A Polícia Militar (PM) possui um dossiê com nomes e dados de líderes das manifestações da categoria na busca pela recomposição, aos salários, das perdas inflacionárias dos últimos anos. O documento sigiloso, obtido pelo Estado de Minas, está inserido em uma ação que o governo mineiro enviou à Justiça na sexta-feira (15/2) para tentar impedir as lideranças de bloquear vias, paralisar os serviços de segurança pública, invadir os prédios públicos, queimar objetos ou portar armas de fogo ou bombas durante o movimento.
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A veracidade do dossiê foi confirmada pela reportagem por meio de um link presente em PDF que compila os papéis. Ao acessar o endereço, é possível ver a lista dos oficiais que assinaram o material e, inclusive, fazer o download da peça.
O calhamaço de 33 páginas foi produzido em setembro de 2021, às vésperas da manifestação ocorrida no dia nove daquele mês, na Cidade Administrativa, justamente por causa dos pedidos de reposição salarial. O responsável pelo texto chega a relatar temor pela presença, no ato, de “boneco ‘pixuleco’ de 8 metros do governador Romeu Zema com nariz de Pinóquio”.
“Essas mobilizações devem ser alvo de acompanhamento sistemático por parte dos gestores, considerando que podem evoluir para situações de quebra da ordem pública. Nesse sentido, torna-se imperioso antecipar a criticidade dos fatos e adotar posturas com vistas a mitigar o agravamento da situação, de maneira que seja possível garantir o direito constitucional dos manifestantes, bem como os direitos da coletividade”, lê-se em trecho do portfólio.
O documento tem fotos de ações ocorridas em anos anteriores, desde uma invasão ao Palácio Liberdade, antiga sede do governo, ocorrida em 2018. Ao longo das páginas, há descrições das estratégias utilizadas em manifestações das forças de segurança. Um dos casos lembrados pelo material ocorreu em janeiro de 2019, na porta do Clube dos Oficiais da PM, em Belo Horizonte. À época, houve a queima de um caixão do governador Romeu Zema — no protesto desta semana, nova urna funerária com menção ao governador foi incinerada.
Dossiê da PM se preocupa com idas de políticos a atos
O documento também tem prints de publicações feitas por sindicatos e lideranças às vésperas das manifestações de setembro nas redes sociais. Os textos são convocações para a manifestação em prol da recomposição e, em alguns, há críticas diretas a Zema.
Em certa altura do documento, quando são descritas ações anteriores feitas pelas forças de segurança, há uma foto do deputado estadual Sargento Rodrigues (PTB), uma das vozes da categoria na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), no protesto que terminou em invasão ao Palácio da Liberdade. O deputado federal Subtenente Gonzaga (PDT) teve replicada no documento uma publicação convocando as tropas para o ato de setembro.
A participação de deputados e agentes políticos nos atos, aliás, é citada com preocupação no dossiê. “No ano de 2022 haverá eleições para escolha de presidente, governadores, senadores, deputados federais e estaduais, o que pode representar o aumento das tensões e gerar oportunidades àqueles pré-candidatos que se utilizem de pautas salariais como forma de capitalização política”, aponta trecho do material.
Os detalhes da ação do governo contra o protesto
Na ação movida pelo estado contra as entidades de segurança, a Justiça impôs multa de R$ 50 mil por hora, sem prejuízo de prisão em flagrante em caso de descumprimento das determinações. Além disso, determinou que as partes intimadas informassem o conteúdo do documento nos carros de som a serem usados no movimento.
”O direito de reunião não pode prejudicar a continuidade de serviço público relevante, relativo à segurança em prol da população, e o poder de polícia, como agora pretende o movimento, ante o sério risco de danos sociais graves, pela perturbação da ordem social. Vale dizer, os agentes da segurança pública representam parcela da soberania estatal e dela não se pode abrir mão!” diz um trecho da ação da AGE, em justificativa aos argumentos apresentados no documento.
O estado também fez apelo à Justiça, em caráter de urgência, para que a segurança não fosse prejudicada nos dias de paralisação: “No mínimo, deve-se exigir que os participantes não estejam em serviço no momento da manifestação, de forma a garantir que a segurança pública do Estado de Minas Gerais, direito, como dito pelo STF, prioritário porque essencial ao Estado Democrático de Direito, não seja prejudicada. No mesmo sentido, considerando que o direito de manifestação e reunião não é absoluto, se admitida a possibilidade de se realizar o protesto, é necessário assegurar que os direitos de terceiros não sejam indisponibilizados”.
Em seu despacho, o juiz Michel Curi e Silva, da 1ª Vara de Fazenda Pública e Autarquias, pontuou que as manifestações podem levar a uma situação de violência e terror: “A série de eventos iniciada em 06 de junho de 2018 (invasão do Palácio da Liberdade) até o recente fechamento da rodovia MG – 010, nas proximidades da cidade administrativa, em 09 de setembro de 2021, demonstram com clareza solar a escalada da ameaça velada e do nível de intimidação que se prestam a acuar o Estado, que detém o monopólio da força pública, mediante possibilidade de atos de violência e terror, também acobertados por roupagens legais, contra a população do Estado; ou seja, aterrorizando transeuntes”.
Por fim, o juiz aconselhou o uso de forças públicas nacionais no caso de descumprimento da ação.
O Estado de Minas questionou a Polícia Militar sobre a confecção de dossiê a respeito das lideranças das forças de segurança. Em resposta, a corporação disse que as dúvidas da reportagem sobre as motivações para a confecção do documento e as razões para a presença dele em uma ação judicial deveriam ser encaminhadas à Advocacia-Geral do Estado.
O governo estadual também foi procurado, mas ainda não respondeu aos questionamentos. Se houver retorno, esta reportagem será atualizada.
Categoria pressiona e quer solução até sexta
Para encerrar o motim, as forças de segurança cobram do governo uma solução até sexta-feira (25). Eles querem o cumprimento de acordo firmado em 2019, quando os termos da recomposição foram acertados.
A ideia era repor 13% em julho de 2020; em setembro de 2021, seriam acrescidos mais 12%; em setembro deste ano, viria a etapa final, com outros 12%.
Em que pese o trato, alegando inconstitucionalidade, Zema vetou o segundo e o terceiro reajustes. Apenas a primeira fatia, de 13%, entrou na conta dos agentes. O projeto que tratava do tema foi o mesmo a receber emenda estendendo a reposição salarial a todos os servidores. Quando barrou o aumento geral, o governador também retirou do texto as parcelas prometidas às polícias para 2021 e 2022.
Os sindicatos cobram o envio, à Assembleia, de projeto para viabilizar o reajuste. Zema, por sua vez, foi ao Twitter nesta terça garantir que estuda forma de contemplar as reivindicações das tropas.
"Mesmo diante das dificuldades nas contas do Governo do Estado, estamos avaliando condições para efetuar a recomposição salarial dos servidores públicos de Minas. Tenho o compromisso de encontrar soluções, que em breve serão anunciadas", escreveu.