqui na seccional de São Paulo. Espero que nas outras também.
A OAB vai se posicionar no ambiente político em 2022 ou se voltar para dentro?
A OAB precisa cumprir essas duas funções. A advocacia sente o reflexo dessa polarização política e de muita arbitrariedade em relação ao Judiciário. A missão principal da OAB é defender a classe, o que também é uma missão em defesa da democracia. Em relação a temas políticos mais abrangentes, a OAB deve ter uma atuação muito serena e de interlocução com a sociedade. Ela não pode se posicionar contra o governo Bolsonaro, que foi democraticamente eleito e que está terminando seu mandato. O instituto do impeachment causa um trauma, ainda que às vezes seja necessário. A Ordem deve se manifestar com serenidade e equidistância. Não pode entrar na disputa como ator do jogo político, contra ou a favor de Bolsonaro.
Como avalia a gestão do presidente nacional, Felipe Santa Cruz, que deve disputar o governo do Rio?
O problema é ele ter se anunciado candidato enquanto presidente da OAB. Contaminou a atuação dele como dirigente com a filiação partidária e manifestações que extrapolam os temas que a entidade deveria tratar. A atuação dele foi no mérito positiva, mas foi contaminada pelo fato de ter incluído fator político partidário.
A CCJ da Câmara aprovou projeto que reduz idade para aposentadoria no STF. A OAB deve se envolver neste tipo de questão em 2022?
Acho que ela tem de se envolver quando houver violações evidentes à Constituição ou à legalidade. Se não, o que tem de fazer é promover debates, consultas públicas, esclarecer as pessoas e a imprensa. A OAB tem de ter atuação serena, contida e equilibrada ao se envolver nesses temas. Havendo uma afronta direta à Constituição ou ao estado democrático de direito, ela intervém. Não havendo, ela se reserva.
Como a advocacia recebeu a entrada na política de Sérgio Moro após a controvérsia na Lava Jato e suspeição da atuação dele?
A advocacia é um grupo muito heterogêneo. Mesmo entre os advogados, há muitos fãs, muitos daqueles que gostam da atuação do Sérgio Moro. Não é consenso absoluto na classe que a Lava Jato violou prerrogativas. Existem advogados que acham que o que ele fez era necessário e estava de alguma forma dentro das possibilidades da Constituição. Acho difícil fazer aqui uma fala em nome da advocacia. Uma parte dela, sobretudo da criminal, que aqui estou representando e que tem conhecimento mais direto do que foi a Lava Jato, entende que o Sérgio Moro foi um juiz extremamente desrespeitoso em relação às prerrogativas dos advogados. Mas a questão de impedi-lo de ingressar na Ordem é mais complexa. Vejo com reserva essa ideia.
Como avalia a atuação do STF em relação à prisão após condenação em segunda instância, o que permitiu a soltura de Lula e enterrou processos na Lava Jato?
A atuação recente do tribunal tem episódios complicados e que levam em conta o contexto político e pouco técnico. Na minha avaliação como jurista, a atuação do Supremo, ao permitir a prisão em segunda instância em 2016, essa, sim, violava frontalmente a Constituição. Sobre os processos do ex-presidente Lula, eu não posso opinar tecnicamente, mas, pelo que a imprensa noticia, há nulidades flagrantes, suspeição que ficou muito clara e manifesta, um conluio entre Ministério Público e juiz. Não há como se validar um processo como esse. Isso também seria uma violação ao princípio constitucional da imparcialidade do juiz.
Acho que nesses dois pontos o Supremo não extrapolou a sua competência, cumpriu sua missão, que é de preservação da Constituição. Em alguns temas o Supremo, de fato, tem manifestado um ativismo judicial que é pernicioso. O que a gente vive no Brasil é uma crise institucional em que um Poder acaba invadindo a seara do outro porque o outro se mostra inoperante. Ativismo judicial não tem mérito, é sempre ruim e pernicioso, é um cheque em branco para o Judiciário e isso não é bom.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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