Berço de formação de Jair Bolsonaro, as Forças Armadas compõem uma parcela importante da base política do presidente da República. A tendência, nas eleições do próximo ano, é de que o ex-capitão continue com o apoio dos militares. Entretanto, uma parte dos fardados busca uma alternativa, em reação à aproximação do presidente com o Centrão, bloco até então criticado por ele próprio. Se em 2018 militares bolsonaristas cantarolavam "Se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão", em 2021, o presidente cerrou fileiras com o PL de Valdemar Costa Neto, condenado no caso mensalão.
A parcela de militares decepcionada com Bolsonaro tende a apoiar um ex-colaborador do presidente: o ex-ministro da Justiça Sergio Moro (Podemos). Um outro grupo, menor, pode ainda votar no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A fim de evitar a sangria eleitoral, Bolsonaro tem se empenhado em manter a adesão dos fardados de baixa patente, além das polícias militares e federais. O reajuste salarial incluído no Orçamento de 2022, manobra que enfureceu diversas categorias do funcionalismo público, faz parte desse movimento.
Para os bolsonaristas, no entanto, essas flutuações não alteram o quadro geral. Na avaliação do deputado federal Capitão Augusto (PL-RS), o apoio dos militares ainda é majoritário ao presidente. "Os militares se identificam demais com o presidente, não é de agora. São mais de 30 anos da vida pública dele. Bolsonaro vai ter total apoio novamente. Não acredito que militares deixariam de votar no Bolsonaro para votar no Moro", avalia.
"Vejo que, internamente, na caserna, o pessoal tem uma admiração muito grande por Moro pelo período em que ele esteve à frente da Lava Jato. Mas daí achar que o pessoal vai deixar de votar no Bolsonaro para votar em Moro, é um longo passo. Para a reeleição, Bolsonaro vai continuar contando com o total apoio dos militares, não só das Forças Armadas, mas das polícias militares e bombeiros do país", acredita o parlamentar.
Interlocutores do Ministério da Defesa ouvidos pelo Correio, em caráter reservado, apontam que ainda não há uma alternativa na terceira via que se sustente. "O Bolsonaro parece bobo, mas é um excelente estrategista. Cada vez mais os militares irão se inserir na política. Não raciocinamos com desgaste da instituição", descreve um oficial.
Para Raquel Borsoi, analista de risco político da Dharma Politics, não é possível determinar com precisão a forma como as Forças Armadas irão se comportar em 2022. "Podemos pensar em representantes das Forças que estão bem envolvidos no universo da política e que, provavelmente, permanecerão alinhados ao presidente, como é o caso do ministro da Defesa, Walter Braga Netto. Mas não é o retrato fiel de todo o grupo, como se ele fosse homogêneo", argumenta.
Politização
Ela cita, por exemplo, o general Santos Cruz, que se juntou a Sergio Moro. "Ele é um contraponto ao consenso errôneo de que as Forças Armadas, em sua integralidade, estão alinhadas a Bolsonaro. Santos Cruz será um interlocutor entre Moro e parte do setor que, assim como ele, tem certa frustração com Bolsonaro", acredita Borsoi. "É importante lembrar que candidatos à esquerda também têm estabelecido diálogos com as Forças, como Lula e Ciro, o que confirma o fato de que elas se tornaram atores relevantes no processo político", observa.
O cientista político Cristiano Noronha, da Arko Advice, também considera forte o vínculo de Bolsonaro com militares, mas não vê politização nos quartéis. "Uma coisa são as pessoas que ocupam posições no governo, por escolha do presidente; outra coisa são as Forças Armadas serem usadas politicamente, o que não acho que esteja acontecendo. Não tem uso político das Forças Armadas como instituição", acredita Noronha. "Elas não têm se envolvido em batalhas ou apoios políticos do presidente de forma ostensiva. Existe sim, participação grande, mas não quer dizer maior politização da instituição como um todo", acrescenta.
Ele também aposta em uma fissura nas eleições, mas não crê em erosão de votos na candidatura do presidente. "Uma parte (dos militares) deve aderir à campanha de Moro, mas, majoritariamente, vai com Bolsonaro. A tendência é de que, independentemente do resultado da eleição, as Forças mantenham o comportamento institucional. Isso significa respeitar o resultado das urnas sem qualquer tipo de problema ou posicionamento contrário ao que for manifestado pelas urnas", ressalta Noronha.
Na visão de Pedro Célio Borges, sociólogo e analista político, o comportamento de Bolsonaro nos últimos tem sido nocivo para as Forças Armadas. "Durante um bom tempo, até o 7 de setembro deste ano, Bolsonaro atacou a ordem democrática e procurou subordinar as Forças Armadas a um ditame", opina. "Porém, tentou fazer isso utilizando os membros mais decisivos e importantes e não as Forças Armadas como instituição. Esse envolvimento não tem sido bom e fez com que militares se sintam incomodados", avalia.
Segundo Borges, os fardados se dividem entre apoio e desgaste da imagem do presidente dentro dos quartéis. "Bolsonaro continua com grande apoio no meio militar, mas não é irrestrito, nem absoluto como vinha sendo. Vão começar a surgir vozes dissidentes", frisa.
Frequência nas solenidades
Além de contar com diversos integrantes das Forças Armadas, Bolsonaro frequentemente demonstra apreço com a corporação que serviu durante 15 anos. Segundo levantamento do Correio, Bolsonaro esteve em 43 solenidades militares este ano. Ele intensificou a frequência nos meses de agosto (nove participações) e novembro (oito). Em dezembro, até o dia 17, Bolsonaro compareceu a cinco cerimônias.
A predileção pelos militares ocorre até nos momentos de lazer. Pela terceira vez, Bolsonaro passará os festejos de fim de ano em uma instalação castrense. Ele e família ficarão hospedados no Forte Marechal Luz, localizado na Praia do Forte, Santa Catarina.
A agenda deixa claro a preferência e o compromisso central do presidente às Forças Armadas em detrimento à pandemia de covid-19.
Em 11 de dezembro, durante cerimônia de Declaração de Guardas-Marinha, que formou 197 aspirantes da força, disse que com seu governo, as Forças Armadas "voltaram ao cenário nacional". "As Forças Armadas, há pouco tempo esquecidas, hoje voltam ao cenário nacional. O nosso trabalho cada vez mais vem sendo reconhecido por toda a nação", discursou na data.
Outro gesto do presidente em favor dos militares foi o reajuste das carreiras de policiais. Segundo a proposta aprovada no Congresso, o reajuste terá um custo de R$ 2,8 bilhões para os cofres públicos apenas no primeiro ano.
O chefe do Executivo destacou que a reestruturação é uma forma de "corrigir injustiças" e que é necessário a valorização das polícias. As mudanças deverão englobar integrantes da Polícia Federal (PF), da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e valerão a partir de 2022.
Seis perguntas para General Santos Cruz (Podemos)
Como vê a aproximação das Forças Armadas na política? Há um desgaste institucional?
Como instituição, as Forças Armadas têm que ficar sustadas da política. Não são instrumento de jogo político, como o Bolsonaro quis. A cultura das Forças Armadas é bem forte e nada tem a ver com política. Não há desgaste, pois as Forças Armadas, como instituição, estão completamente fora da política. Aqueles que estão expostos não representam as Forças.
Por quê?
O fato de levar o título, patente, é ligado ao nome da pessoa. Isso pode dar essa percepção institucional. Mas os militares não têm lado. Uma coisa é o militar como eleitor, como cidadão. Mas institucionalmente, ele não adota lado nenhum. Não tem a mínima chance ou abalo por candidato a B ou C.
Moro terá força entre os militares?
Não posso falar pelos militares, pois estou sem contato com o Exército. Mas é uma tendência normal que o nosso eleitorado vá votar em uma pessoa equilibrada. A decepção com Bolsonaro é geral, para o eleitorado dele como um todo.
O que aconteceu?
Ele traiu o país inteiro, os eleitores, o discurso dele. Falou que era contra reeleição, discursou sobre combate a corrupção porque a Lava-Jato estava em alta. No final, não fez nada. Prometeu que ia acabar com o toma lá dá cá, velha política, mas nunca falou o que era a nova política.
Como enxerga a aproximação de Bolsonaro com o Centrão a filiação dele ao PL?
É uma contradição com o que ele falou, o descumprimento de sua palavra. O Centrão não é um partido político; é um grupo de pessoas que só têm interesses pessoais. É claro que alguns partidos se confundem mais com isso, mas na prática, são apenas pessoas defendendo os próprios interesses, custe o que custar.
Quais bandeiras o senhor quer levar ao Congresso, caso seja eleito?
Ainda estou sem definição [para qual cargo], pois vou discutir com o Podemos para ver o plano do partido, não sou cacique. O meu primeiro objetivo político é que a gente não eleja de novo nem o Bolsonaro nem o Lula, pois já tiveram a oportunidade deles.