A PF suspeita de tentativa de obstrução da extradição do dono do canal Terça Livre, que teve a veiculação suspensa por ordem do Supremo. A PF apura também se o secretário Nacional de Justiça, Vicente Santini, cometeu crime de embaraço à investigação sobre organizações criminosas.
Aliado da família Bolsonaro, ele ocupou diversos cargos no governo, como o de secretário executivo da Casa Civil e assessor do Ministério do Meio Ambiente e da Secretaria-Geral da Presidência da República.
Em 26 de outubro, cinco dias após o STF tornar pública a decisão de prender Allan dos Santos, o secretário pediu acesso a todos processos de extradição ativa - aquela em que o governo brasileiro pede cooperação a um país estrangeiro para prender um investigado ou condenado.
Em depoimentos, os funcionários do DRCI afirmaram que a interferência do secretário não encontra precedentes, e que esse tipo de procedimento sempre ficou dentro dos limites do Departamento.
Após dar seguimento e ter resistido em conceder a Santini acesso aos procedimentos de extradição, a delegada da Polícia Federal Silvia Amélia Fonseca de Oliveira, que chefiava o DRCI, foi exonerada no dia 10 de novembro.
'Desconforto'
Em seu depoimento à própria corporação, ela relatou ter se reunido sete dias antes com Santini. Conforme o relato de Silvia, Santini disse a ela durante o encontro, que a "ausência de informação sobre o caso causou um desconforto" para ele e "para o Ministério da Justiça e Segurança Pública". De acordo com o depoimento, na mesma reunião, a então chefe do DRCI disse entender não ser possível conceder a Santini os documentos de processos sigilosos de extradição.
Documentos anexados ao inquérito evidenciam a contenda entre o secretário e a ex-chefe do DRCI. Em um despacho, Silvia reiterou que havia dúvidas a respeito da legalidade do monitoramento de Santini sobre as extradições. O secretário nacional de Justiça pediu um parecer da consultoria jurídica do ministério.
Em uma resposta que só veio no dia 23 de novembro, 13 dias após a demissão de Silvia, uma representante da Advocacia-Geral da União (AGU) endossou o acesso de Santini aos processos de extradição. Segundo o órgão, o secretário poderia monitorar as extradições com base no princípio da "hierarquia".
Ainda em seu depoimento, Silvia disse que Antônio Ramirez Lorenzo, chefe de gabinete do ministro da Justiça Anderson Torres, solicitou a Priscila Campelo - que atuou na DRCI durante as férias da ex-diretora - informações sobre os trâmites de pedidos de extradição ativa.
Campelo também prestou informações à PF relatando que chegou a entrar em contato com Lorenzo, sendo que o brigadeiro informou que o "Ministro do MJSP (Ministério da Justiça e Segurança Pública) gostaria de obter informações sobre o fluxo do processo de extradição ativa, bem como em que momentos tal processo passaria pelo MJSP e qual o papel do MJSP nas etapas do mencionado pedido de extradição".
Em depoimento, o coordenador de extradição do DRCI, Rodrigo Sagastume disse ter se reunido com Santini. Segundo ele, o secretário "disse que gostaria de ter sido avisado sobre o processo de extradição de Allan dos Santos". Conforme o coordenador, a divulgação do caso "deixou o secretário Vicente Santini e o ministro da Justiça 'vendidos', pois a imprensa estava divulgado algo que havia tramitado no MJSP e que eles desconheciam".
Sagastume também mencionou um contato do gabinete do ministério solicitando cópia do processo do pedido de extradição do Allan dos Santos, o que foi feito diretamente à Coordenadoria-Geral do Gabinete da pasta.
'Cumprimento'
Santini também foi ouvido pela PF e, questionado sobre o motivo para solicitar informações sobre o processo de extradição de Allan dos Santos, disse que "sua motivação era de dar cumprimento à decisão judicial". O secretário nacional de Justiça afirmou ter conversado com o ministro Anderson Torres somente para informá-lo sobre o processo. Santini criticou Silvia afirmando que ela não tinha justificativa para negar acesso às extradições.
A suspeita de ação indevida na atuação do DRCI ocorre na esteira de uma série de ingerências do governo federal sobre órgãos de investigação. Conforme mostrou o Estadão na sexta-feira, 3, desde seu início, o governo Jair Bolsonaro promoveu a troca de pelo menos 20 delegados da PF - parte deles ocupava os mais altos cargos na cúpula da corporação em Brasília.
Bolsonaro é investigado em um outro inquérito no Supremo por suspeita de interferência política na corporação para proteger parentes e aliados.
O diretor-geral, Paulo Maiurino, afirmou à colunista Eliane Cantalhêde que a PF "não pode ser envolvida na disputa política, eleitoral e ideológica, pois é uma instituição de Estado, não de governo". "O presidente nunca me pediu nada e não interferiu em nada, muito menos em processos de investigação", disse.