Três funcionários do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRCI) relataram, em depoimento à Polícia Federal, terem sofrido pressão da cúpula do Ministério da Justiça durante o processo de extradição do blogueiro Allan dos Santos, determinado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
Segundo o jornal O Globo, a PF investiga se houve tentativa de obstrução do procedimento por parte do governo federal.
Prestaram depoimento a ex-diretora do DRCI, a delegada da Polícia Federal Silvia Amélia Fonseca de Oliveira, o coordenador de extradição do DRCI, Rodrigo Sagastume, a diretora substituta do DRCI, Priscila Campelo.
Silvia Amélia foi, inclusive, exonerada do cargo, pelo ministério, após ter encaminhado o processo de extradição. De acordo com a PF, a exoneração da delegada aconteceu pelo fato de ela "não ter dado ciência" à cúpula do ministério sobre a extradição.
Ainda de acordo com reportagem de O Globo, os três afirmam que o processo envolvendo Allan dos Santos foi a primeira vez em que a cúpula do Ministério da Justiça pediu informações, cópia do processo e tentou interferir no procedimento. O DRCI é um órgão subordinado ao Ministério da Justiça. Porém, quando esses pedidos surgiram, o DRCI já tinha encaminhado o pedido de extradição para o Ministério das Relações Exteriores, que o despachou para os Estados Unidos.
Telefonema e reunião
A ex-diretora Silvia Amélia, segundo o jornal, contou que recebeu um telefonema do chefe de gabinete do ministro Anderson Torres, o brigadeiro Antônio Ramirez Lorenzo. Ele pediu informações sobre o caso do blogueiro. Como estava de férias, Silvia Amélia afirma ter encaminhado a demanda para a diretora substituta Priscila Campelo.
Priscila disse que "entrou em contato com o Chefe de Gabinete do MJSP, brigadeiro Lorenzo, o qual informou que o Ministro do MJSP gostaria de obter informações sobre o fluxo do processo de extradição ativa, bem como em que momentos tal processo passaria pelo MJSP e qual o papel do MJSP nas etapas do mencionado pedido de extradição”.
Silvia Amélia contou ainda que o secretário nacional de Justiça, Vicente Santini, amigo dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, a chamou para uma reunião em 3 de novembro e reclamou sobre o processo de Allan.
"O secretário Vicente mencionou que a ausência de informação sobre o caso do Allan dos Santos causou um desconforto para o próprio Secretário e para o MJSP".
Depois do encontro, Santini emitiu uma ordem para que todos os processos de extradição passassem por ele, de acordo com a reportagem.
Questionamento de superiores
Já Rodrigo Sagastume contou que Santini convocou uma reunião e reclamou que "gostaria de ter sido avisado sobre o processo de extradição de Allan dos Santos".
"O depoente teve a percepção que a reunião da tarde foi esvaziada diante do fato de que o processo de extradição de Allan dos Santos já havia sido remetido ao MRE, restando apenas o alerta de que novos casos sensíveis fossem reportados ao secretário", afirmou o coordenador em depoimento.
Ele disse ainda que, antes do caso do blogueiro, "nunca foi questionado por superiores hierárquicos" a respeito de um processo de extradição.
Vicente Santini também foi ouvido pela PF e negou ter tentado interferir no processo. Admitiu que pediu à diretora substituta do DRCI detalhes sobre a extradição do blogueiro, mas afirmou que "sua motivação era dar cumprimento à decisão judicial".
Ele afirmou ainda ter conversado com o ministro Anderson Torres apenas para informá-lo sobre o andamento do processo.
Santini criticou a ex-diretora Silvia Amélia, durante seu depoimento à PF. Segundo ele, a delegada impediu seu acesso a documentos sem uma justificativa técnica, no caso do blogueiro.
*Estagiária sob supervisão