Ainda abalada com a situação de racismo que sofreu enquanto trabalhava, Danielle da Cruz Oliveira, 19 anos, sente-se aliviada com a decisão da Justiça de aceitar a denúncia do Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) contra Frederick Wassef, advogado da família Bolsonaro. Em outubro e novembro de 2020, a jovem foi humilhada e ofendida pelo acusado na pizzaria de um shopping do Lago Sul. Wassef tornou-se réu na Justiça e responderá pelos crimes de injúria racial, vias de fato e racismo.
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Toffoli suspende pedido da CPI para acessar relatórios do Coaf sobre WassefSem comprovante de vacinação, Frederick Wassef tem entrada barrada no STFWassef, advogado da família Bolsonaro, ameaça jornalistaGêmeas se casam com irmãos gêmeos e têm filhos com um mês de diferençaA primeira ofensa ocorreu em outubro de 2020. Danielle trabalhava como garçonete na pizzaria. A jovem conta que, enquanto atendia Wassef, foi puxada pelo braço pelo advogado. “Ele falou que não queria ser atendido por mim, que eu era negra e tinha cara de sonsa”, relata. Danielle conta que havia passado por situações semelhantes, mas não de maneira tão agressiva e ofensiva. “Eu estava apenas fazendo o meu trabalho e me perguntei por que ainda existiam pessoas que julgavam a gente pela aparência. Fiquei triste a abalada”, afirma.
"Você é uma macaca"
Na primeira ocasião, a jovem não reconheceu que o cliente era Wassef, personagem conhecido na política nacional. Danielle só soube que se tratava do advogado da família Bolsonaro após ele comparecer novamente na pizzaria, em novembro. “Quando o vi, mandei minha amiga atender e permaneci no balcão.”
Enquanto estava no balcão, conta Danielle, o advogado foi em direção a ela e disse que a pizza estava "uma merda". Em seguida, perguntou se a funcionária havia comido a refeição. Insatisfeito com a resposta negativa, o acusado teria respondido: "Você é uma macaca. Você come o que te derem". “Dessa vez, eu retruquei, e disse que ele não era melhor do que ninguém por ser branco”, afirmou.
Danielle relata que sentiu medo de denunciá-lo, justamente pelo fato de Wassef ser conhecido e defender a família do presidente da República. “Quem me incentivou foi o meu ex-gerente. Ele ouviu as ofensas e logo disse que era caso de polícia", relata Danielle.
Por meses, a jovem evitou sair de casa por medo. Estudante do ensino médio, ela chegou a receber várias ligações da escola por não estar fazendo as atividades. “Minha mãe me ajudou muito nesse período. Ela resolvia os problemas. Cheguei a bloquear todas as minhas redes sociais”, lembra.
Indenização
Na denúncia enviada pelo MPDFT à Justiça e obtida pelo Correio, a promotora Mariana Silva Nunes, do Núcleo de Enfrentamento à Discriminação (NDH), pede que Wassef indenize a vítima em R$ 20 mil, para reparação de prejuízos pessoais, e em R$ 30 mil, a título de danos morais coletivos. Essa segunda quantia será revertida a instituição que atua no combate à discriminação racial, a ser indicada pelo Ministério Público.
A promotora exige, ainda, que o acusado participe do curso Conscientização para Igualdade Racial, ministrado pelo MP em parceria com a Universidade de Brasília (UnB). "Diante do acima exposto, notadamente em razão da gravidade em concreto do presente caso, em que a vítima, de apenas 18 anos, foi humilhada e ofendida pelo denunciado de forma reiterada, o Núcleo de Enfrentamento à Discriminação do MPDFT manifesta-se no sentido de que os instrumentos de justiça consensual não são necessários e suficientes para reprovação e prevenção dos crime", diz trecho da denúncia.
Na quinta-feira (17/2), o juiz Omar Dantas Lima, da 3ª Vara Criminal de Brasília, recebeu a acusação. A defesa do advogado terá 10 dias para se pronunciar.
Fraude processual
Ao Correio Braziliense, Wassef negou as acusações, afirmou que houve "fraude processual" e disse tratar-se de caso de "denunciação caluniosa". "Jamais proferi ofensa a quem quer que seja. Isso não existe. Querem que o falso depoimento seja transformado em um escândalo para me destruir. Sou vítima de denunciação caluniosa. A polícia nunca me ouviu. Ignorou três petições em que pedi para ser ouvido, para mostrar que sou vítima de crime. Em vez de oferecer denúncia, devolveram o inquérito. A polícia não fez nada e engavetou meu inquérito. Houve, ainda, troca de promotora, que ofereceu denúncia sem existir nada nos autos", afirmou.
O réu completou: "O objetivo é fazer a denúncia para vazar para a imprensa e massacrar a imagem de Frederick Wassef. A denúncia foi oferecida ontem (quarta-feira), recebida hoje (quinta-feira) no fim da tarde. Existe ocorrência em que denuncio crime de denunciação caluniosa. A menina não é negra. A promotora Mariana (Silva Nunes) simplesmente passou por cima do próprio MP e ofereceu a denúncia".
Consultada pela reportagem, o advogado do acusado, Cleber Lopes, também se posicionou. "A defesa de Frederick Wassef está perplexa com a denúncia oferecida pelo Ministério Público, pois havia diligências pendentes no inquérito, que eram, como de fato são, absolutamente relevantes para o esclarecimento da verdade, as quais mostrariam sua inocência (do réu). Isso viola a garantia constitucional de defesa, pois o inquérito não pode ser apenas um instrumento que busque incriminar alguém. Iremos aos tribunais para resgatar a Constituição", enfatizou, em nota.