
Há, na Assembleia, certa resistência à adesão ao RRF. Por isso, alguns dos líderes do Legislativo acertaram priorizar propostas para enfrentar a pandemia. O projeto sobre o IPVA, apresentado por Bruno Engler (PRTB), vai anexar documento em que Zema sugere limitar o reajuste do tributo em 2022.
A combinação que viabiliza a votação foi anunciada oficialmente pelo presidente da Casa, Agostinho Patrus (PV), durante a reunião plenária desta quarta (14). A possibilidade de analisar nesta semana o texto sobre o IPVA, porém, segundo apurou o Estado de Minas, já era aventada nos bastidores desde horas antes, quando foi publicada a resolução permitindo a convocação de sessões extraordinárias para votar projetos relativos ao coronavírus.
"A população de Minas não aguenta mais o aumento do custo de vida. A alimentação, a luz e os combustíveis subiram. A Assembleia não poderia permitir que o IPVA subisse em proporção à valorização dos carros usados, o que ocorreu pela diminuição da produção de novos carros", diz Agostinho.
"Os mineiros terão uma preocupação a menos para o início do ano. Além de pagar um combustível caro e uma energia que não para de subir, a questão do IPVA está resolvida", emenda.
O projeto sobre o IPVA foi enviado ontem por Zema à Assembleia. Antes de o debate sobre o tributo veicular ser encaixado no chamado "rito COVID", seria preciso encerrar a discussão a respeito da recuperação fiscal para entrar no tema.
"Se a intenção do governador era beneficiar o cidadão no pagamento do IPVA, a Assembleia está cumprindo bem o seu papel. Buscamos as alternativas regimentais (para viabilizar a votação). Agora, se o objetivo era criar um elemento de pressão externa para acelerar o Regime de Recuperação Fiscal, a estratégia não foi a mais adequada", afirma André Quintão (PT), líder da oposição e um dos signatários do acordo que permite a sessão de amanhã.
Inácio Franco (PV), outra liderança a assinar o trato, não crê que a manobra foi pensada para mostrar resistência ao RRF. "Existe, na Assembleia, um projeto de resolução de votar prioritariamente todos os projetos que se relacionam à COVID. Isso destrava a pauta. Não tem nada a ver com os projetos normais. A pauta continua travada".

Governistas se queixam de acordo
Além de André e Inácio, o líder do bloco formado por deputados independentes ao governo, Cássio Soares (PSD), também assinou o acordo. Ele foi acompanhado por Raul Belém (PSC), líder da coalizão de parlamentares governistas - o grupo alinhado a Zema é encabeçado, ainda, por Gustavo Valadares (PSDB), que ocupa a liderança do governo.
Nesta terça, Valadares demonstrou irritação com a decisão de Agostinho e questionou o fato de o projeto de Recuperação Fiscal ainda não ter tido o relator definido. Em resposta, o presidente do Legislativo afirmou que a decisão cabe a ele.
O tucano divulgou nota dizendo que a articulação desta terça "surpreendeu" a maioria dos deputados presentes ao plenário. "Um projeto de autoria do Governador do Estado, que tramita em Regime de Urgência e é totalmente resguardado pela legislação em vigor, foi retirado da chamada Ordem do dia; descumprindo-se, assim, o que dispõe expressamente a Constituição Estadual e o que prevê o Regimento Interno do Parlamento Mineiro", protestou.
Guilherme da Cunha (Novo), defensor do ingresso de Minas no ajuste fiscal da União, classificou o acordo de líderes como "inconstitucional". "Mesmo com onda verde em todo estado, estádio lotado, 90% da população vacinada, o presidente decide colocar a ALMG em regime remoto, atropelar o trabalho das comissões e limitar severamente o direito de fala dos deputados em plenário", escreveu, no Twitter.
"O presidente decide, ainda, ignorar a Constituição do Estado e furar a pauta que, uma vez travada, proíbe a ALMG de votar qualquer outro projeto. Qual a finalidade? A meu ver, para continuar votando só aquilo que ele quer, ignorando o que o estado precisa e a Constituição manda", completou o governista.
Congelamento de tributos para carros usados
O projeto de Bruno Engler trata do congelamento da tabela do IPVA para carros usados (não importados). Deputados confiam na aprovação do texto amanhã para, assim, enviar imediatamente o resultado da votação a Zema, viabilizando a sanção da proposição.
"O próprio governador reconheceu que é uma pauta importante, que não é justo que o mineiro pague essa conta", projeta Engler.
O texto enviado pelo governador, por seu turno, pede a limitação do aumento do imposto ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).Com isso, se comparado a 2021, o valor do IPVA em 2022 terá uma correção de, no máximo, 10,67%, em vez de 22,81%, como era previsto pela tabela Fipe. O relator, André Quintão, vai se debruçar sobre os dois textos para construir seu parecer.
Recuperação fiscal segue em 'banho-maria'
A Assembleia deve encerrar o ano sem votar a Recuperação Fiscal. Romeu Zema solicitou que o projeto tramite em regime de urgência, mecanismo que suspende prazos e "abrevia" o caminho do texto até a votação final em plenário. Apesar disso, não há sinais de que o tema será posto em pauta.
O Palácio Tiradentes se ampara na necessidade de cumprir a decisão de Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), que, em outubro, deu seis meses para a adesão ao pacote. Há uma dívida de R$ 140 bilhões com a União, que não tem sido paga por causa de uma outra decisão da Corte.
Enquanto parte dos parlamentares crê que o ingresso pode trazer prejuízos a políticas públicas, Zema tem afirmado que rejeitar a recuperação fiscal fará com que o estado precise pagar, a curto prazo, um passivo de R$ 30 bilhões.
"Não é a toque de caixa. É um projeto que mexe com os servidores. Sabemos que é um projeto importante, mas tem que ser amplamente discutido", opina Inácio Franco.
Para André Quintão, o fato de o texto não ter sido colocado em votação mostra que ainda não há, na Assembleia, opinião majoritária acerca do assunto.
"O projeto congela por nove anos os investimentos sociais, impede a criação de novos programas de ação continuada, desestimula o servidor público, ao limitar a progressão nas carreiras, e limita a capacidade de atuação do estado ao restringir concursos públicos e contratações. É enfraquecer as políticas públicas exatamente no momento em que o mundo inteiro precisa de intervenção do Estado para atenuar os efeitos perversos da pandemia."