Brasília – Sob críticas dos próprios aliados, o presidente Jair Bolsonaro (PL) justificou ontem a recusa à ajuda humanitária oferecida pela Argentina à Bahia, estado que sofre com mortes e destruição provocadas por tempestades em volume histórico. Por meio das redes sociais, o chefe do Executivo disse que, em contato com o Itamaraty, a Chancelaria Argentina ofereceu assistência de 10 homens (os chamados “capacetes brancos”) para trabalho de almoxarife e seleção de doações, montagem de barracas e assistência psicossocial à população afetada pelas enchentes. Bolsonaro sustentou que o trabalho já estava sendo feito pelas Forças Armadas e pela Defesa Civil, “mas que (a ajuda) poderá ser acionada oportunamente, em caso de agravamento das condições”, escreveu. A postagem foi feita com montagem que mostra as bandeiras dos dois países.
O presidente tem sido criticado por estar em férias em Santa Catarina, onde ostenta passeios e conversa de forma descontraída e provocando aglomerações com apoiadores, além do fato de não ter visitado as áreas e a população atingidas pelas inundações na Bahia. Em resposta a Bolsonaro, o governador Rui Costa (PT) afirmou, ainda ontem, que aceitará assistência diretamente de qualquer país que queira ajudar o estado. A declaração foi dada depois de o governo federal recusar a ajuda da Argentina.
Pelo Twitter, Rui Costa agradeceu ao país vizinho e disse que toda ajuda é bem vinda. “Os baianos e brasileiros que moram aqui no estado precisam de todo tipo de ajuda. Estamos trabalhando muito, incansavelmente, para reconstruir as cidades e as casas destruídas, mas a soma de esforços acelera este processo, portanto é muito bem-vinda qualquer ajuda neste momento”, escreveu. O governador já havia demostrado indignação com o governo federal quanto a assistência às vítimas da chuva no estado.
Ainda pelas redes sociais, o presidente afirma que a ajuda da Argentina foi considerada desnecessária. O grupo dos Capacetes Brancos é especialzado no planejamento e execução de ajuda humanitária, já tendo atuado, desde 1994, em 700 missões desenvolvidas em 73 países, incluindo o Brasil. “O fraterno oferecimento argentino, porém muito caro para o Brasil, ocorre quando as Forças Armadas (Exército Brasileiro, Marinha do Brasil e Força Aérea Brasileira), em coordenação com a Defesa Civil, já estavam prestando aquele tipo de assistência à população afetada, inclusive com o apoio de 3 helicópteros da Marinha”.
Por fim, o presidente destacou que o governo brasileiro está "aberto a ajuda e doações internacionais" e citou doações recebidas por parte do Japão. “Por essa razão, a avaliação foi de que a ajuda argentina não seria necessária naquele momento, mas poderá ser acionada oportunamente, em caso de agravamento das condições. A resposta do Ministério das Relações Exteriores à Embaixada argentina é clara a esse respeito”, completou o presidente.
O próprio presidente disse que o Brasil aceitou ajuda do Japaão. “Ontem (na quarta-feira), o Itamaraty aceitou doações da Agência de Cooperação do Japão (JICA): são barracas de acampamento, colchonetes, cobertores, lonas plásticas, galões plásticos e purificadores de água, que chegarão à Bahia por via aérea e/ou serão adquiridos no mercado brasileiro”, concluiu.
Tratativa oficial
O governo da Bahia informou, por meio de nota, que o Ministério das Relações Exteriores dispensou, na quarta-feira, o envio de ajuda humanitária por parte do governo da Argentina às vítimas das enchentes. O Executivo estadual afirmou, ainda, que recebeu um documento do consulado argentino sobre a decisão da União. Em documento oficial, o governo brasileiro agradeceu a proposta argentina e informou que a situação na Bahia “está sendo enfrentada com a mobilização interna de todos os recursos financeiros e de pessoal necessários".
A informação repassada pelo governo de Rui Costa dá conta que o Ministério das Relações Exteriores teria afirmado que “na hipótese de agravamento da situação, requerendo-se necessidades suplementares de assistência, o governo brasileiro poderá vir a aceitar a oferta argentina de apoio da Comissão dos Capacetes Brancos, cujos trabalhos são amplamente reconhecidos”.
Horas antes, por meio das redes sociais, o governador Rui Costa (PT) chegou a agradecer a ajuda do país vizinho e pediu celeridade do governo federal para autorizar a missão estrangeira. O governador expressou gratidão ao embaixador Daniel Scioli e à presidente da comissão nacional dos Capacetes Brancos, a embaixadora Sabina Frederic, assim como ao cônsul-geral da Argentina na Bahia, Pablo Virasoro.
Presidente pilota, dança e é aplaudido
Brasília – Em período de férias em Santa Catarina e acompanhado da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e da filha mais nova, Laura, de 11 anos, o presidente Jair Bolsonaro (PL) visitou, ontem, o parque temático Beto Carrero World. No kartódromo do centro de entretenimento, o chefe do Executivo dirigiu um dos carros da apresentação do evento Hot Wheels Epic Show! e realizou manobras de derrapagens. A brincadeira também continuou na carona dada ao presidente por um dos pilotos profissionais participantes.
Vestido a caráter, Bolsonaro usou macacão semelhante aos dos pilotos, e foi ovacionado pela plateia ao som de gritos de “mito”. As imagens foram postadas pelo presidente nas redes sociais. A postura do presidente de manter férias enquanto milhares de pessoas sofrem com inundações na Bahia, tem sido alvo de críticas até mesmo de aliados do Palácio do Planalto. Ao menos 25 pessoas morreram em decorrência dos desastres provocados pelas inundações no estado.
Na tarde de ontem, o presidente postou, ainda, vídeo mostrando uma visita à loja da Havan, propriedade do amigo Luciano Hang, em São Francisco do Sul. Bolsonaro foi recebido por funcionários sob palmas e recebeu, como presente, um cooler (caixa térmica), uma bola de futebol, uma bandeira e toalha de banho. Todos os objetos foram decorados em temática nas cores verde e amarela.
O chefe do Executivo dançou junto do grupo de funcionários, sob o som do grito de guerra da loja balançando os braços com os dedos indicadores voltados para o alto. Ele está hospedado desde o último dia 27 no Forte Marechal Luz, em São Francisco do Sul.
Entre as atividades que tem praticada, o presidente pilotou jet ski, apostou uma “fezinha” na Mega-Sena e jantou em uma pizzaria. Bolsonaro passará a virada de ano acompanhado da família. A previsão é de que retorne a Brasília até a próxima segunda-feira. O presidente continua provocando aglomerações mesmo após o deputado federal Coronel Armando (PSL-SC), que o recebeu na chegada a Santa Catarina, ter anunciado um dia depois que testou positivo para COVID-19. (IS)
Autonomia constitucional
A dramática situação de calamidade pública imposta pelas inundações na Bahia deixou, até ontem, 25 mortos, 517 feridos e mais de 37 mil pessoas desabrigadas. O governador Rui Costa (PT) utilizou suas redes sociais para pedir que a ajuda humanitária oferecida pela Argentina fosse aceita pelo governo federal. Para a professora de Direito Internacional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Maristela Basso, o governador “não só pode, como deve aceitar a ajuda”. Maristela explica que não há restrições ao estado para aceitar apoio diante de uma situação de calamidade. “O governador só não pode, em termos de relações internacionais, fazer empréstimos em dinheiro sem autorização do Executivo Federal. Receber doações e ajuda é um imperativo ético de quem recebe e de quem doa”, afirma. A advogada constitucionalista Vera Chemim ressalta que a autonomia de Costa para a tomada de decisão é assegurada pela Constituição Federal.