Jornal Estado de Minas

SUCESSÃO PRESIDENCIAL

Fator Moro nas eleições: o que muda no cenário?


Brasília – Desde o anúncio da pré-candidatura do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro (Podemos) ao Palácio do Planalto, a tão falada “terceira via” ganhou novas configurações para as eleições de 2022. Moro, que ficou longe do país durante o último ano, retorna trazendo seu nome para o centro da disputa e, na opinião de especialistas, com possibilidade de crescimento significativo nas pesquisas, caso mantenha a postura contida, sem revidar ataques.




 
Para especialistas, não haverá reconciliação entre Bolsonaro e o ex- ministro nem para combater o adversário comum dos dois (foto: Evaristo Sá/AFP)
Para aliados, Moro é o candidato certo para aliviar as tensões da polarização política entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), que prometem ser mais altas em 2022 do que em 2018. É o que aposta o colega de partido, o senador Eduardo Girão (CE). “É uma opção que renova a força de um símbolo perdido de esperança e transformação, sem termos que enveredar necessariamente para mais um Fla x Flu”, crê. “O cidadão brasileiro não aguenta mais briga por política. Repugna isso. Ele quer maturidade e diálogo”, acrescenta o parlamentar.
Girão destaca ainda que Moro goza de muita credibilidade junto a grande parte da população. “Seu trabalho exitoso, que ganhou popularidade por ser um símbolo positivo do país, de que a justiça seria para todos, está muito forte e recente no imaginário do povo brasileiro”, afirma o senador, que menciona também um sentimento de “gratidão” de muitos brasileiros.
Composições políticas nos âmbitos regionais e locais e tempo na TV podem beneficiar Lula, assim como o presidente, na corrida eleitoral (foto: Julien Rosa/EM/D.A Press - 16/11/21)
 
Leandro Consentino, professor de Ciência Política e Relações Internacionais do Insper, acredita que, caso Moro mantenha a popularidade, é possível que mude o rumo das eleições. “O desafio da terceira via é difícil quando há pulverização de candidatos, mas o Moro é quem tem mais condições de fazer isso neste momento”, avalia.




Consentino explica que a candidatura de Moro também torna delicada a situação do Partido dos Trabalhadores (PT), visto que enfrentar Bolsonaro no segundo turno seria o melhor cenário para o partido de Lula. “Deverá haver um esforço de igualar Moro e Bolsonaro ao longo da campanha, em uma tentativa de deslegitimar essa candidatura”, prevê.

CESSAR FOGO Para Danilo Morais dos Santos, professor da pós-graduação do Ibmec-DF, uma eventual ascensão de Moro na preferência do eleitorado pode levar “Lula e Bolsonaro a um cessar fogo entre si, tendo em vista que a maior ameaça para ambos é a chamada terceira via”. Diante disso, é possível que a imagem do ex-juiz venha a sofrer alguns desgastes, em razão dos excessos cometidos pela Lava-Jato, que devem ser explorados pelos adversários durante a campanha presidencial.
 
A respeito da candidatura, outro ponto a ser considerado são os limites da popularidade do ex-ministro, uma vez que ter o nome em pauta nas principais capitais do país, no caso de Moro, é um dos principais desafios. “É uma candidatura que vai do Oiapoque ao Chuí. Não basta ser um nome conhecido apenas em alguns lugares. Embora Moro tenha largado com muita potência na corrida eleitoral, há desafios pela frente para consolidar o nome dele pro ano que vem”, explica Danilo Santos. O professor destaca também que o enraizamento partidário poderá fazer falta para o ex-ministro, que se filiou no início deste mês ao Podemos.





ANIMOSIDADES Após a conturbada saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça de Bolsonaro, em abril do ano passado, não são raros os ataques entre o presidenciável do Podemos e o chefe do Executivo. Na última live realizada por Bolsonaro nas redes sociais, o presidente chamou Moro de “mentiroso deslavado” e afirmou que ele faz “papel de palhaço”.
Foi uma reação às declarações do ex-ministro de que Bolsonaro havia comemorado a saída de Lula da prisão. Moro, por outro lado, usou as redes sociais para criticar as declarações do presidente contra a vacinação. “Volto a dizer: com mais de 615 mil mortes, a postura antivacina do presidente já foi longe demais. Estamos falando de vidas humanas”, escreveu em um tweet no dia 1º de dezembro.
 
O ex-ministro Moro ainda declarou, em entrevista ao Correio Braziliense, que o combate à corrupção, tão evidenciado na campanha de Bolsonaro, não é uma prioridade de fato. “Bolsonaro não está nem aí para o combate à corrupção”, disse ele à jornalista Denise Rothenburg.




 
Diante das críticas trocadas entre os dois possíveis candidatos ao pleito, especialistas avaliam que, mesmo em um cenário em que a união de Moro e Bolsonaro fosse determinante para a derrota de Lula, não há chance de reconciliação. “Não concebo uma aliança entre Bolsonaro e Moro. A saída dele do Ministério foi muito traumática, e com o presidente jogando nesse modo sobrevivência, tudo indica que será uma campanha muito pesada, que vai dificultar muito um apoio entre os dois”, analisa Danilo Santos.
Para o senador Girão, as trocas de farpas não irão colaborar com o debate edificante que deveria haver nas eleições. “Tudo o que o brasileiro anseia é por uma campanha diferente, que deixe de lado a agressividade entre candidatos e evidencie exposições propositivas para o triunfo do Brasil e dos brasileiros”, argumenta.

ACORDO IMPROVÁVEL Consentino também acredita ser improvável um acordo que sele a paz entre Moro e Bolsonaro. “Mas tampouco eu consigo vislumbrar estes dois dando a mão pro Lula num eventual segundo turno. Eu antevejo que eles vão liberar seus eleitores para fazerem o que quiserem e aí, muito provavelmente, os eleitores de um migram pro outro”, vislumbra. “Acho que a questão está menos pautada nas lideranças, num acordo eventual, e mais no comportamento do eleitorado”.




 
É possível, ainda, que ocorra o contrário do cenário de 2018, quando muitos políticos de carreira foram deixados de lado, em meio aos anseios por renovação. O pleito de 2022 pode vir com um quê de tradição e convencionalidade, como avalia Danilo Santos. “Nessa eleição, apostaria nos políticos profissionais, com tempo de TV, composições políticas, nos âmbitos regionais e locais. Nesse sentido, Lula e Bolsonaro largam na frente em desfavor de Moro”, vislumbra. “Moro está muito próximo de um ponto de saturação, isso cria uma expectativa grande do mercado. Ou ele vai estagnar, ou mesmo com a campanha negativa, pode haver inflexão forte e perder esse eleitorado. É um forte candidato a repetir o fenômeno Marina Silva”, avalia.
 
A ex-ministra do Meio Ambiente, nas eleições de 2014, era favorita nas pesquisas. Mas na reta final do primeiro turno a então candidata do PSB teve encolhimento de seu eleitorado, ficando com 21% dos votos.




audima