Brasília – Um áudio vazado do ministro da Educação, Milton Ribeiro, em que ele diz que prioriza a liberação de recursos da pasta para prefeituras que negociaram o repasse com Gilmar Silva, presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil, e Arilton Moura, assessor de assuntos políticos da entidade, que não têm cargos no governo, a pedido do presidente Jair Bolsonaro, provocou uma onda de reações. "Foi um pedido especial que o presidente fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar", diz Ribeiro no áudio. Após a repercussão negativa, ele negou o favorecimento. Vários parlamentares acionaram órgãos de controle público cobrando investigação. A minoria da Câmara dos Deputados e a bancada do PT protocolaram notícia-crime no Supremo Tribunal Federal (STF) contra Bolsonaro e Ribeiro. O senador Fabiano Contarato (PT-ES) também entrou com uma notícia-crime no Supremo, mas apenas contra Ribeiro.
Já o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), os deputados federais Tabata Amaral (PSB-SP) e Felipe Rigoni (União Brasil-ES) e o secretário municipal de Educação do Rio de Janeiro, Renan Ferreirinha (PSD-RJ), entraram com representação na Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ministro por improbidade administrativa. A bancada do Psol na Câmara recorreu ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao Ministério Público Federal (MPF) contra Bolsonaro, Ribeiro e pastores envolvidos na denúncia. Os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cobraram explicações do governo.
Áudios revelados ontem pelo jornal Folha de S. Paulo revelam Milton Ribeiro dizendo que o governo prioriza prefeituras ligadas a dois pastores sem cargos na pasta e que atuam em esquema informal de obtenção de verbas do ministério. Ele afirma também que é a pedido de Bolsonaro. Já o jornal O Estado de S. Paulo revelou que existe um "gabinete paralelo" no MEC por meio do qual pastores conseguiram pagamentos e reservas de valores — chamados de empenhos — estimados em R$ 9,7 milhões em tempo recorde de poucos dias ou semanas após cumprimento de agenda na pasta.
A bancada do PT afirma na notícia-crime que as denúncias são graves "do ponto de vista legal e moral" e que existem "dois ministros de fato" no MEC, que "estão decidindo as prioridades e os investimentos da pasta ministerial, de modo a privilegiar não o interesse público, mas os desígnios pessoais e políticos do presidente e das igrejas que o apoiam ou que possam vir a apoiá-lo". "Os recursos públicos geridos pelo Ministério da Educação e pelo Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação não podem ser direcionados para atender a prioridades de políticos, projetos pessoais do presidente ou dos amigos dele, notadamente quando estas verbas estão a financiar, em paralelo, determinadas denominações religiosas, o que é terminantemente vedado pelo artigo 19 da Constituição Federal", sustentam os parlamentares petistas.
O senador Fabiano Contarato pede para o STF acionar o procurador-geral da República, Augusto Aras para abrir inquérito contra o ministro por eventual crime, além de ação civil pública por improbidade administrativa. "Resta claro que o ministro da Educação, ao conceder liberação célere de recursos, priorizando atender 'a todos que são amigos do pastor Gilmar', patrocina ou apadrinha diretamente interesse privado perante a administração pública, valendo-se para isso da sua qualidade de funcionário público, o que configura crime de advocacia administrativa", diz Contarato no documento enviado ao STF.
Na representação ao TCU e ao Ministério Público Federal, a bancada do Psol pede investigação sobre crimes de responsabilidade e improbidade administrativa praticados por Bolsonaro, Ribeiro e os pastores. "A troco de quê esses dois pastores, que não têm cargo no governo federal e não ocupam função pública, estariam legitimados pelo presidente Bolsonaro como interlocutores de prefeitos junto ao gabinete do ministro da Educação, que também é chefiado por um pastor? Temos o direito de saber qual a verdadeira história por trás desse trânsito livre e incidência direta em dinheiro público. O 'gabinete paralelo da Educação', criado pelo governo, afeta diretamente a distribuição dos recursos do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação)", disse a líder do partido na Câmara, Samia Bomfim (SP).
Já na representação feita à PGR, Alessandro Vieira, Felipe Rigoni, Tabata Amaral e Renan Ferreirinha sustentam que Ribeiro autoriza viagens de grupo de pastores em aviões da Força Aérea Brasileira e a participação deles em reuniões da pasta. "Cabe ao Ministério Público investigar se ocorreram transferências desses recursos destinados à educação para atender às demandas privadas dos pastores e do presidente da República. Soma-se, ainda, a suspeita de uso das dependências do MEC, recursos da instituição, e mobilização de equipes para atender a demandas de pastores e igrejas evangélicas”, afirmam.
ENQUANTO ISSO...
...MPF acusa o presidente de improbidade
O Ministério Público Federal (MPF) enviou à Justiça Federal em Brasília ação de improbidade administrativa contra o presidente Jair Bolsonaro e a ex-secretária parlamentar da Câmara dos Deputados Walderice Santos da Conceição, que ficou conhecida como “Wal do Açaí”. Walderice foi indicada por Bolsonaro, então deputado federal, em fevereiro de 2003, para ocupar o cargo de secretária parlamentar no seu gabinete, em Brasília, onde permaneceu lotada até agosto de 2018, quando foi exonerada, após o caso ser divulgado na imprensa. A mulher foi apontada como assessora fantasma do gabinete, pois trabalhava na residência do presidente e vendia açaí na cidade. Segundo a investigação, durante os 15 anos em que esteve comissionada, Walderice nunca esteve em Brasília, não exerceu qualquer função relacionada ao cargo e ainda prestava, com seu companheiro, Edenilson Nogueira Garcia, serviços de natureza particular para Bolsonaro, em especial nos cuidados com a casa e com os cachorros do chefe do Executivo na Vila Histórica de Mambucaba.