Brasília – Em meio à iminência de uma crise militar entre Ucrânia e Rússia, o presidente Jair Bolsonaro (PL) embarcou na noite de ontem rumo a Moscou, em uma de suas viagens mais arriscadas. Horas antes, a apoiadores, o chefe do Executivo justificou que a visita tem cunho econômico e comercial, que o Brasil é “um país soberano” e “torce pela paz”. Apesar de aconselhado a remarcar a viagem, Bolsonaro optou por mantê-la.
“Tem a viagem à Rússia. Sabemos do momento difícil que existe naquela região. Temos negócios com eles, comerciais. Em grande parte nosso agronegócio depende dos fertilizantes deles. Temos assuntos para tratar sobre defesa, sobre energia. Muita coisa para tratar. E o Brasil é um país soberano. Vamos torcer pela paz lá, que dê tudo certo”, apontou. “A gente quer a paz, mas você tem que entender que todo mundo é ser humano aí. Vamos torcer para que dê certo. Dependendo de uma palavra minha, o mundo teria paz”, completou.
No último dia 12, Bolsonaro também falou sobre a viagem e relatou que trataria de temas como “energia, defesa e agricultura". A expertise em cibersegurança e ciberdefesa da Rússia também é outro fator de interesse brasileiro. Isso porque Bolsonaro confia às Forças Armadas brasileiras a missão de auditar as urnas eletrônicas junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) antes das eleições e pretende junto a Putin fechar acordos de cooperação para capacitar a inteligência militar brasileira. Devem participar das tratativas ministros militares do governo Bolsonaro.
Pouco antes do embarque, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão (PRTB), participou de solenidade de transmissão de cargo, na Base Aérea de Brasília. O general deverá comandar o Palácio do Planalto interinamente até o retorno do presidente, previsto para o dia 18.
Mourão também afirmou ontem que a viagem do presidente não deve causar problemas ao Brasil e comparou à recente visita do presidente argentino, Alberto Fernandez, ao país comandado por Putin. "Na semana passada, o presidente da Argentina esteve lá [na Rússia], zero trauma", disse a jornalistas.
O general defendeu ainda que a tensão na região é "fruto das pressões de ambos os lados". "Na minha opinião, vai ficar nesse jogo de pressão. A viagem do presidente é de um dia só, sem maiores problemas", afirmou. Na última sexta, às vésperas da viagem, o Itamaraty divulgou uma nota celebrando as relações diplomáticas do Brasil com a Ucrânia.
Amanhã, o chefe do Executivo brasileiro encontrará o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em ao menos duas ocasiões: numa reunião bilateral e durante um almoço no Kremlin, sede do governo russo. Se instado, o chefe do Executivo brasileiro foi orientado a responder pela saída diplomática, de negociação pacífica. Após isso, o presidente brasileiro irá se encontrar com o presidente da Duma de Estado, Câmara Baixa do Parlamento russo, e participará da entrega da oferenda floral no Túmulo do Soldado Desconhecido.
A previsão é de que ocorra ainda um encontro do presidente com empresários no Four Seasons, hotel cinco estrelas localizado na Praça Vermelha, principal cartão-postal de Moscou, onde o presidente e parte da comitiva ficarão hospedados. Na comitiva, estão ainda os ministros da Defesa, general Walter Braga Netto, das Relações Exteriores, Carlos França, e da Secretaria-Geral da Presidência da República, general Luiz Eduardo Ramos. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, testou positivou para a COVID-19 e não pôde participar.
Na quinta-feira, Bolsonaro ainda passará pela Hungria, de Viktor Orbán, outro avesso aos interesses ocidentais e à democracia – valores opostos ao que se espera de um país que planeja entrar na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A comunidade internacional está de olho na ida do presidente à Rússia. Ainda que o chefe do Executivo seja uma espécie de estranho no ninho diplomático, a dimensão do encontro poderá gerar consequências trágicas nas relações exteriores com o Brasil. Em compensação, ao presidente russo é dada a chance de provar ao mundo que o Ocidente não está contra ele em um dos momentos mais sombrios vividos pelo país.
MILITARES
Ainda que a parceria possa parecer boa, os militares brasileiros estão preocupados com a viagem de Bolsonaro por causa da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). A Ucrânia é aliada, sem fazer parte de fato do círculo. Mas as Forças Armadas estavam negociando a aceitação do bloco ao Brasil num centro muito importante e estratégico na Estônia. No entanto, a visita de Bolsonaro à Rússia, em meio ao impasse internacional, poderá ser um balde de água fria nos planos dos militares brasileiros. Segundo o diplomata Paulo Roberto Almeida, ex-presidente do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri), ainda há a possibilidade de o presidente dos EUA, Joe Biden, tirar o status do Brasil de sócio da Otan.
“Os russos gostariam que nós comprássemos armamento militar deles, mas o próprio vice-presidente Mourão falou que o Brasil não tem interesse por causa da Otan e da manutenção dos equipamentos russos, que tem muita deficiência. O Brasil também não vai comprar sistema antimísseis, porque aí acabaria mesmo o sonho de pertencer ao círculo da Otan. Braga Neto vai fazer uma visita protocolar, trocar amabilidades, eles vão oferecer equipamentos e os brasileiros vão dizer que vão pensar”, avalia.