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'Olavismo vai sobreviver à morte de Olavo de Carvalho', diz estudioso da nova direita

Professor de Ciência Política da UFRJ diz que a dúvida é sobre qual será a dimensão do olavismo no futuro.


26/01/2022 07:18 - atualizado 26/01/2022 10:25


Olavo de Carvalho
Autoproclamado filósofo, embora não tenha formação acadêmica, Olavo se projetou a partir dos anos 1980 como articulista conservador (foto: MATHEUS BAZZO/DIVULGAÇÃO)

A morte do escritor Olavo de Carvalho, na noite da segunda-feira (24/01), não vai acabar com o olavismo. A afirmação é do professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Jorge Chaloub, um dos principais estudiosos da chamada "nova direita" no Brasil.

A "nova direita" é o termo usado pela comunidade acadêmica para classificar os representantes da direita brasileira que ganharam proeminência nos últimos anos.

"O olavismo vai sobreviver à morte de Olavo de Carvalho. A questão é saber qual a dimensão que ele terá no futuro", disse o professor em entrevista à BBC News Brasil.

A morte de Olavo de Carvalho causou comoção entre os milhares de admiradores daquele que é tido como o principal ideólogo da direita brasileira nos últimos anos. Ao longo de toda a terça-feira, seu nome esteve entre os assuntos mais comentados do Twitter no Brasil.

Desde o início dos anos 2000, Olavo de Carvalho se converteu no líder do olavismo, um movimento formado por seguidores do conjunto de ideias que o escritor divulgava em livros e cursos online que foram sucesso de público durante anos.

Neles, Olavo de Carvalho criticava a esquerda, o chamado progressismo e denunciava uma suposta conspiração internacional liderada por bilionários e conduzida por órgãos multilaterais que teria inspirações comunistas.

Suas ideias chamaram a atenção do entorno do presidente Jair Bolsonaro, que admitiu diversas vezes sua admiração pelo escritor. No início do atual governo, o olavismo chegou a ter pelo menos dois ministros que, publicamente, elogiavam suas ideias: os ex-ministros da Educação Ricardo Vélez e das Relações Exteriores Ernesto Araújo.

Apesar de, nos últimos meses, o olavismo ter perdido terreno no governo Bolsonaro, o presidente decretou luto oficial de um dia pela morte do escritor. Em seus perfis em redes sociais, Bolsonaro lamentou o falecimento de Olavo de Carvalho, a quem chamou de "gigante na luta pela liberdade e um farol para milhões de brasileiros".

Em entrevista, Jorge Chaloub diz que Olavo de Carvalho se destacou entre outros difusores de ideias de direita no início dos anos 2000 porque sua retórica se encaixou à lógica das redes sociais. Apesar disso, a contribuição intelectual do escritor, segundo o professor, é limitada. Ele afirma ainda que o legado deixado pelo escritor na política é negativo. "Ele aumentou a agressividade e promoveu a normalização do ataque a minorias", disse.


Jorge Chaloub
Jorge Chaloub estuda há pelo menos sete anos os principais intelectuais da chamada "nova direita" no Brasil (foto: Arquivo Pessoal)

BBC News Brasil - Olavo de Carvalho não era e nem foi o único difusor de ideias de direita no Brasil no final dos anos 1990 e início dos anos 2000. O que fez com que ele se tornasse tão influente nos anos que se seguiram?

Jorge Chaloub - Não é possível contar a história da direita recente, ou da ultradireita, como eu prefiro chamar, sem mencionar Olavo de Carvalho. O cenário era e é mais amplo do que ele, mas houve alguns elementos que justificam essa centralidade que ele conquistou. O primeiro é o tipo de retórica que o Olavo usava. Ele tinha um tipo de retórica que misturava influências muito diversas, um pouco de tradicionalismo, um tipo de interpretação mística da modernidade e influência de conservadores brasileiros. Ele constrói uma narrativa muito conspiracionista e muito belicosa em relação aos seus adversários. Com isso, o Olavo encontra um terreno propício nas redes sociais.

A retórica baseada na construção constante do inimigo, na polêmica a cada momento, o torna muito popular nas redes sociais. Outro ponto que justifica o destaque de Olavo é que, apesar de ele vender a ideia de ser um completo outsider, ele tinha certa experiência e acesso a espaços em jornais e revistas importantes. Teve coluna em revistas, jornais e vínculos com figuras. Ele não era alheio ao funcionamento da mídia, por exemplo.

BBC News Brasil - Parte da literatura classifica os intelectuais como agentes que enriquecem o debate público. Na sua visão, Olavo de Carvalho enriqueceu o debate público brasileiro à direita?

Chaloub - Na minha percepção, não. O que ele promoveu teve consequências negativas para o debate público brasileiro. Ele aumentou a agressividade, promoveu a normalização do ataque a minorias e atacou figuras de grande contribuição ao pensamento, como Paulo Freire.

Neste sentido, meu entendimento é de que ele teve uma contribuição negativa. Por outro lado, também é possível compreender o intelectual a partir da sua relevância no debate público. E apesar de ele ter sido um entre vários intelectuais do que chamo de ultradireita, ele talvez tenha sido o mais importante representante dessa linha de pensamento no Brasil. Ele não ficou falando sozinho no deserto e teve a capacidade de construir uma rede de pensadores ainda que fosse uma rede na qual ele tivesse a principal posição de destaque.

BBC News Brasil - Para além das polêmicas, qual o tamanho da obra deixada por Olavo de Carvalho? Qual foi sua real contribuição ao pensamento político ou filosófico brasileiro?

Chaloub - Se pensarmos que essa contribuição deveria se dar pela criação de uma ideia nova ou peculiar sobre um determinado assunto, eu diria que a contribuição de Olavo de Carvalho é nenhuma. Ele não traz, em suas ideias, nenhuma novidade marcada. Mas o pensamento brasileiro não resume apenas à sofisticação das ideias, mas também passa pela relevância delas. E ele teve enorme relevância. Quais seriam as ideias? Como disse o próprio, ele faz uma colagem de influências diversas e muitas vezes essas ideias são contraditórias.

O que era central no seu pensamento era uma crítica do que ele entendia ser uma ordem global, que ele chamava de consórcio, uma aliança formada por bilionários e progressistas que queria estabelecer o comunismo no mundo por outras vias. Ele tem uma ideia muito negativa sobre o passado histórico brasileiro e chega a dizer que em 500 anos de história, o Brasil não produziu nada do ponto de vista filosófico. E ele se coloca como crítico radical dessa realidade.

Isso faz com que ele se torne popular para expressar um certo descontentamento que foi se construindo longamente no decorrer dos anos 2000 e 2010. Ele surgiu como uma voz crítica que, ao mesmo tempo em que fazia uma crítica radical da realidade política, oferecia com a outra mão uma outra visão de mundo. Ele vendia pensadores que não eram centrais, mas que passaram a ser tratados por ele como relevantes. Ele oferecia a possibilidade de alguém sentir que compreendia o mundo melhor que os seus pares.


Olavo de Carvalho sentado à mesa
Considerado o 'guru' do bolsonarismo, o ideólogo da direita brasileira morreu nesta terça-feira (foto: João Fellet/BBC Brasil)

BBC News Brasil - Como o senhor reage às críticas de que a comunidade acadêmica tradicional olha para a obra de Olavo de Carvalho com má-vontade?

Chaloub - Eu discordo do argumento de que a academia não estudava a direita. Certamente, ela não estudava a ultradireita até mesmo porque ela só adquiriu o peso que tem hoje mais recentemente. Mas podemos olhar para a contribuição de Olavo de Carvalho pelo ponto de vista das ideias. Pode-se argumentar que ele promoveu uma renovação em relação aos autores de direita sobre os quais a academia se debruça. Podemos dizer que autores promovidos por ele como Roger Scruton (escritor conservador inglês), entre outros, não eram best sellers no passado e agora, por influência de Olavo de Carvalho, são. Mas isso não significa que quem estudava a direita já não estivesse em contato com essa literatura.

BBC News Brasil - Qual a relação entre o olavismo e o bolsonarismo?

Chaloub - O bolsonarismo não se confunde com o olavismo. O bolsonarismo surge como representante de uma coalizão heterogênea de direita e extrema-direita e o olavismo é uma parte dessa composição. Era a parte que mobilizava discursos reacionários no sentido crítico. O olavismo é uma parte do imaginário bolsonarista. Mas as ideologias políticas não operam apenas pelos que assumem suas ideologias, mas também pelas disputas que estabelecem. O olavismo, por exemplo, estabeleceu diversos embates com outras correntes do bolsonarismo. Um exemplo foram as disputas entre a ala olavista e os militares por cargos e espaço no Ministério da Educação.

BBC News Brasil - Em que medida a morte de Olavo de Carvalho deixa Bolsonaro mais livre para governar?

Chaloub - Muitas vezes, alguns ideólogos de governos se frustram quando o governo se vê obrigado a negociar com outras forças políticas. O Olavo de Carvalho percebia que ele não podia colar toda a sua sorte ao governo Bolsonaro porque, no caso de uma tragédia total do governo, tinha que manter uma certa distância que o permitisse se reinventar. O Bolsonaro reivindicava o olavismo, mas por outro lado, ele devia pensar que o Olavo trazia problemas pra ele. Mas isso foi no passado. Hoje, tenho dúvidas de que o olavismo ainda seja tão forte assim a ponto de que representar um problema grande para Bolsonaro.

BBC News Brasil - Há uma percepção de que o olavismo começou o governo Bolsonaro forte e está terminando este primeiro mandato enfraquecido. Por que isso aconteceu?

Chaloub - O olavismo é vítima do seu grande sucesso. Na medida em que ele cresceu e se ampliou, ele começou a enfrentar adversários dentro do seu próprio campo ideológico. Sem dúvida, o olavismo era mais forte no primeiro momento do governo. O próprio presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer que nomeou ministros centrais ao seu governo após conversas com Olavo de Carvalho. Eu acho que, agora, ele (Olavo de Carvalho) estava relativamente escanteado. Ele perdeu influência no governo e percebeu, como disse antes, que ele não poderia apostar todas as suas fichas o futuro do bolsonarismo.

BBC News Brasil - O olavismo vai resistir à morte de Olavo de Carvalho?

Chaloub - O olavismo vai sobreviver à morte de Olavo de Carvalho. A questão é saber qual a dimensão que ele terá no futuro. Não dá para saber, hoje, qual será o tamanho dessa corrente, mas ela vai continuar, sim, especialmente porque há uma quantidade enorme de ex-alunos dele e porque já houve uma produção grande de memória em relação a ele e sua obra. Um exemplo é o documentário o Jardim das Aflições, produzido pelo Josias Teófilo. O que a gente tem certeza é que a ultradireita, que é o espectro que ele ajudou a dar visibilidade, está no cenário político brasileiro pra ficar e vai continuar a influenciar o debate no Brasil.

BBC News Brasil - Qual o impacto da morte de Olavo de Carvalho para o bolsonarismo?

Chaloub - O olavismo é um dos campos que compõem o discurso público do bolsonarismo, mas não era o único e nem o mais influente. Bolsonaro também tem uma enorme influência dos militares, por exemplo. Sem Olavo de Carvalho, o bolsonarismo perde de um dos seus intelectuais públicos mais relevantes, mas é importante lembrar que o olavismo já não tinha a mesma relevância que chegou a ter no bolsonarismo.

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