Diferentemente de 1997, quando pela primeira vez na história de Minas, os praças da Polícia Militar entraram em greve para exigir a mesma recomposição salarial garantida a oficiais; a atual mobilização une servidores públicos diferentes instituições da segurança - polícia militar, civil, penal e judiciária - e, no caso da Polícia Militar, tem praças e oficiais irmanados pela mesma causa. A avaliação é do sociólogo Luis Flávio Sapori, coordenador do Centro de Estudos em Segurança Pública da PUC Minas e ex-secretário adjunto de Estado da Segurança Pública entre 2003 e 2007.
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Segurança é orientada sobre rumos da greve em Minas; entenda Zema cancela viagem ao interior para tentar resolver impasse com policiaisPor reajuste a policiais, secretário de Zema promete 'agendas prioritárias'Pressão máxima dos servidores públicos por uma solução rápida"É uma greve muito preocupante, que revela um nível de articulação que não via há muito tempo entre entidades e lideranças políticas. É um movimento forte, coeso, que traz, no curto prazo, risco de recrudescimento da violência nas grandes cidades", diz, referindo-se ao fato de que à medida em que a criminalidade percebe que a polícia não está atuando, surgem situações dramáticas já vistas em outros estados brasileiros, como Espírito Santo e Ceará, onde houve esse tipo greve.
Embora o direito a fazer greve seja assegurado pela Constituição Federal de 1988 para que os trabalhadores possam defender os seus interesses,- existem exceções. Entre estas estão os policiais militares e bombeiros, entendimento também fixado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017.
O artigo 42 da Constituição Federal e seus incisos sustentam que os membros das polícias militares e corpos de bombeiros são instituições organizadas com base na hierarquia e na disciplina e, como militares dos estados e do Distrito Federal lhe são aplicadas as mesmas disposições do artigo 142, que veda aos integrantes das Forças Armadas o direito de greve e de sindicalização.
Para polícias civis e outros membros de instituições da segurança pública essa vedação não se aplica.
"Policiais militares e bombeiros estão proibidos de fazer greve em função do direito penal militar, que a considera motim. Para as outras categorias do serviço público, em princípio, não há essa objeção, nem para os policiais penais", considera Sapori.
Apesar da vedação às greves de policiais militares, que podem ser punidas com a expulsão da corporação, Sapori assinala que em Minas e no Brasil nos últimos 30 anos, tem sido ignoradas, à medida em que policias militares se sentem com representação política sólida.
O especialista critica o que chamou de "passividade" do governo de Romeu Zema (Novo) para a tomada de decisões.
"Ao mesmo tempo em que o governador não negocia, tampouco busca contraponto para minimizar efeitos perversos da presença das polícias nas ruas", diz Sapori, frisando que Zema deve solicitar a Força Nacional de Segurança e do Exército para promover o policiamento ostensivo das grandes cidades mineiras, em particular a capital.
Azeredo refaz cronologia da greve de 1997
A greve dos praças de Minas Gerais em 1997 deixa uma amarga lição aos governantes: não se concede impunemente reposição salarial a uma categoria isolada do funcionalismo público, sem acenar com igual direito às demais. Durante o governo Hélio Garcia , delegados da Polícia Civil ingressaram na Justiça para requerer equiparação salarial com a Procuradoria de Estado, atualmente, Advocacia Geral de Estado. A decisão judicial em favor dos delegados saiu durante o governo Eduardo Azeredo, do PSDB.Insatisfeitos com a diferença entre os próprios soldos e os da Polícia Civil, o oficialato da Polícia Militar de Minas Gerais passou a reivindicar de Azeredo a equiparação. Quem conta é o ex-governador.
"Em 1977 a pressão aumentou. Os oficiais vieram até mim e disseram que poderiam ter o reajuste dado aos delegados através de um decreto da própria Polícia Militar. Relembraram que no governo Newton Cardoso (MDB) havia tido uma greve dos oficiais, que estavam ganhando menos do que os delegados e que historicamente isso seria inadmissível. E na época eu disse que não tinha como dar ajuste para todo mundo. Esse é o ponto", relembra Azeredo.
"Sob essa pressão, acabei autorizando os oficiais que fizessem o decreto com a gratificação permanente dos oficiais, porque me garantiram que a tropa seria informada de que haveria um projeto de lei para conceder igual reajuste. Essa foi a condição para que os autorizasse", rememora.
Ocorre, contudo, que ao mesmo tempo em que o Comando da Polícia Militar não informou a Eduardo Azeredo o nível de mobilização das tropas, lhe garantiu que conseguira "segurar" a insatisfação. Como se viu, não conseguiu.
O reajuste de 11% concedido ao oficialato em 6 de junho, por meio de decreto do Comando da Polícia Militar, equiparando os soldos ao reajuste concedido aos delegados, foi o estopim para que a fervura nas tropas entrasse em ebulição. Em 12 de junho iniciou-se a greve branca: policiais do Batalhão de Choque não saíram às ruas. No dia seguinte, mesmo informados do risco funcional que correria, dada a proibição de greves, dois mil praças saíram às ruas em passeata fardados e armados, embora tenham retirado a identificação dos uniformes.
Ao chegarem em frente ao Palácio da Liberdade, antiga sede do governo, queimaram os contracheques. O movimento foi recrudescendo e se expandindo pelo estado, sem que o Comando da Polícia Militar e o próprio governo do estado conseguissem interromper o curso.
No dia 24 de junho, uma nova mobilização de fardados armados teve um desfecho trágico: um tiro disparado atingiu a cabeça do Cabo Valério, que veio a falecer dias depois. O desfecho da greve, com a concessão do reajuste pretendido, teve consequências política imediatas e de médio prazo.
O movimento se alastrou pelos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro.
Em Minas, muitos grevistas foram punidos, 186 expulsos e alguns condenados a prisão. No médio prazo, do movimento, emergiram para a cena política eleitoral as primeiras lideranças eleitas para cargos de representação: Cabo Júlio, conquistou mandato de deputado federal e o sargento Rodrigues, de deputado estadual nas eleições gerais de 1998. Em 2018, quando deixou a Assembleia, Júlio estava no MDB; no mesmo ano, Rodrigues trocou o PDT pelo PTB.
No pleito de 1998, o então candidato ao governo de Minas Itamar Franco, ex-presidente da República que viria a derrotar Eduardo Azeredo, prometeu em campanha a anistia aos punidos. Durante o governo de Itamar Franco os praças foram anistiados e reintegrados não à Polícia Militar, mas ao Corpo de Bombeiros, segundo disposição da Emenda Constitucional 39.