O pedido de liminar impetrado pela Advocacia-Geral do Estado (AGE) para impedir a votação, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), do projeto que congela os valores do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) aos níveis pré-pandemia irritou e despertou dúvidas em deputados estaduais. A validade da sessão convocada nesta quarta-feira (15/12) para aprovar a medida foi garantida pela Justiça, mas há quem aponte o uso do tributo como subterfúgio para viabilizar a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), desejo do governador Romeu Zema (Novo).
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O projeto do governador sobre o IPVA, enviado na segunda-feira (13), foi anexado a um de teor similar, apresentado por Bruno Engler (PRTB). O teor do texto de Zema, que propunha limites para o reajuste do tributo, foi considerado "tímido" - prevaleceu, então, a ideia de Engler, favorável ao congelamento da tabela da tarifa para carros usados (não importados).
Líder dos deputados que fazem oposição a Zema e relator do texto que trata do IPVA, André Quintão (PT) acredita no uso político do imposto.
"Me parece que o governo fez um jogo de cena. Queria utilizar o argumento de congelamento ou diminuição do IPVA apenas para pressionar a Assembleia a votar o Regime de Recuperação Fiscal. A partir do momento que a Assembleia encontrou um caminho regimental de beneficiar a população, o governo voltou atrás. Ficou muito feio para o governo", disse.
Cássio Soares (PSD), líder do bloco formado por parlamentares de orientação independente em relação à gestão do Novo, tem opinião similar.
"Não tem sentido algum o governo propor e, depois, entrar na Justiça. Significa que o governo está sendo incoerente com o que propôs para a população mineira. Será que era verdadeiramente isso que o governo gostaria? Estamos bem na dúvida, mas vamos continuar cumprindo nosso papel", afirmou.
Vaivém judicial
A liminar de Zema pedindo a suspensão da votação chegou a ser acatada pelo Judiciário, mas o Legislativo foi oficialmente notificado às 13h21, minutos após o resultado ser proclamado. Uma hora e meia depois, o presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Gilson Lemes, suspendeu a ação de Zema e garantiu validade à votação.
"Esperamos que o projeto seja logo sancionado, assim como outros tantos aprovados na pandemia, para que este importante benefício chegue o quanto antes às pessoas", falou o presidente da Assembleia, Agostinho Patrus (PV).
"O governador vai ter duas opções: ser coerente com o discurso que sempre teve, de liberalismo e estado menor, pesando menos no lombo das pessoas; ou pode contradizer tudo o que sempre pregou e vetar o projeto", concordou Bruno Engler, autor da proposta que prevaleceu.
Base governista tece críticas e teme 'precedente'
Os deputados estaduais aprovaram o congelamento do tributo por 55 a 0. Mesmo os parlamentares da base aliada ao governador votaram favoravelmente - não sem mostrar contrariedade ao rito adotado por Agostinho Patrus (PV).
A deliberação que permitiu dar prioridade a propostas para combater à COVID-19 se baseia em recrudescimento da pandemia por causa da variante Ômicron.
Para Guilherme da Cunha (Novo), o cenário epidemiológico de Minas é bom o suficiente para permitir que as atividades parlamentares sigam o curso normal, com prioridade ao Regime de Recuperação Fiscal.
"O que a gente viu foi um casuísmo. Inventaram uma preocupação com o rito COVID para dar roupagem jurídica a uma decisão - que foi política - de passar por cima do que diz a Constituição, e votar os projetos que querem, sem votar aquilo que a Constituição manda. Isso não pode ser admitido. Não podemos considerar normal ou do jogo", sustentou, recorrendo a tópicos como índice de vacinados no estado e as aglomerações causadas por causa do título brasileiro do Atlético.
A Assembleia vai terminar 2021 sem votar a Recuperação Fiscal. Romeu Zema solicitou que o projeto tramite em regime de urgência, mecanismo que suspende prazos e "abrevia" o caminho do texto até a votação final em plenário. Mas não há sinais de que o tema será posto em pauta.
O Palácio Tiradentes se ampara na necessidade de cumprir a decisão de Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), que, em outubro, deu seis meses para a adesão ao pacote. Há uma dívida de R$ 140 bilhões com a União, que não tem sido paga por causa de uma outra decisão da Corte. Zema tem afirmado que rejeitar a recuperação fiscal fará com que o estado precise pagar, a curto prazo, um passivo de R$ 30 bilhões.