Jornal Estado de Minas

ENTREVISTA

'Dinheiro é a última coisa que temos', diz governador Romeu Zema

Após cinco anos de parcelamento dos salários do funcionalismo, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), celebra ter conseguido, desde agosto, pagar os vencimentos no quinto dia útil. Embora diga abertamente que tentará a reeleição, afirma que as pessoas “não comem votos”. Por isso, garante estar focado nas necessidades do estado. Enquanto isso, as articulações políticas ficam a cargo de Igor Eto, secretário de Governo, que conversa com os partidos que pretendem estar na coligação liderada pelo Novo.



O governador assegura se amparar em pilares bem definidos: “determinação”, “metas”, “métodos” e “boa equipe”. “Se tivesse dependido de dinheiro, o estado teria afundado mais, porque dinheiro é a última coisa que nós temos”, diz em entrevista exclusiva ao Estado de Minas. “O pouco que temos, devolvemos aos prefeitos e ao funcionalismo, que foi lesado e ficou anos sem receber férias-prêmio, ter acesso a empréstimos consignados e a um plano de saúde adequado”, emenda.



Zema projeta um 2022 melhor, com “frutos” dos exercícios anteriores. O tom otimista, porém, deixa de transparecer no rosto do governador quando passa a falar, por exemplo, da relação com os deputados estaduais. Em meio a uma “guerra” judicial para anular a sessão que congelou o valor do IPVA a níveis pré-pandemia e tentando viabilizar a adesão à Recuperação Fiscal para renegociar dívidas junto à União, o político não poupa críticas aos adversários.

“Tem gente que quer, e gosta, do que acontecia em Minas, quando as prefeituras estavam quebrando e o funcionalismo não era respeitado. Batia palmas para o governador que fazia isso e direciona, agora, sua metralhadora para o governador que está corrigindo”, afirma, sem citar os nomes de quem lhe desagrada na Assembleia Legislativa – a relação com o presidente do Parlamento, Agostinho Patrus (PV), por exemplo, tem visíveis sinais de desgaste. Fernando Pimentel (PT), ex-governador e outro alvo das palavras, também não é mencionado.





O que será prioridade do governo estadual em 2022? 
Nestes três anos, posso dizer que os dois primeiros foram destinados a arar a terra, jogar sementes, adubar e irrigar. Só neste terceiro ano tivemos condição de colher alguns resultados do que fizemos em 2019 e 2020, anos muito difíceis. Desde o primeiro dia de governo, o foco é arrumar a casa e equilibrar as contas. Em 2021, posso dizer que conseguimos colocar o trem em cima dos trilhos novamente. Em agosto, voltamos a pagar o salário no quinto dia útil, o que não acontecia desde 2015. Seis anos pagando atrasado. Pagamos o 13° em dia, integralmente, o que também não acontecia desde dezembro de 2015. Estamos pagando os municípios – parcelamento de Fundeb, IPVA e ICMS. Já pagamos 24 das 33 parcelas, pontualmente. Fizemos, há dois meses, a renegociação da dívida da saúde, R$ 6,7 bilhões que serão devolvidos a cidades do estado. O que temos em mente é continuar este governo que paga o que é de direito do povo mineiro, que hoje tem uma saúde melhor e prefeituras com condições de investir mais em educação e infraestrutura, porque estão recebendo tudo o que lhes é de direito.

Vamos, também, dar início às grandes obras devido ao termo de reparação da tragédia de Brumadinho. Iniciaremos a construção do Rodoanel e as obras dos hospitais regionais, que vão revolucionar a saúde em Minas. Estamos com mais de 35 frentes de recuperação de rodovias, em todas as regiões. Essas rodovias não recebiam nenhuma manutenção, exceto tapa-buracos, há mais de 10 anos. E, além disso, grandes investimentos na educação: 1,2 mil escolas reformadas, e o Trilhas de Futuro, que são 75 mil vagas de ensino profissionalizante para estudantes de ensino médio e adultos que queiram se qualificar. São diversas ações que vão continuar, mas posso adiantar que 2022 será o ano em que mais vamos colher os frutos do que plantamos, principalmente em 2019 e 2020.

A que o senhor atribui a alta rejeição de Bolsonaro, que chegou a 60%, segundo o Datafolha? É viável enxergá-lo ao lado dele em um mesmo palanque na eleição de 2022?
Para mim, eleição é no segundo semestre de 2022. Meu foco, neste momento, é administrar Minas Gerais e resolver os grandes problemas que temos na segurança, na saúde e na educação. Da mesma forma que antes em minha vida, não tenho acompanhado política, eleição, até porque está muito distante. O mineiro não come votos. Se comesse, estaria muito empenhado em acompanhar. O mineiro come arroz e feijão — e precisa de emprego. Meu grande trabalho, neste momento, é atrair mais investimentos para Minas, gerar empregos e melhorar a saúde, grande preocupação do povo. Eleição é reflexo do trabalho que você faz. Meu apoio é para o pré-candidato do Novo (à Presidência), Luiz Felipe d’Ávila. Darei meu apoio a ele na época da campanha, porque, por ora, meu foco é continuar ao lado dos mineiros.





O vice-governador Paulo Brant se filiou ao PSDB em setembro. Os tucanos ainda não definiram se seguirão com o Novo na busca pela reeleição. O senhor já pensa em quem quer ter de vice no próximo pleito? Pretende fazer um esforço para repetir a dobradinha com Brant?
Não tenho nenhuma restrição a mudanças de partido. Respeito o vice-governador Brant da mesma forma que sempre o respeitei. Ele tem sido um vice-governador que atua da forma mais ética e competente possível. Meu relacionamento com ele é excelente. Ele tem todo o direito (de mudar de legenda). O nosso partido (é) liberal, o Novo. Liberal vem de liberdade, e as pessoas precisam ter liberdade. Jamais queremos ser um partido que acorrenta as pessoas. Ele, com toda a certeza, teve os seus motivos. Nosso secretário de Governo, Igor Eto, tem conversado com diversos partidos, entre eles o PSDB. Mas tudo ainda está muito prematuro. Estamos vendo diversas pessoas migrarem de um partido a outro neste momento. Essas chapas, essa construção, será feita daqui a quatro ou cinco meses. Temos de aguardar. Nosso secretário de Governo, que é quem acompanha isso, está, de certa maneira, muito atento a todos esses movimentos e dialogando com todos. Teremos alianças e coligações com os que quiserem defender uma Minas Gerais melhor, com mais empregos, melhorias na saúde, menos mordomias e menos favores. É o que queremos. Uma gestão pública mais séria, que devolva, ao pagador de impostos, serviços melhores.

O que o senhor aprendeu como gestor público nestes três anos de uma experiência até então inédita na sua trajetória?
Aprendi que o estado de Minas estava abandonado. Uma coisa é uma fazenda mal gerenciada; outra, é uma fazenda em que o dono não aparece há anos. Um estado que estava abandonado, como Minas Gerais, você não consegue reverter a situação em quatro ou oito anos. Vou ser candidato a um novo mandato, mas sei que oito anos não serão suficientes para consertar tudo o que temos de errado no estado. Aprendi que, com determinação, boa equipe, como montamos, e metas e métodos de trabalho você consegue fazer enormes mudanças em um estado que sempre alegou que tudo é falta de dinheiro. Se tivesse dependido de dinheiro, o estado teria afundado mais, porque dinheiro é a última coisa que nós temos. O pouco que temos devolvemos aos prefeitos e ao funcionalismo, que foi lesado e ficou anos sem receber férias-prêmio, ter acesso a empréstimos consignados e a um plano de saúde adequado. Estamos entregando o que muitos achavam impossível.

E como está sendo possível?
Qualquer um que sabe fazer gestão sabe que dinheiro é apenas uma parte da solução. É melhor um mestre de obras bom e R$ 500 mil para construir uma casa do que um mestre de obras meia-boca, fraco, e R$ 800 mil na mão para construir. Com R$ 500 mil, faço algo melhor. É o que temos mostrado em Minas Gerais. Tem sido um aprendizado bom e, principalmente, uma satisfação muito grande. Estamos mostrando que é possível ter uma política ética e dife- rente. Não tenho parentes ou amigos no estado. Selecionei as melhores pessoas para oferecer o melhor ao mineiro. É o que precisamos mudar no Brasil, porque aqui política virou sinônimo de distribuir favores e dar emprego a parentes e amigos. Não é desse jeito que vamos melhorar cidades, estados ou o Brasil.





O senhor pode apontar uma realização e uma frustração de sua administração?
Realizações tivemos várias. Todos os indicadores, em nosso governo avançaram. Saúde: temos a menor taxa de mortalidade do Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Um estado quebrado. Mostramos que dinheiro não é o que resolve tudo. Educação: depois de oito anos com o Ideb estagnado, avançamos. Devemos avançar de novo. Vai ser publicado no ano que vem nova avaliação do Ministério da Educação. Segurança pública: somos o estado mais seguro do Brasil, o que mostra, mais uma vez, que não é dinheiro. Na atração de investimentos fizemos, talvez, o maior avanço. A última gestão, em quatro anos, atraiu R$ 26 bilhões em investimentos privados; só neste ano, atraímos R$ 100 bilhões. No total, já chegamos a R$ 192 bilhões. Devemos fechar a gestão com uma atração de investimentos, talvez, dez vezes o volume da gestão passada. Isso demonstra que, com seriedade, você fala que tem credibilidade. Credibilidade atrai investimentos e empregos.

Minha frustração é que tem gente que não quer que isso aconteça. Tem gente que quer, e gosta, do que acontecia em Minas quando as prefeituras estavam quebrando e o funcionalismo não era respeitado. Batia palmas para o governador que fazia isso e direciona, agora, sua metralhadora para o governador que está corrigindo. Não gosto de ninguém; gosto de boas propostas. Não quero que ninguém apoie o governador Romeu Zema; quero que as pessoas apoiem o que é bom para o estado, que estamos propondo e fazendo.

Em outubro, o ministro Barroso, do STF, deu seis meses para MG aderir à Recuperação Fiscal. Na Assembleia Legislativa, no entanto, muitos deputados se mostram temerosos com impactos do pacote às políticas públicas e ao funcionalismo. O que o governo tem em mente para convencê-los a aprovar a adesão?
Lamento muito que isso esteja acontecendo. Veja os casos do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul. O Regime de Recuperação Fiscal, ou o que chamo de plano de recuperação econômica do estado, visa dar previsibilidade. O ministro Barroso disse que vai cobrar. De onde vamos tirar R$ 30 bilhões para pagar o governo federal? O valor é até superior a isso. Se você tem uma dívida desse tamanho e o governo federal está propondo 30 anos para pagá-la, de forma parcelada, em suaves prestações, principalmente no início, por que não aderir? O que aconteceu de ruim no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro? Vá lá e pergunte aos governadores e aos outros poderes se foram impactados negativamente. Tenho certeza de que não.



Parece-me que aqui em Minas Gerais temos uma torcida que não gosta que o time ganhe. Uma torcida que quer que o estado continue dando errado. O que precisamos fazer é mudar essa mentalidade aqui. Estamos provando que é possível, sim, reverter a situação do estado. Revertemos tudo o que estava ruim no estado. Nesses três anos, todos os indicadores melhoraram. Temos de fazer essa adesão. Se alguém tiver uma proposta melhor, traga, que estamos abertos. O que não queremos é que a situação volte a ser como foi no passado. Não podemos retroceder. Esse é meu grande temor. Parece-me que tem gente que se incomoda com o nosso governo dar certo. O único motivo que existe é esse.

Há deputados que defendem um grande seminário para debater a Recuperação Fiscal, como à época da reforma da Previdência. O governo se opõe a isso?
Estamos abertos a dar todas as informações. Temos o Assembleia Fiscaliza, feito para nosso governo. Nossos secretários estão indo constantemente à Assembleia. Acho que nunca, em Minas, tivemos um governo em que os secretários foram tanto à Assembleia Legislativa. Não é por falta de esclarecimento. Na minha opinião, é por falta de vontade.

O senhor falou em ‘torcida contra’ e incômodo com o governo ‘dar certo’. Pode citar nomes de quem compõe esse grupo?
Nome eu não sei. Você (repórter) que é comentarista político é que precisa estar acompanhando. Não tenho tempo para acompanhar o trabalho legislativo, infelizmente. Mas você sabe que alguns partidos são contrários ao que dá certo em Minas. Temos deputados que aplaudiam e soltavam foguetes para o governo anterior, que estava destruindo o funcionalismo público. Agora que estamos fazendo o certo, eles têm direcionado a metralhadora para nós. Parece-me que esse pessoal gosta do que dá errado. Quanto pior, melhor.





O governo judicializou a votação do congelamento do IPVA, aprovado pelos deputados antes da Recuperação Fiscal. A postura gerou, em alguns parlamentares, a desconfiança de que o IPVA acabou utilizado para apressá-los a votar o RRF. Como o senhor recebe esse tipo de análise?
O Regime de Recuperação Fiscal está na Assembleia desde o início de 2019. Vai completar três anos a primeira versão que enviamos. Pergunta: que dia isso foi a alguma comissão para ser analisado?. Nenhum dia. Só colocamos regime de urgência porque esse processo não se movia na Assembleia. Agora, querer colocar que estamos fazendo ‘jogo político’ não é meu perfil. Gosto de fazer o que é certo. Agora, tem gente que se acostumou, em Minas, com a politicagem e, talvez, esteja interpretando que jogo esse mesmo jogo. Estou querendo fazer o que é melhor para o mineiro.

Neste mês, o senhor publicou que havia quitado o 13°; no mês passado, o salário. Na semana passada, Alexandre Kalil afirmou que posts anunciando o pagamento de salários são ‘falta do que tuitar’. O que pensa dessa declaração do prefeito de BH?
Você tem de perguntar a ele. Trato todos os 853 prefeitos de forma muito civilizada. Talvez o que nós estejamos fazendo não lhe agrade. Paciência. Nem Jesus agradou a todos. Posso dizer que a maioria dos prefeitos está muito satisfeita com a nossa gestão. Talvez ele goste de quem não pague a prefeitura, porque já devolvemos à Prefeitura de Belo Horizonte R$ 430 milhões que o último governador tirou. Talvez ele goste de caloteiro. Não é esse o meu perfil. Gosto de honrar o que faço.

O senhor foi eleito pregando a diminuição da máquina pública. Como anda o seu plano de privatizar empresas como a Cemig e a Codemig? O que é prioridade no tema?
O plano de privatizações continua de pé e, de certa maneira, ficou suspenso porque tivemos uma pandemia no meio do caminho, que paralisou todos os processos. Estamos tendo uma série de prioridades, mas queremos, inicialmente, privatizar a Codemig, uma empresa menos conhecida, que não tem impacto tão grande quanto Cemig e Copasa.





E com relação à Cemig e Copasa?
A Cemig é exemplo de estatal que não dá certo: onde vou em Minas, vejo dificuldades de empresas que querem mais energia e produtores rurais que não conseguem produzir mais porque a empresa não consegue entregar energia suficiente. Isso só aconteceu porque a empresa, nos últimos anos, foi utilizada de forma política, e não aplicou recursos em Minas Gerais. Foi investir no Rio de Janeiro, Light; Renova, na Bahia; e Belo Monte e Santo Antônio, no Pará e em Roraima. E os mineiros, zero. Hoje, a Cemig tem boa parte de suas linhas de transmissão e distribuição sucateadas. Estamos correndo atrás. Ela está executando o maior plano de investimentos da história, R$ 22 bilhões, mas se amanhã tivermos alguém à frente do estado querendo fazer politicagem e coisa errada, essa situação vai se repetir. A Cemig é uma das últimas empresas de energia do Brasil nas mãos do estado. É algo que precisa ser feito. O mineiro não merece o que aconteceu com ele em relação à energia elétrica.

No saneamento, é semelhante. Onde vou, (há) reclamação de tarifa alta e serviço prestado de forma inadequada. Nada melhor que o setor privado concorrendo para poder melhorar a situação. O que queremos é o mineiro sendo mais bem atendido. Para mim, privatização e estatização são a mesma coisa. Quero o melhor, e o melhor está provado: é estar na mão do setor privado. E o estado usar o recurso para construir hospital. As pessoas não comem ou injetam energia elétrica na veia, mas precisam de remédio e tratamento. Temos de investir no que é prio- ritário. O setor privado pode investir em energia; o estado tem de investir em saúde.

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