Em meio à polêmica provocada pelo decreto do presidente Jair Bolsonaro (PL), liberando a classe executiva para ministros e servidores em viagens, é preciso notar que essa despesa voltou a crescer e só tende a aumentar.
Em 2021, os gastos da União com diárias e passagem aumentaram 35,18%, em 2021. O avanço ocorre após o recuo de 58%, em 2020, devido à crise provocada pela pandemia da covid-19, conforme dados do Portal da Transparência, da Controladoria-Geral da União (CGU). As despesas com diárias e hospedagens de viagens de funcionários públicos pagas pelo erário somaram R$ 733,34 milhões no ano passado. Em 2020, o volume de gastos foi de R$ 542,59 milhões e, em 2019, o saldo era bem maior, de R$ 1,29 bilhão.
O número de processos dessas viagens dos funcionários públicos a serviço, contudo, não cresceu no mesmo ritmo do aumento das despesas, o que significa que os servidores passaram a gastar mais em cada deslocamento, em grande parte, devido à inflação, que encerrou o ano passado com alta de 10,16%. O total de processos passou de 319.699 para 379.699, em 2020, para 379.260, em 2021, ou seja, um crescimento de 18,76%.
No acumulado desde 2014, os gastos com diárias dos servidores somaram R$ 6,077 bilhões. Enquanto isso, as despesas com passagens totalizaram R$ 2,853 bilhões no mesmo período. Uma rubrica intrigante é a de outros gastos, que somou R$ 2,6 milhões nessas viagens em 2021 e, desde 2014, o montante acumulado é de R$ 36,6 milhões. Procurada, a CGU ainda não comentou sobre o que essas despesas se referem.
A CGU também foi questionada sobre a falta de dados detalhados sobre as viagens e as diárias em mais de 30% do total dos desembolsos com diárias e passagens. Quando os documentos são acessados, não há justificativas plausíveis para o pagamento das diárias e passagens e, muito menos, explicação do motivo. Dos R$ 733,34 milhões contabilizados no ano passado, R$ 231,26 milhões, o equivalente a 31,56% do total pago pelo contribuinte em viagens de servidores, é catalogada como “sem informações”.
Ranking das pastas
O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) liderou o volume de gastos com viagens dos servidores em 2021, respondendo por pouco mais de 50,75% do total pago, de acordo com os dados do painel do Portal da Transparência. O volume desembolsado pela pasta com essa rubrica foi de R$ 299 milhões, volume 3,3 vezes superior ao gasto do segundo ministério mais gastador, a Defesa, que respondeu por R$ 89,5 milhões.
Procurado, o MJSP informou que 96,49% desses gastos correspondem ao deslocamento do pessoal de segurança pública, como Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Força Nacional. “É importante esclarecer que a mobilidade é umas das características ordinárias para o profissional de segurança pública, que grande parte compõe o quadro do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Investimentos em viagens vão desde o deslocamento em ações policiais até práticas administrativas e técnico-periciais, conforme previsto na Lei nº 11.473, de 10 de maio de 2007, que dispõe sobre a cooperação federativa no âmbito da segurança pública, que possibilita a atuação integrada dos órgãos, em apoio a todos os estados e ao Distrito Federal”, informou a a pasta.
O especialista em contas públicas Gil Castello Branco, secretário-geral da Organização Contas Abertas, lamentou o retrocesso do governo em permitir viagens executivas para servidores, porque vai na contramão da austeridade fiscal e do controle de gastos públicos. “Em um momento em que a pandemia está recrudescendo com a variante ômicron, a situação econômica não é favorável e as contas públicas estão se deteriorando, o presidente parece que está preocupado apenas com a cúpula do funcionalismo”, disse.
Castello Branco lembrou que, há vários anos, servidores tentam incluir essa pretensão de uso da classe executiva para viagens que durem mais de sete horas, inclusive, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Em 2018, houve a primeira tentativa e, em 2020, suprimiram a proibição, uma vez que todo servidor merece viajar nas mesmas condições que os demais cidadãos. “Mas essa regra foi suprimida e deram a oportunidade para as viagens na classe executiva”, lamentou, em referência ao novo privilégio criado, ontem, por decreto, por Bolsonaro, e que tinha acabado durante o governo MIchel Temer (MDB).
Logo, a certeza é que esses gastos deverão aumentar com o novo decreto, pois o preço das passagens pagas pelo governo estão muito acimas do que o consumidor comum, quando planeja a viagem, consegue pagar. O valor mais alto de uma passagem paga pelo governo federal no trecho Brasília-Rio de Janeiro, por exemplo, foi de R$ 3.501,02, mais de quatro vezes o preço médio, em torno de R$ 800. Na página do Portal da Transparência há outros detalhamentos.
Veja abaixo, alguns dados sobre as viagens dos servidores
Gastos com viagens a serviço por órgão pagador
Órgão Valor pago
Ministério da Justiça e Segurança Pública………………………R$ 299.061.821,06
Ministério da Defesa…………………………………………………………..R$ 89.484.077,19
Ministério da Educação………………………………………………………R$ 22.362.617,69
Ministério do Meio Ambiente…………………………………………..R$ 19.911.938,45
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento…. R$ 15.822.232,67
Outros……………………………………………………………………………………R$ 92.718.957,81
Total……………………………………………………………………………………….R$ 539.361.644,87
Gastos com viagens a serviço por órgão solicitante – Dados de 2021
Órgão Total gasto com viagens
Sem informação…………………………………………………..R$ 231.264.894,41
Ministério da Justiça e Segurança Pública………R$ 172.179.046,73
Ministério da Defesa…………………………………………..R$ 132.396.998,38
Ministério da Educação………………………………………R$ 30.845.763,53
Ministério do Meio Ambiente…………………………..R$ 26.404.323,26
Outros……………………………………………………………………R$ 140.248.719,56
Total……………………………………………………………………….R$ 733.339.745,87
Evolução histórica de pagamentos
ANO DIÁRIAS PASSAGENS OUTROS GASTOS
2014 R$ 959.307.184,88 R$ 491.391.368,50 R$ 3.988.735,21
2015 R$ 693.997.962,17 R$ 350.154.660,06 R$ 2.820.494,91
2016 R$ 979.798.050,45 R$ 350.505.575,26 R$ 4.303.019,50
2017 R$ 795.396.562,02 R$ 404.527.011,53 R$ 6.242.999,64
2018 R$ 907.354.517,24 R$ 482.853.951,97 R$ 8.257.582,84
2019 R$ 782.515.475,63 R$ 464.665.880,78 R$ 6.656.195,99
2020 R$ 428.039.158,47 R$ 110.134.287,57 R$ 1.188.198,83
2021 R$ 531.454.792,48 R$ 199.217.181,17 R$ 2.665.418,12
2022* R$ 99,03 R$ 55.514,83 R$ 0,00
Total R$ 6.077.863.802,37 R$ 2.853.505.431,67 R$ 36.122.645,04
*coletados em 13/01/2021
Fonte: Portal da Transparência