A primeira de três paralisações de servidores públicos está marcada para amanhã. A expectativa, segundo líderes sindicais, é que a mobilização neste e no próximo mês seja a maior desde 2015.
Os fóruns e associações que organizam os atos representam ao menos 1,2 milhão de servidores em todo o país, desde a elite do funcionalismo até o "carreirão". Eles pedem reajustes salariais após o Congresso ter aprovado um espaço de R$ 1,9 bilhão no orçamento para reajustes a policiais.
As demais categorias do serviço público, a começar pelos auditores da Receita Federal, se sentiram discriminados e passaram a pressionar o Ministério da Economia na tentativa de combater a medida que privilegiou os policiais, que compõem a base do governo Bolsonaro.
O grande erro do presidente, segundo especialistas, foi não ter previsto que o aumento a categorias específicas resultaria em um efeito cascata.
No governo, há um receio de que, se o aumento for efetivado aos policiais (ainda não está garantido, segundo o próprio presidente Jair Bolsonaro), a questão vá parar no Supremo Tribunal Federal (STF). Se esse for o caso, a Corte pode decidir a favor do reajuste salarial a todo o funcionalismo público, o que poderia ter um impacto que varia de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões.
Esse valor é o dobro daquele que foi separado pelo Executivo para a reestruturação com reajuste de salário para carreiras policiais.
Enquanto uma definição não sai, o caldo das paralisações engrossa. Na sexta-feira, o Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (Fonasef) decidiu, em reunião, participar dos atos do dia 18.
A entidade tem, entre seus integrantes, a Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), que representa 1 milhão de servidores federais, cerca de 80% do funcionalismo público.
No dia da paralisação, a Confederação pretende entregar, no Ministério da Economia, uma reivindicação de reajuste emergencial de 19,99% – o que corresponde à inflação dos três anos de governo Bolsonaro. A ideia é deflagrar uma greve a partir de 14 de fevereiro – com o restante do funcionalismo público, que planeja cruzar os braços de forma generalizada. A paralisação duraria 11 dias.
Tentativa de diálogo
Segundo Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Condsef, apesar da falta de resposta do governo, a intenção da Confederação é esgotar todas as tentativas de diálogo antes de partir para o enfrentamento por meio de uma greve. "Queremos dialogar antes de ir para o conflito. Até agora, o governo não sinalizou pelo diálogo. Nós temos um prazo que vai até 3 de abril e acreditamos que, até lá, temos como instituir um consenso. Caso não tenha retorno, vamos nos reunir no dia 27 e depois declarar greve a partir de 14 de fevereiro”, disse.
"Estamos construindo as etapas até para não ter ilegalidade. A justiça pede isso. A gente só pode deflagrar uma greve quando o diálogo for esgotado. Esperamos que o governo tenha disposição para nos ouvir. Foi isso que construímos na sexta-feira. O dia 18 vai ser um dia nacional de luta e esperamos que consigamos construir uma plataforma de diálogo”, pontuou Silva.
Áreas essenciais
Já o Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), que lidera as mobilizações marcadas para este mês, representa 200 mil servidores da elite do funcionalismo público. Entre eles, áreas essenciais, como a Associação Brasileira de Criminalística (ABC), a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos Federais (Anadef), e associações que representam Peritos Criminais, auditores de Controle Externo, membros do Ministério Público, Banco Central, Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e Poder Legislativo.Uma paralisação dessas categorias pode significar um impacto significativo não só nas atividades públicas, como no caso daquelas ligadas ao combate ao crime, como também pode ter impactos severos no setor privado e no mercado financeiro. No caso dos servidores da CVM, por exemplo, uma eventual greve poderia prejudicar negociações, impedir investimentos e derrubar a bolsa de valores brasileira.
Segundo o presidente do SindCVM, Hertz Viana Leal, que representa os servidores do órgão, não há paralisação marcada, ao menos por enquanto. A entidade aconselha os servidores que estiverem em Brasília – a maior parte fica no Rio de Janeiro – a participarem do ato amanhã. O sindicato, segundo Leal, não aceitará "discriminação" e planeja aderir à greve geral, caso o governo não ofereça uma solução.
Além do reajuste salarial, os funcionários da CVM pedem a reposição de quadros, com a realização de novos concursos públicos. "Argumentamos sobre o crescimento do mercado de capital, especificidades que trabalhamos, enfrentamento que precisamos ter. Nós fiscalizamos um mercado grande, de grandes empresas, que requer servidores bem pagos. Como vamos fiscalizar o setor financeiro se não tivermos capacidade de recrutar, fazer concurso público?", questiona Leal. O último concurso para a CVM foi feito em 2010.
Ele explica que o aumento de investidores na bolsa tem tornado o trabalho da CVM ainda mais difícil, mas que, até o momento, o órgão tem conseguido combater fraudes e manter o mercado com boa confiabilidade.
Entretanto, se a greve for deflagrada, a situação é outra: "Os investidores não vão querer investir num mercado onde possam ocorrer fraudes, que possam ter deslealdades. Nós fiscalizamos o mercado, o comportamento dos fundos. Se os fundos podem utilizar informações privilegiadas e prejudicar os investidores, vai haver uma queda nas bolsas, as pessoas não vão ter confiança no mercado. É muito negativo para o mercado em geral e se não vêm investimentos, a economia para”, diz.
Tiro no pé
A avaliação é de que Bolsonaro errou ao tentar privilegiar os policiais e agora apela para a “sensibilidade” dos servidores para tentar evitar uma greve geral. Ao menos publicamente, já que o governo não recebe os líderes sindicais – com exceção da Receita, cujo sindicato foi recebido por Guedes na semana passada, sem avanços concretos. A possibilidade de o governo voltar atrás e não dar aumento para ninguém pode ser um grande problema para o presidente nas eleições deste ano.Para o cientista político André Rosa, a situação é "desastrosa". Ele explica que, do ponto de vista eleitoral, é natural que grande parte do eleitorado se oponha ao aumento dos servidores públicos, já que a classe é vista como privilegiada. Portanto, esse não deve ser um problema para a campanha de Bolsonaro este ano. No entanto, prometer à base eleitoral um aumento e voltar atrás pode ser um tiro no pé, especialmente porque o mandatário está em uma posição ruim nas pesquisas e tem cada vez menos apoio.
"O eleitor vai entender que não é um momento para o servidor público. Isso dá até mais coro para a reforma administrativa. Mas o lobby dos servidores é forte e dentro do próprio governo há resistência quando o assunto é mexer com os servidores. O problema é o Bolsonaro sinalizar aumento apenas para os policiais e não expandir para as outras categorias. A derrapada do Bolsonaro é essa, dizer que não vai ter aumento para ninguém”, avaliou.