Com interesse direto em uma eventual federação que reuniria o Cidadania, o PSDB, o PDT e o Podemos, o senador Alessandro Vieira aguarda o consenso entre as legendas para bater o martelo sobre a candidatura ao Palácio do Planalto. Eleito na onda da "nova política" de 2018, Vieira computou 474.449 votos - e acredita ter honrado o voto de confiança dado pelos eleitores de Sergipe. Em 2022, apesar de o eleitorado sinalizar interesse por políticos mais experientes, o parlamentar acredita que ainda há espaço para novos rostos. É por isso que defende a cautela na discussão acerca das federações, para que regras impostas a "toque de caixa" não limitem a ascensão de novas lideranças e não sufoquem partidos menores, como o Cidadania.
Nesta entrevista ao Correio, o senador ressalta, ainda, que a consolidação da fusão com o PSDB não inviabiliza sua candidatura à presidência - da qual não quer abrir mão "em prol de um candidato que não mostra viabilidade agora", referindo-se a João Doria (PSDB-SP).
Apesar de não declarar quem apoiaria num eventual segundo turno entre Lula e Bolsonaro, o parlamentar mantém severas críticas ao atual presidente. Define-o como o "pior da história". Apesar disso, Vieira não acredita que a polarização permanecerá. "Nós teremos um nome da terceira via", aposta. Confira os principais trechos da entrevista.
O senhor votou contra o indicativo de se formar uma federação (com PSDB, Podemos e PDT) votado pela Executiva do Cidadania. O senhor questiona a aliança com esses partidos ou a forma como o processo está sendo conduzido?
A forma de construção da federação exige uma escuta muito atenta da base do partido, dos diretórios estaduais e dos parlamentares, porque é um casamento de quatro anos. Então eu vou ter regras fixadas agora para as eleições de 2022, 2024 e 2026, isso é muito complexo. Um regramento malfeito vai matar o surgimento de novas lideranças nos estados e municípios, porque vou cristalizar agora o partido com o comando daquele que hoje é maior, e isso não é bom para democracia, na minha opinião.
O senhor defende mais debate, então.
Não tenho nada contra o instrumento da federação, da fusão, mas ela deve acontecer com prazo que permita ter uma discussão mais profunda, e ela não aconteceu ainda. Na reunião do Cidadania, estávamos votando o indicativo favorável a uma federação sem conhecimento de regras, e isso é inaceitável, na minha opinião. Só serve para manter cartório partidário e para salvar candidaturas à reeleição de quem não fez trabalho de base e que agora tem dificuldade de construir uma nominata. Eu confio e gosto da federação, tenho certeza e apresentei projetos no sentido de que o Brasil precisa concentrar mais o número de partidos. Mas isso não pode ser feito de qualquer jeito, senão você vai matar a renovação política.
O que vai acontecer agora?
No dia 15, vamos voltar ao diretório nacional, e vou sustentar essa mesma posição. Se até lá não tivermos uma construção de regras aceitas pelos dois partidos, com esse grau de complexidade, meu voto é contrário. Se nós construirmos regras viáveis e aceitas pelos dois partidos, independentemente de qual seja o partido, meu voto é favorável, porque meu interesse não pode ser maior do que os interesses do Cidadania.
Então, ainda é preciso balizar esses interesses dos dois lados?
Com muita clareza, eu tenho que garantir renovação, eu tenho que garantir representatividade, diversidade. Vamos dizer que eu faça uma federação com o PSDB, que é bem maior que o Cidadania, tem pouco mais que o dobro de votos, e estabeleço uma regra de que, quem hoje é prefeito, quem tem mandato, comanda a federação nos próximos quatro anos. Isso vai matar o surgimento de novas lideranças dentro do partido. Não consigo enxergar isso como algo positivo para nós.
Esse modelo restringe as possibilidades do partido?
Com certeza. E olha que minha situação é a mais cômoda do mundo, sou um senador no meio do mandato. Um senador majoritário não tem fidelidade partidária compulsória, então você pode fazer o que quiser. Minha preocupação não é comigo, é com a democracia brasileira e com a base do partido. Eu tenho restrições muito grandes em relação ao PSDB, por parte de Minas Gerais e Rio de Janeiro, segundo e terceiro maiores colégios eleitorais do Brasil. Vou ignorar isso? Tratar essa questão inadequadamente? É preciso mais tempo para discutir, e acho que não vamos conseguir ter esse tempo.
Seria possível concorrer com o Doria em uma federação com o PSDB?
Recentes pesquisas mostram-nos empatados. Só que ele é conhecido pelo Brasil inteiro, eu sou conhecido por um terço do país. Ele tem uma rejeição de 60 pontos percentuais, eu não tenho rejeição. Então, não vejo problema. Não sou candidato de mim mesmo. Tenho uma preocupação muito grande em garantir uma alternativa pro centro democrático, e ela não precisa ter o meu nome. Mas precisa ter regras claras, democráticas e uma objetividade. Eu posso abrir mão da minha candidatura em prol de um candidato que não mostra viabilidade agora, sem nenhum tipo de planejamento ou construção? Não acho certo. Não acho que seria viável ou interessante. Mas a gente está construindo o tempo inteiro, tentando viabilizar uma federação ou coligação, que é outra forma absolutamente viável de trabalho político.
Como foram as conversas com os partidos?
Fomos procurados efetivamente pelo Podemos, PSDB, PDT e MDB. A senadora Simone Tebet e o presidente Baleia Rossi manifestaram interesse de trabalhar em prol de uma federação. Mas é preciso formar melhor a base, com mais detalhes. As consequências de uma federação não são apenas para 2022. Vão impactar nas eleições de governador, prefeitos, vereadores e novamente presidente da República. No final, nenhum indicativo foi aprovado, a Executiva rejeitou indicativos favoráveis a A, B ou C. Temos até o dia 15 para nos informarmos bem com os partidos, conversar bem com as pessoas. Ter uma decisão madura.
O senhor considera os senadores Rodrigo Pacheco e Simone Tebet representantes do Centro Democrático. Existe possibilidade de apoio ou união com esses nomes?
Em primeiro lugar, precisamos de pessoas que tenham capacidade para gerir um país do tamanho do Brasil. Em segundo, precisamos de alguém com capacidade de romper a bolha de polarização. Nesse momento eu não vejo essa capacidade por parte de Bolsonaro, Lula, Doria, Ciro ou Sergio Moro. Não estou fazendo análise das qualidades deles; é uma análise política, são nomes que polarizam. Alguns porque gostam de confronto, que é o caso do Ciro; outros porque já têm amarras e inimizades, como o Moro. O Brasil não precisa de mais quatro anos de conflito; precisa de quatro anos de uma gestão séria, equilibrada, sóbria.
Pacheco, Tebet e o senhor preencheriam essa lacuna?
E eu vejo que eu, Pacheco e Simone temos condições de fazer coisas nesse sentido, por não termos os problemas que esses outros nomes carregam. Além disso, também não temos rejeição. Temos a possibilidade de chamar o Brasil para uma convivência civilizada, construtiva, para resolver os problemas que nós temos. Se isso vai acontecer ou não, não posso prever, mas estou trabalhando para que se concretize. Se Ciro, Moro ou Doria demonstrarem essa capacidade, que hoje eu não vejo, também não tenho problema nenhum em assumir isso e construir algo. Mas não vejo possibilidade nenhuma de isso acontecer com Lula e Bolsonaro, por conta do nível de polarização que eles representam.
O que o eleitor deve considerar em 2022?
Precisamos trazer os adultos à sala para resolver a desigualdade brutal que o povo brasileiro está sofrendo. O Congresso precisa formar uma maioria para aprovar as reformas que precisamos, começando pela reforma tributária.
A reforma tributária seria o primeiro passo para a recuperação do Brasil?
Sem dúvidas, porque é o caminho mais técnico e racional para reduzir a desigualdade social. Primeiro temos que recuperar o nosso Orçamento, que está sequestrado pelo Centrão, por interesses de corrupção. Tem de resgatar isso para que o Executivo tenha poder de gestão novamente.
Há outras urgências?
Não estou menosprezando a importância de outras pautas como a educação, por exemplo. Nesses últimos quatro anos, por mérito do Bolsonaro, o sistema educacional brasileiro, que já não tinha bons resultados de 20 anos para cá, foi destruído. É preciso colocar a educação como eixo do Executivo, a fim de preparar essa geração para o mercado de trabalho do futuro.
Os candidatos à presidência perdem muito tempo com questões ideológicas e debatem pouco medidas que poderiam resultar mudanças efetivas?
Sem dúvida nenhuma, há uma escolha deliberada pela polarização, por assuntos que geram repercussão midiática. Com falas que buscam uma "estética das redes sociais", que não seguem a razão, mas sim o algoritmo, o que gera mais repercussão. É uma frase grosseira ou um frango com farofa. Mas o que a gente precisa não é o frango com farofa - nada contra, porque eu gosto. Precisamos de gente séria sentando à mesa, que questione por que as coisas não avançam. Qual o grande gargalo que temos hoje? Como é que eu faço uma maioria parlamentar sem corrupção? É possível fazer isso? Na minha visão, sim, com muito trabalho e com compartilhamento de poder.
Como ocorreria isso?
Precisamos ter a clareza, tanto interna quanto para o eleitorado, de como vamos governar. Vamos recriar um mensalão do PT ou Orçamento Secreto do Bolsonaro? Qual vai ser o método? Na minha visão, temos de fazer uma construção a partir da virada do primeiro para o segundo turno, quando você já sabe a composição do Congresso. E você faz uma construção para governar, na linha mais ou menos do que fazem os países parlamentaristas. Eu preciso construir maioria com o povo sabendo dessa construção. E não com a compra de votos.
O senhor foi eleito em 2018 num contexto de anseio por renovação da política. Essa tendência de renovação deve perdurar no legislativo, ou o eleitor vai buscar mais políticos experientes?
Existe uma relativa taxa de renovação alta no parlamento a cada quatro anos. Sempre tem uma renovação, especialmente na Câmara dos Deputados. De fato, 2018 foi acima da média e veio com uma onda de gente que realmente não se preparou para cumprir essa missão, e isso gera uma decepção. O próprio governo Bolsonaro gera uma decepção nas pessoas. Mas isso não impede que se tenha, ainda assim, o surgimento de pessoas que consigam recuperar esse sentimento de esperança. E temos casos de pessoas que chegaram em um primeiro mandato e que funcionaram.
O senhor se inclui nessa lista?
Sem nenhum tipo de falsa modéstia, o meu mandato funcionou nesses quatro anos. Como defesa ao eleitor, como defesa do interesse do Brasil, como representação, como busca de recursos para o meu estado. Temos como métricas o número de relatorias, de presença em comissões, de projetos. Com isso, fico entre os cinco que mais desempenham entre os 81 senadores. Ser parlamentar exige humildade, exige preparo para montar uma boa equipe. Acho que tem sim, espaço, para acreditar em renovação com qualidade.
Para o senhor, Bolsonaro é o "o pior presidente da história". Por quê?
São várias razões. Bolsonaro não tem projeto de país, não trabalha. Ele certamente é o presidente que menos trabalhou na história. Você não tem notícia de uma reunião de Bolsonaro discutindo como reduzir o preço dos combustíveis, como combater o desemprego, nada. É só conversa fiada, internet e pequenos eventos midiáticos para manter uma base polarizada. Do ponto de vista ético, fez tudo ao contrário do que prometeu.
Por quê?
Ele prometeu um Brasil que ia deixar para trás o Centrão, que ia ser mais liberal, que ia privatizar, que ia ser honesto. E o que ele entregou foi o governo e o Orçamento ao Centrão, como nunca aconteceu na história. Não tenho dúvidas de que ele foi o pior presidente. Nunca fui eleitor do PT. Não vou dizer que o governo do Lula e da Dilma foram fantásticos. Mas o que Bolsonaro faz de destruição, eu não consigo lembrar, na nossa história, de alguém ter feito.
Num segundo turno entre Lula e Bolsonaro, o senhor ficaria com Lula?
Num eventual segundo turno, nós teremos um nome da terceira via. Tenho grande convicção de que teremos um nome da terceira via.
* Estagiário sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza