Apesar da escalada de tensão entre Rússia e Ucrânia, o presidente Jair Bolsonaro manterá a viagem a Moscou, de acordo com fontes do Palácio do Planalto. O chefe do Executivo resolveu seguir com a programação mesmo após o alerta do secretário de Estado dos Estados Unidos, Anthony Blinken, de tropas russas podem invadir a Ucrânia "a qualquer momento".
Bolsonaro viajará na segunda-feira. Ele deve encontrar Putin em ao menos duas ocasiões: em reunião bilateral e durante um almoço.
Em meio à crise internacional, o Ministério das Relações Exteriores fez um afago à Ucrânia. Emitiu nota oficial, ontem, para celebrar o aniversário de 30 anos das relações diplomáticas entre o país europeu e o Brasil. O comunicado ressalta o que chama de "múltiplos contatos de alto nível" entre os chefes de Estado brasileiros e ucranianos.
A nota é emitida em meio às críticas de que a viagem de Bolsonaro pode ser interpretada como um apoio à Rússia em detrimento da Ucrânia e do Ocidente.
O ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos Rubens Barbosa destacou que a viagem estava marcada desde outubro e que há interesses bilaterais comerciais, sobretudo na questão de fertilizantes, estratégico para o agronegócio. Ele observou que, dificilmente, Bolsonaro cederá à pressão de auxiliares ou parceiros para desistir da agenda.
"Isso pareceria uma fraqueza do lado dele e que estaria cedendo a pressões americanas, quando justamente está querendo mostrar que o Brasil não está isolado. E falando isso para sua base. O presidente deve saber que a viagem tem um risco de haver uma ação militar russa na Ucrânia enquanto ele estiver lá. Outro risco é de ele falar alguma coisa que possa ser interpretada como apoio a Putin", frisou.
Em relação aos Estados Unidos, Barbosa afirmou que a viagem não deve atrapalhar, uma vez que o Brasil já se manifestou de maneira clara a favor da paz, da negociação e de uma solução pacífica para a crise. "A posição oficial do Brasil foi colocada nas Nações Unidas a favor da moderação e de evitar o conflito armado", disse. "O presidente argentino (Alberto Fernández) esteve lá, e não houve nenhuma repercussão além de no próprio país. Caso não ocorra nenhum dos riscos mencionados, não vejo repercussões maiores fora do Brasil."
Diplomata e professor, Paulo Roberto de Almeida enfatizou ser necessário distinguir a ideia da visita e da oportunidade na qual ocorre. "A ideia foi traçada antes, num momento em que não havia uma tensão maior", lembrou. "É uma reunião bilateral com objetivos econômicos. A Rússia tem mais ou menos o PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil, especialização em energia, importa muita carne do Brasil, e nós importamos defensivos agrícolas da Rússia. Há espaço para ampliar relações comerciais."
Ele afirmou, no entanto, que, nas atuais circunstâncias, a visita se torna "inadequada, inoportuna e indevida". "Nós deveríamos tomar decisões com base nos valores da nossa diplomacia da não intervenção. Estamos num contexto em que o presidente Bolsonaro está isolado por conta de suas próprias atitudes", argumentou. "Isso porque a imagem dele no mundo é a pior possível, de destruidor da Amazônia, violador da democracia brasileira e pelo negacionismo em meio à pandemia. Tornou-se persona non grata e, então, procura se cercar de seus únicos interlocutores, os poucos representantes da extrema direita europeia e de Putin."
Para ele, Bolsonaro envia o "pior sinal possível" diante da diplomacia internacional. "Sinal de que ele despreza o direito internacional, despreza o sinal das democracias internacionais. Isso em função de uma vontade pessoal de fazer uma visita", disse. "A viagem, até o ano passado, seria normal, mas, hoje, é inadequada. Avalio como uma teimosia. Quer provar que faz as coisas segundo sua vontade. O Itamaraty, provavelmente, recomendou que não fosse agora, assim como seus próprios auxiliares", acrescentou.
Günther Richter Mros, professor de relações internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), avaliou como "perigoso" o movimento de Bolsonaro, citando que o Brasil faz parte do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).
"O Brasil tem tido sinais dúbios. Bolsonaro tenta fazer um jogo que o aproxima da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e dos países ocidentais, mas, ao mesmo tempo, tenta demonstrar aproximação com Putin. Parece-me perigoso o jogo que ele está fazendo, inconsequente", frisou. "O que está errado na história é o timing, não é nem a ideia de fazer uma política pendular. Está com possibilidade iminente de conflito. Parece que Bolsonaro está brincando com fogo e pode arrumar problemas tanto com a Rússia como com os EUA."
Ricardo Mendes — sócio da Prospectiva e responsável pelas operações internacionais da consultoria — corroborou que o timing não é o ideal, mas que a Rússia é um parceiro estratégico para o Brasil. "Sempre interessou do ponto de vista econômico e tecnológico não depender de um único país. No meu entender, a aproximação pode até gerar uma resposta de mais interesse político do lado americano, começar a prestar mais atenção no Brasil e oferecer condições interessantes de investimentos em termos de inserção geopolítica", afirmou.
De acordo com ele, "essa visita tem sido retratada como uma viagem ideológica, mas o presidente argentino, de viés diferente, esteve em reunião com ele também". "Fator negativo sempre tem, vai ter pressão, mas não acredito que provoque dano mais permanente. Pelo contrário, pode colocar o país em uma posição diferente de acordos com Europa, além de abrir mercados para setores importantes da economia. Acho que, se bem conduzida, a viagem, a longo prazo, pode trazer benefícios para o país", concluiu.
Eleitorado
No dia 17, Bolsonaro passará pela Hungria, do primeiro-ministro Viktor Orbán, outro avesso aos interesses ocidentais e à democracia — valores opostos ao que se espera de um país que planeja entrar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Segundo Flavia Loss de Araújo, professora de relações internacionais da Unicsul, o problema da viagem é o contexto atual e a imprevisibilidade de uma eventual declaração de Bolsonaro. "O Brasil está isolado, e a ida à Rússia e à Hungria é um aceno ao eleitorado e não à comunidade internacional", frisou.
Para o pesquisador do Núcleo de Inteligência Internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV) Leonardo Paz Neves, há um imbróglio diplomático que o Brasil não avaliou ao aceitar o convite. "Se não for, o governo vai se indispor com Vladimir Putin", alertou.
O consultor de Análise Política da BMJ Consultores Associados, Bernardo Nigri, reforçou que o governo busca demonstrar o não isolamento no cenário internacional. "Um dos principais apelos para Bolsonaro visitar Putin é o conservadorismo do líder russo. Nesse sentido, busca acenar para sua base eleitoral, que vê no presidente da Rússia uma outra figura conservadora em posição de destaque no cenário internacional", explicou. (Com Déborah Hana Cardoso)
Bolsonaro viajará na segunda-feira. Ele deve encontrar Putin em ao menos duas ocasiões: em reunião bilateral e durante um almoço.
Em meio à crise internacional, o Ministério das Relações Exteriores fez um afago à Ucrânia. Emitiu nota oficial, ontem, para celebrar o aniversário de 30 anos das relações diplomáticas entre o país europeu e o Brasil. O comunicado ressalta o que chama de "múltiplos contatos de alto nível" entre os chefes de Estado brasileiros e ucranianos.
A nota é emitida em meio às críticas de que a viagem de Bolsonaro pode ser interpretada como um apoio à Rússia em detrimento da Ucrânia e do Ocidente.
O ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos Rubens Barbosa destacou que a viagem estava marcada desde outubro e que há interesses bilaterais comerciais, sobretudo na questão de fertilizantes, estratégico para o agronegócio. Ele observou que, dificilmente, Bolsonaro cederá à pressão de auxiliares ou parceiros para desistir da agenda.
"Isso pareceria uma fraqueza do lado dele e que estaria cedendo a pressões americanas, quando justamente está querendo mostrar que o Brasil não está isolado. E falando isso para sua base. O presidente deve saber que a viagem tem um risco de haver uma ação militar russa na Ucrânia enquanto ele estiver lá. Outro risco é de ele falar alguma coisa que possa ser interpretada como apoio a Putin", frisou.
Em relação aos Estados Unidos, Barbosa afirmou que a viagem não deve atrapalhar, uma vez que o Brasil já se manifestou de maneira clara a favor da paz, da negociação e de uma solução pacífica para a crise. "A posição oficial do Brasil foi colocada nas Nações Unidas a favor da moderação e de evitar o conflito armado", disse. "O presidente argentino (Alberto Fernández) esteve lá, e não houve nenhuma repercussão além de no próprio país. Caso não ocorra nenhum dos riscos mencionados, não vejo repercussões maiores fora do Brasil."
Diplomata e professor, Paulo Roberto de Almeida enfatizou ser necessário distinguir a ideia da visita e da oportunidade na qual ocorre. "A ideia foi traçada antes, num momento em que não havia uma tensão maior", lembrou. "É uma reunião bilateral com objetivos econômicos. A Rússia tem mais ou menos o PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil, especialização em energia, importa muita carne do Brasil, e nós importamos defensivos agrícolas da Rússia. Há espaço para ampliar relações comerciais."
Ele afirmou, no entanto, que, nas atuais circunstâncias, a visita se torna "inadequada, inoportuna e indevida". "Nós deveríamos tomar decisões com base nos valores da nossa diplomacia da não intervenção. Estamos num contexto em que o presidente Bolsonaro está isolado por conta de suas próprias atitudes", argumentou. "Isso porque a imagem dele no mundo é a pior possível, de destruidor da Amazônia, violador da democracia brasileira e pelo negacionismo em meio à pandemia. Tornou-se persona non grata e, então, procura se cercar de seus únicos interlocutores, os poucos representantes da extrema direita europeia e de Putin."
Para ele, Bolsonaro envia o "pior sinal possível" diante da diplomacia internacional. "Sinal de que ele despreza o direito internacional, despreza o sinal das democracias internacionais. Isso em função de uma vontade pessoal de fazer uma visita", disse. "A viagem, até o ano passado, seria normal, mas, hoje, é inadequada. Avalio como uma teimosia. Quer provar que faz as coisas segundo sua vontade. O Itamaraty, provavelmente, recomendou que não fosse agora, assim como seus próprios auxiliares", acrescentou.
Günther Richter Mros, professor de relações internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), avaliou como "perigoso" o movimento de Bolsonaro, citando que o Brasil faz parte do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).
"O Brasil tem tido sinais dúbios. Bolsonaro tenta fazer um jogo que o aproxima da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e dos países ocidentais, mas, ao mesmo tempo, tenta demonstrar aproximação com Putin. Parece-me perigoso o jogo que ele está fazendo, inconsequente", frisou. "O que está errado na história é o timing, não é nem a ideia de fazer uma política pendular. Está com possibilidade iminente de conflito. Parece que Bolsonaro está brincando com fogo e pode arrumar problemas tanto com a Rússia como com os EUA."
Ricardo Mendes — sócio da Prospectiva e responsável pelas operações internacionais da consultoria — corroborou que o timing não é o ideal, mas que a Rússia é um parceiro estratégico para o Brasil. "Sempre interessou do ponto de vista econômico e tecnológico não depender de um único país. No meu entender, a aproximação pode até gerar uma resposta de mais interesse político do lado americano, começar a prestar mais atenção no Brasil e oferecer condições interessantes de investimentos em termos de inserção geopolítica", afirmou.
De acordo com ele, "essa visita tem sido retratada como uma viagem ideológica, mas o presidente argentino, de viés diferente, esteve em reunião com ele também". "Fator negativo sempre tem, vai ter pressão, mas não acredito que provoque dano mais permanente. Pelo contrário, pode colocar o país em uma posição diferente de acordos com Europa, além de abrir mercados para setores importantes da economia. Acho que, se bem conduzida, a viagem, a longo prazo, pode trazer benefícios para o país", concluiu.
Eleitorado
No dia 17, Bolsonaro passará pela Hungria, do primeiro-ministro Viktor Orbán, outro avesso aos interesses ocidentais e à democracia — valores opostos ao que se espera de um país que planeja entrar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Segundo Flavia Loss de Araújo, professora de relações internacionais da Unicsul, o problema da viagem é o contexto atual e a imprevisibilidade de uma eventual declaração de Bolsonaro. "O Brasil está isolado, e a ida à Rússia e à Hungria é um aceno ao eleitorado e não à comunidade internacional", frisou.
Para o pesquisador do Núcleo de Inteligência Internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV) Leonardo Paz Neves, há um imbróglio diplomático que o Brasil não avaliou ao aceitar o convite. "Se não for, o governo vai se indispor com Vladimir Putin", alertou.
O consultor de Análise Política da BMJ Consultores Associados, Bernardo Nigri, reforçou que o governo busca demonstrar o não isolamento no cenário internacional. "Um dos principais apelos para Bolsonaro visitar Putin é o conservadorismo do líder russo. Nesse sentido, busca acenar para sua base eleitoral, que vê no presidente da Rússia uma outra figura conservadora em posição de destaque no cenário internacional", explicou. (Com Déborah Hana Cardoso)