Brasília – A operação-padrão adotada pelos auditores da Receita Federal desde 27 de dezembro afetou ontem o transporte de cargas nos estados, transtorno que pode impor prejuízos ao abastecimento de produtos no Brasil. A mobilização da categoria pressiona o governo a regulamentar o pagamento de um “bônus de eficiência” aos servidores e foi deflagrada após o anúncio de reajuste dos salários dos funcionários da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e do Departamento Penitenciário Nacional.
O protesto por reajuste já se estendeu a outras carreiras da elite do funcionalismo, como os funcionários do Banco Central (BC) e os auditores do Trabalho. Ontem, o Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (Sinait) informou que 160 servidores entregaram cargos de chefia e coordenação. Paralisação está marcada para o dia 18 deste mês, e há indicativo de greve geral para fevereiro.
A crescente onda de protestos de servidores é um dos grandes desafios a serem enfrentados pelo governo neste ano, em meio à falta de espaço no orçamento para aumentar os salários de outras categorias do funcionalismo. As mobilizações começaram depois que, por pressões do presidente Jair Bolsonaro (PL), o Orçamento 2022 foi aprovado, no Congresso, com a reserva de R$ 1,7 bilhão para o reajuste apenas dos salários do agentes federais de segurança.
No Porto de Santos, em São Paulo, a liberação do trigo importado da Argentina sofreu atrasos na alfândega. O protesto dos servidores da Receita atingiu pelo menos um navio carregado com o produto. No Norte, segundo o governador de Roraima, Antônio Denarium (PP), mais de 800 caminhões carregados com diversos tipos de mercadorias estavam parados ontem na fronteira com a Venezuela, na capital Boa Vista, e em Manaus (AM).
O Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco) de Santos informou que, até ontem, 95% dos 20 cargos de chefia da alfândega local haviam sido entregues, incluindo os de delegado e de delegado-adjunto. O presidente do sindicato, Elias Carneiro Júnior, anunciou que está marcada para hoje uma reunião da entidade com os auditores de Santos para discutirem formas de tornar a operação-padrão ainda mais rigorosa.
“Vamos fazer uma reunião à tarde para que a gente possa acirrar o movimento e aumentar a intensidade da operação-padrão. O que isso quer dizer? Nós vamos aumentar o percentual de amostragem e conferência. Em vez de conferirmos 100 contêineres, como a gente faz atualmente, por amostragem, nós vamos conferir 200 contêineres totalmente”, disse o sindicalista. “Claro que isso aí acaba por atingir a liberação da carga, principalmente de importação, porque os procedimentos ficam mais lentos”, acrescentou.
Carneiro Júnior observou que a manifestação dos auditores só não está atingindo produtos prestes a vencer, principalmente perecíveis e medicamentos. “Estamos no Brasil inteiro acirrando, principalmente nos portos secos, que a gente chama de fronteiras secas, como Uruguaiana (RS), Foz do Iguaçu (PR), Pacaraima (RR), no Norte do país. São lugares que já estão começando a ter reflexos, infelizmente, em cima dos caminhoneiros”, afirmou Carneiro Júnior. Ele destacou que a intenção é ampliar o movimento na segunda-feira, enquanto o governo não ceder e não cumprir o que foi acordado em 2016. Ele se refere à promessa do Executivo de regulamentar o pagamento de benefício conhecido como bônus de eficiência.
Outras questões
Em nota, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) informou que “está monitorando o tema e avaliando eventuais impactos. Caso necessário, adotará medidas para garantir a normalidade dos serviços afetados”, informou, por meio de nota. A Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo) afirmou ter recebido do Mapa a informação de que a pasta “está adotando medidas para acelerar a liberação das cargas que já estavam desembarcadas e que ainda não haviam sido liberadas”.
Por sua vez, a Santos Port Authority (SPA), que administra o Porto de Santos, informou que as operações no local estão “dentro da normalidade em seus acessos públicos”. “Cabe destacar que as atracações e embarques/desembarques dependem de vários fatores: questões climáticas, como excesso de chuva; mercadológicas, como conveniência do exportador ou importador de aguardar melhor preço; ou mesmo logísticas, como disponibilidade de navios, caminhões e armazenamento. Assim, não é possível dar como causa de eventual atraso de exportação ou importação a anuência das autoridades locais”, afirmou a SPA, por meio de nota.
A administradora acrescentou que, “especificamente em relação à movimentação de cargas, a SPA, na condição de autoridade portuária responsável pela gestão da infraestrutura pública do Porto de Santos, recebe dados consolidados mensais de movimentação de cargas e navios no Porto de Santos enviados pelos entes privados, mas não opera cargas”.
Fronteira
O governador de Roraima, Antônio Denarium, afirmou ter conversado com o ministro da Economia, Paulo Guedes, para pedir ajuda nas negociações pelo fim do movimento dos auditores. Circula em grupos de auditores um vídeo mostrando cerca de 200 caminhões na fila da alfândega em Pacaraima (RR), na fronteira com a Venezuela. Na quarta-feira à noite, a Receita informou que os veículos começaram a ser liberados.
Segundo o governador, o número de carretas paradas na região chegou a 800, incluindo aquelas que estão na capital, Boa Vista, e em Manaus. “Falei com o ministro da Economia, Paulo Guedes, que está sensibilizado com essa situação e, também, com o chefe-geral da Receita em Brasília, Julio Cesar Viera Gomes. Estão abertas as negociações para o reconhecimento do bônus salarial de todos os auditores da Receita”, afirmou.