Deputados federais e senadores têm feito subir exponencialmente, ano a ano, o uso de transferências especiais para repassar recursos a estados e municípios. São as chamadas “emendas Pix”. O apelido, óbvia referência ao mecanismo que permite o envio imediato de recursos de uma conta bancária a outra, tem simples explicação: o dinheiro público é enviado a um governo estadual ou a uma prefeitura e, ao constar no saldo do beneficiário, já está pronto para uso.
Sancionado no fim de janeiro pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), o Orçamento da União para este ano prevê o desembolso de R$ 3,28 bilhões em “emendas Pix”. Os congressistas de Minas Gerais foram os que mais solicitaram o empenho de cifras a partir da modalidade de entrega imediata: R$ 351,11 milhões. Os números compõem levantamento do Instituto Nacional do Orçamento Público (Inop), obtido pelo Estado de Minas.
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Segundo o Inop, 51 dos 53 deputados federais mineiros pretendem utilizar ao menos uma parte de suas emendas para 2022 a partir das transferências “Pix”. Rodrigo Pacheco (PSD), presidente do Congresso Nacional, Carlos Viana (MDB) e Antonio Anastasia (PSD), os três senadores que representaram o estado durante a confecção do Orçamento deste ano, também solicitaram a reserva de dinheiro para envio rápido. Anastasia foi substituído na semana passada pelo suplente Alexandre Silveira, também pessedista, porque assumiu vaga de ministro do Tribunal de Contas da União (TCU).
Em três anos de existência, o “bolo” das “emendas Pix” quase triplicou. Se, neste ano, 509 dos 594 parlamentares da Câmara dos Deputados e do Senado Federal empenharam mais de R$ 3 bilhões, o primeiro Orçamento confeccionado após o aval às transferências diretas previa R$ 621,2 milhões em gastos do tipo – divididos entre 137 políticos. Em 2021, o número de parlamentares a lançar mão do dispositivo subiu para 393, com R$ 1,91 bilhão em repasses.
Os “Pix” são impositivos. Inseridos no texto orçamentário durante o debate do tema no Congresso, não podem ser modificados pelo Palácio do Planalto. Para este ano, cada parlamentar instalado em Brasília (DF) teve direito a sugerir a aplicação de R$ 17,6 milhões em emendas. Metade do montante deve, obrigatoriamente, ser destinado a ações ligadas à saúde. O que sobra – cerca de R$ 8,8 milhões – pode ter livre finalidade, e parte dos parlamentares opta por aplicar grande parte no modelo de repasses instantâneos.
Para Pacheco, as transferências especiais são essenciais para concretizar demandas urgentes, que carecem de rápida resolução. “Elas não dependem de celebração de convênio com a União, o que facilita a aplicação dos recursos. Por outro lado, a Constituição determina que os recursos sejam utilizados em programações finalísticas. Ou seja: naquilo que possa beneficiar diretamente a sociedade”.
Carlos Viana, por sua vez, diz que o martelo sobre as transferências especiais só foi batido após anos de discussão e, sobretudo, depois de prefeitos se queixarem de demora da Caixa Econômica Federal na liberação dos empenhos. “(Eram) dois ou três anos para liberar recursos, além de o banco ficar com parte de todo dinheiro enviado – uma comissão obrigatória. Havia reclamação muito grande dos prefeitos por essa demora e, naturalmente, (demora na) finalização dos projetos, que depois de três anos sofriam reajustes e não eram terminados”.
Antes de rumar ao TCU, Anastasia relatou, no Senado, a PEC que agora regulamenta as transferências especiais. Ele faz coro aos colegas e ressalta a importância do mecanismo para despachar agilmente as quantias e garante que o modelo não implica em problemas de controle. “Não há de se ter qualquer temor ou receio, já que a fiscalização é feita da mesma forma que a de outros repasses, responsabilidade dos órgãos de controle”.
Em dezembro, Raimundo Carreiro, a quem Anastasia substitui na Corte de Contas, assinou despacho que garante à Corte a prerrogativa de acompanhar os “Pix orçamentários”, também apelidados de “emendas cheque em branco”. (colaborou Ana Mendonça)
Deputados defendem os repasses imediatos
Entre os deputados federais mineiros, também há defesa das “emendas Pix” como forma de auxiliar os entes subnacionais. Apesar do receio de especialistas sobre a veracidade das informações repassadas pelos gestores locais, Vilson da Fetaemg (PSB) crê na eficácia do controle. ”Os entes federados que recebem os recursos são obrigados por lei a prestar contas destes investimentos", assegura, em menção ao Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse (Siconv), onde é possível fazer consulta pública.
A plataforma onde os deputados oficializam as localidades beneficiadas é aberta algum tempo após a sanção do Orçamento. Igor Timo (Podemos) e Newton Cardoso Júnior (MDB) são outros componentes do vasto grupo que pretende lançar mão das transferências especiais.
Timo aposta nas redes sociais como forma de controlar a correta aplicação das indicações que faz. “Comunicamos amplamente os recursos destinados aos municípios para que a sociedade e todos os interessados fiquem sabendo. É dando publicidade que chamamos a todos para acompanhar como, quando e onde esses recursos serão aplicados”, assinala. "É lei, é legítimo e tem vários órgãos para fiscalizar", corrobora Cardoso Júnior.
O modelo tradicional de emenda, baseado em transferências com destinação definida, tem como pressuposto o cumprimento, por parte dos beneficiários, de uma série de requisitos legais para habilitar o depósito da grana. “Se eu mandar um recurso de recapeamento asfáltico para uma cidade na modalidade definida, a prefeitura, antes de receber a verba, tem de preencher um plano de trabalho informando o local da obra, o tipo de material usado e, aproximadamente, quantos metros quadrados. Além disso, precisa dizer o problema a ser resolvido”, explica Renatho Melo, diretor-executivo do INOP.
Orçamento secreto
O impulso às “emendas Pix” ocorreu em meio ao debate sobre as “emendas do relator”, que compõem o chamado “orçamento secreto”. No fim do ano, houve endurecimento das regras sobre os limites para uso do dispositivo, mas ainda há receio de especialistas por ausência de transparência. Até novembro, como mostrou o EM recentemente, Minas Gerais era o estado com a maior fatia do “Orçamento secreto” em 2021: R$ 1 bilhão.
As “emendas do relator”, identificadas pelo código RP-9, são reservadas ao parlamentar responsável por emitir, no Congresso Nacional, parecer sobre o texto que trata dos gastos do governo para o ano seguinte. O teor secreto está ligado à ocultação do nome do parlamentar responsável por indicar o destino do dinheiro público. Portanto, oficialmente, os repasses acabam sendo vinculados ao relator-geral do orçamento federal.
Para Renatho Melo, as “emendas Pix” e as emendas do relator sofrem, igualmente, de problemas de transparência, mas em etapas diferentes. “Ao tomar essa decisão (acionar a transferência especial), necessariamente abre-se mão de fiscalização, transparência e controle. É abdicar desses três elementos para que a minha prerrogativa parlamentar seja exercida imediatamente. O recurso chega instantaneamente. Por isso, Pix”, diz. “Nas emendas do relator, sabemos para onde estão indo e o tipo de política pública que gera, mas não sabemos quem enviou. Sabemos quem enviou a transferência especial, mas não sabemos onde o recurso está sendo usado, aplicado e gasto”. (GP)