Diagnosticado com covid dias antes de morrer, o escritor e ideólogo da direita brasileira Olavo de Carvalho colecionava postagens no Twitter e Facebook questionando a letalidade do coronavírus, que chamava de "mocoronga vírus".
A causa da morte de Olavo não foi confirmada e não se sabe se a covid teve relação com caso - segundo mensagem veiculada em seu canal no Telegram no dia 15/01, ele havia contraído covid-19 e precisava cancelar as aulas de um curso de filosofia que ministrava online.
No entanto, nas redes sociais, centenas de pessoas passaram a resgatar publicações nas quais o escritor, conhecido como uma espécie de guru do bolsonarismo, criticava medidas de isolamento social, o uso de máscaras e duvidava dos riscos do coronavírus.
"O medo de um suposto vírus mortífero não passa de historinha de terror para acovardar a população e fazê-la aceitar a escravidão como um presente de Papai Noel", escreveu Olavo na sua conta de Twitter em maio de 2020.
Em janeiro de 2021, quase um ano depois do início da pandemia, o escritor continuava a duvidar da letalidade do coronavírus. "Dúvida cruel. O Vírus Mocoronga mata mesmo as pessoas ou só as ajuda a entrar nas estatísticas?", escreveu no Twitter.
Não há informações oficiais sobre se Olavo tomou ou não doses da vacina contra a covid-19.
Em publicações no Facebook, ele fez críticas à Coronavac, a que chamava de "vacina chinesa", e à ideia de tornar a vacinação obrigatória.
O medo de um suposto vírus mortífero não passa de historinha de terror para acovardar a população e fazê-la aceitar a escravidão como um presente de Papai Noel.
— Olavo de Carvalho (@opropriolavo) May 12, 2020"O Brasil não quer vacina chinesa obrigatória, o STF quer. Quem manda mais? O Brasil não quer ideologia de gênero nas escolas infantis. O STF quer. Quem manda mais? O BRASIL NÃO MANDA NADA", escreveu em 27 de outubro de 2020, no Facebook.
Ao mesmo tempo, ele defendia, em suas redes sociais, medicamentos sem qualquer eficácia comprovada para o tratamento da covid, como a cloroquina.
"Na França o primeiro-ministro e o ministro da Saúde que vetaram a cloroquina perderam os cargos e respondem a processo. No Brasil, xingado de genocida é o presidente que, liberando a cloroquina, salvou milhares de vidas. Esse país é o paraíso da ignorância", escreveu Olavo em 15 de julho de 2020.
Na realidade, a demissão dos ministros franceses citados pelo escritor não teve qualquer relação com proibição de cloroquina. Eles foram acusados de falhar na resposta à pandemia, diante da escassez de equipamentos médicos nos hospitais franceses.
Críticas a lockdowns e defesa da cloroquina
Olavo de Carvalho também fez, ao longo da pandemia, diversas críticas a medidas de fechamento de comércio, uso de máscaras e isolamento social. Ele constantemente questionava os números oficiais de mortos e a letalidade do coronavírus, além de sugerir motivos conspiratórios por trás dos lockdowns anunciados por governos de diferentes países.
"Conselhos de saúde matam mais que o coronavírus", escreveu ele em 19 de março de 2020, no Facebook. "Paralisar a atividade econômica mundial para debelar uma epidemia que mata menos de 0,1 por cento DOS CONTAMINADOS (não da população inteira) é uma vigarice tão óbvia que o mero fato de aceitar essa proposta como hipótese para discussão já prova deficiência mental", completou ele em 21 de abril de 2020.
Dúvida cruel. O Vírus Mocoronga mata mesmo as pessoas ou só as ajuda a entrar nas estatísticas?
— Olavo de Carvalho (@opropriolavo) January 2, 2021Em outra publicação, de 24 de abril de 2020, ele chamou as medidas para conter a propagação da covid de "crime". "Essa campanha para nos 'proteger da pandemia' é o mais vasto e mais sórdido crime já cometido contra a espécie humana inteira."
Em entrevista à BBC News Brasil em maio de 2020, ele mostrou total alinhamento com as posturas de Bolsonaro na pandemia de covid-19, criticando medidas de isolamento social e uso de máscara, embora a importância dessas ações para conter o vírus seja atestada cientificamente. Por outro lado, defendeu remédios sem eficácia comprovada em pesquisas científicas, como cloroquina.
"O nível de cura é imenso. No Brasil, o sucesso da cloroquina está mais do que comprovado", disse. A Organização Mundial da Saúde (OMS) expressamente desaconselha o uso de cloroquina para prevenção e tratamento de covid.
No Brasil, mais de 620 mil pessoas morreram de covid desde o inicio da pandemia. No mundo todo, o vírus já matou mais de 5,6 milhões.
Trajetória
Autoproclamado filósofo, embora não tenha formação acadêmica, Olavo se projetou a partir dos anos 1980 como articulista conservador ao escrever em grandes veículos brasileiros, como os jornais Folha de S.Paulo e O Globo.
Após se mudar para os Estados Unidos, alcançou grande público por meio de cursos online e venda de livros com forte retórica conservadora e anticomunista. Seu canal no YouTube, criado em 2007, tem mais de um milhão de inscritos e acumula mais de 68 milhões de visualizações.
Em sua tese de doutorado que daria origem ao livro "Menos Marx, Mais Mises: O Liberalismo e a Nova Direita no Brasil", a cientista política Camila Rocha afirma não ter dúvidas de que a eleição de Jair Bolsonaro em 2018 "não foi raio em céu azul, mas fruto da consolidação paulatina de uma nova direita brasileira que durou mais de uma década e que encontrou suporte em redes de contatos e organizações nacionais e estrangeiras construídas décadas atrás por intelectuais e acadêmicos pró-mercado".
E, segundo a pesquisadora, um dos principais influenciadores e fomentadores do surgimento de espaços de debate na internet ligados à formação de uma nova direita no Brasil no início dos anos 2000 foi o escritor Olavo de Carvalho, que, como explica Rocha, "se declarava a favor do livre-mercado na economia, tradicionalista e conservador no que tange à religião, anarquista em relação à moral e educação, nacionalista e contra o 'governo mundial' no que diz respeito à política internacional e um realista no campo da filosofia".
A eleição do presidente Jair Bolsonaro levaria então muitos dos pensamentos de Olavo para o coração do governo brasileiro, como a defesa da família tradicional e do amplo direito ao uso de armas, principalmente por meio da influência de um dos filhos do presidente, seu grande admirador, o deputado federal Eduardo Bolsonaro.
Chegou a ter discípulos seus no primeiro escalão do governo, caso dos ex-ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Abraham Weintraub (Educação).
Hoje, o governo ainda abriga olavistas, como o secretário de Alfabetização do Ministério da Educação, Carlos Nadalim, e o Assessor Especial para Assuntos Internacionais da presidência, Filipe Martins. No entanto, o grupo acabou perdendo espaço para setores mais pragmáticos, com a entrada de integrantes do Centrão (grupo de partidos políticos de centro-direita, principalmente o PP) na gestão Bolsonaro.
"Eu quis que uma direita existisse, o que não quer dizer que eu pertença a ela. Fui o parteiro dela, mas o parteiro não nasce com o bebê", disse Olavo à BBC News Brasil em dezembro de 2016, poucos meses após o impeachment de Dilma Rousseff, momento em que movimentos de direita emergiram com força no país.
"Estou contra o comunismo e quero que o Brasil tenha uma democracia representativa efetiva", afirmou também na ocasião.
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