Criador de um recente canal no YouTube, o Logopolítica, o ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, reitera uma posição crítica às atitudes do governo de Jair Bolsonaro (PL) diante do conflito na Ucrânia.
Em artigo recente, o diplomata afirmou que “por mais de seis décadas, o princípio ‘não é conosco’ da nossa diplomacia serviu para distanciar o Brasil do Ocidente democrático, favorecer totalitarismos e agradar à oligarquia nacional”, e alegou que o padrão se repete com o ataque russo à Ucrânia. Araújo defende que o país adote posições pró-Ocidente e, antes do início do conflito, já fazia críticas à visita de Bolsonaro ao presidente russo, Vladimir Putin. “O Brasil está mostrando preferência pela Rússia. Neutralidade é você visitar ou os dois que estão em conflito ou nenhum”, declarou em 15 de fevereiro.
“A diplomacia não tem ideologia”, ressalta a professora de direito internacional da Universidade de São Paulo (USP) Maristela Basso. “A política externa brasileira nunca foi do 'não é conosco'. Pelo contrário, sempre primou pelas posições firmes e equilibradas de respeito ao direito internacional”, defendeu a especialista. “O ex-ministro não representa nem fala em nome do Itamaraty. Nem mesmo quando ocupava o cargo de chanceler. Frequentou uma escola filosófica e ideológica obscura e de fundamentos frágeis. O que diz hoje é fruto do ressentimento e da falta de respeito à política externa conduzida pelo Ministério das Relações Exteriores”, analisou.
Para o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Goulart Menezes, caso estivesse à frente do Itamaraty, Araújo faria declarações “desconexas”. “Ele demonstrava uma alienação acerca do mundo contemporâneo e sua subserviência não o faria elaborar algo de fato relevante sobre o conflito e suas consequências. Para quem votou contra os palestinos pela primeira vez em décadas ao arrepio do direito internacional, ele tentaria, creio, imprimir uma conotação religiosa ao conflito”, projetou o docente.
POSICIONAMENTO
Maristela atenta para que não se confunda a posição do país com palavras e frases soltas do presidente da República. “Estas não contam, porque são feitas fora de contexto e lugar próprios. Faz tempo que o presidente diz e o Itamaraty conserta”, analisou. Para Menezes, a tentativa de “neutralidade” de Bolsonaro é adesão a Putin. “Bolsonaro foi explícito em seu apoio a Putin e deu de ombros para a Ucrânia. Optou pelo mais forte”,
Para o General Santos Cruz, que ocupou a Secretaria de Governo até junho de 2019, há falta de clareza no discurso do presidente e, por isso, há críticas aos seus posicionamentos. No entanto, Santos Cruz defende que neutralidade não significa falta de opinião.
“A neutralidade não impede o país de se posicionar. O que está acontecendo não é neutralidade, é a falta de clareza. Se posicionar contra por questão de direito internacional não é quebra de neutralidade. Também não precisa tirar a responsabilidade de todos os atores que levaram a essa situação difícil, inclusive de políticos da própria Ucrânia. Mas não se pode validar a invasão e o sofrimento”, pontuou. (Colaborou Tainá Andrade)
Guerra domina debates entre parlamentares
Com o fim do feriado de carnaval, deputados e senadores retomam os trabalhos no Congresso Nacional com foco na aprovação de projetos que tentem reduzir impactos que os ataques da Rússia à Ucrânia poderão causar. O deputado federal e líder da bancada petista na Câmara, Reginaldo Lopes (PT-MG), resumiu a discussão em um grande objetivo: “Paz”.
“A maior preocupação é com relação à posição errática do governo Bolsonaro (PL), que já está causando prejuízos irreparáveis à imagem do Brasil e poderá causar mais, do ponto de vista das relações comerciais. O Brasil está destruindo a sua imagem diplomática. Quem ama ditadores e está totalmente isolado no mundo é Bolsonaro”, criticou o parlamentar.
O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) define como “infeliz” as declarações de Bolsonaro relacionadas à Ucrânia, especialmente quanto ao presidente Volodymyr Zelensky, pelo fato de ser comediante. Por outro lado, acredita que a diplomacia tem sido equilibrada. “O Itamaraty tem colocado a coisa com mais profissionalismo. A gente precisa estar atento aos impactos. Na prática, não impactará só o preço dos combustíveis.”
Reiterando essa visão, o deputado federal Luis Miranda (União Brasil-DF) acredita que a oposição a Bolsonaro irá polarizar a “falta de posicionamento contra a guerra”. No entanto, acredita que haverá quem concorde com o presidente na defesa da imparcialidade pelo fato de o Brasil ser membro do Brics – agrupamento econômico composto ainda por Rússia, Índia, China e África do Sul.
Presidente do Grupo Parlamentar Brasil/Brics, o parlamentar acredita que esse tema deverá ser pautado em breve. “Haverá impactos no agronegócio, inclusive com o cancelamento dos envios de fertilizantes. É o que mais assusta. A Rússia também é um grande produtor de milho e trigo, certamente esses produtos terão alta histórica”, avaliou, cobrando ações “para proteger o agro”.
FERTILIZANTES
É a principal bandeira também defendida pelo senador Lasier Martins (Podemos-RS). O Brasil importa aproximadamente 85% dos fertilizantes que aplica. Em janeiro, a Rússia respondeu por 30,1% desse total.
“É a hora que o Ministério da Agricultura deve se pronunciar, assim como o das Relações Exteriores. Caberá aos ministros avaliarem de quem comprar”, defendeu Martins.