Jornal Estado de Minas

POLÍTICA

Eleição: o que diz a lei brasileira sobre manifestações partidárias públicas



O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proibiu atos de propaganda partidária no festival Lollapalooza, que acontece em São Paulo neste final de semana. O ministro Raul Araújo determinou multa de R$ 50 mil para a organização do festival em caso de novas ocorrências.





A determinação foi emitida depois que o PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, acionou o TSE por manifestações das cantoras Pabllo Vittar e Marina no Lollapalooza.

Na sexta-feira (25/3), Pabllo levantou uma bandeira com o rosto do ex-presidente e pré-candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e gritou uma mensagem de desaprovação ao governo de Bolsonaro durante seu show.

Já Marina - antes Marina and The Diamonds - xingou Bolsonaro e o mandatário russo Vladimir Putin. Ela disse ainda "que as coisas vão mudar".

Na decisão liminar publicada neste sábado (26/03), o ministro Raul Araújo afirma que a Constituição Federal assegura a livre manifestação do pensamento. No entanto, diz que "a manifestação exteriorizada pelos artistas durante a participação no evento, tal qual descrita na inicial, e retratada na documentada anexada, caracteriza propaganda político-eleitoral".





Segundo o relator, tal conduta seria uma violação do Art. 36 da Lei das Eleições (lei n. 9.504/1997).

O que diz a lei?

O artigo da Lei das Eleições mencionado pelo ministro determina que a propaganda eleitoral "somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição".

Segundo o advogado especialista em Direito Eleitoral Alberto Rollo, fazer propaganda eleitoral é pedir votos ou desencorajar votos em outros candidatos de forma explícita. Já a expressão de ideias políticas ou a propaganda para filiação em partidos são permitidas.

"Os próprios pré-candidatos podem expor suas plataformas e ideias e dar entrevistas, mas não podem pedir voto ou desencorajar o voto em outro candidato antes de 15 de agosto", diz.

De acordo com o próprio art. 36, não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a "menção à pretensa candidatura", a "exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos", a "divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais", e a participação em eventos, entrevistas e debates.





Caso a lei seja infringida, os responsáveis pela propaganda eleitoral podem ser punidos pela Justiça Eleitoral.

"Normalmente a pessoa que faz a propaganda é punida, mas é possível responsabilizar solidariamente os organizadores, como aconteceu no caso do Lollapalooza", diz Rollo.

Em casos em que há um envolvimento direto da campanha na propaganda, pode haver responsabilização direta do candidato ou partido.

"Se ficar provado que o candidato sabia ou permitiu de alguma maneira que a propaganda acontecesse, ele pode ser responsabilizado após uma investigação", diz o advogado.

Houve propaganda eleitoral no Lollapalozza?

Em sua decisão, o ministro Raul Araújo considerou a manifestação feitas pelos artistas durante o evento como "propaganda político-eleitoral".

"Embora seja assegurado a todo cidadão manifestar seu apreço ou sua antipatia por qualquer agente público ou até mesmo um possível candidato, a garantia não parece contemplar a manifestação retratada na representação em exame, a qual caracteriza propaganda, em que artistas rejeitam candidato e enaltecem outro", disse o relator.





Na liminar, o ministro afirma ainda que "uma apreciação das fotografias e vídeos colacionados aos autos, percebe-se que os artistas mencionados na inicial fazem clara propaganda eleitoral em benefício de possível candidato ao cargo de Presidente da República, em detrimento de outro possível candidato".


Marina no Lollapalooza (foto: Mauricio Santana\Getty Images)

Durante seu show, Pabllo Vittar pegou uma toalha vermelha com o rosto do ex-presidente Lula de um fã e a levantou com os braços. A cantora ainda fez o símbolo da letra "L" com as mãos e gritou "Fora Bolsonaro" ao fim da apresentação.

Já Marina xingou Bolsonaro e o presidente russo, Vladimir Putin, e disse estar "cansada desse tipo de energia". "Vocês são a nova geração, e as coisas vão mudar. Eu sou muito grata por chamá-los de meus fãs", disse ainda, em inglês.





Nem todos os especialistas em direito eleitoral concordam sobre se as manifestações configuram violação ou não da lei eleitoral.

Segundo Alberto Rollo, em casos como esse é preciso avaliar cada tipo de manifestação individualmente para se chegar a uma decisão.

Para ele, levantar uma bandeira ou puxar um coro contra o atual presidente não configura necessariamente propaganda eleitoral, mas pedir que um pré-candidato saia da Presidência pode ser entendido como tal.

"O artista pode fazer uma manifestação de desapreço, desde que não diga diretamente para que não se vote em um pré-candidato", diz. "Se o pré-candidato ou presidente se sentir ofendido por algo dito pode processar pela ofensa em si, mas não por ilegalidade eleitoral".

"Mas dizer 'fora da presidência' creio que seja propaganda negativa."

Outros advogados e acadêmicos, porém, creem que houve exagero e que pedir "Fora Bolsonaro" ou xingâ-lo não é uma manifestação de cunho estritamente eleitoral.





Outros casos

A decisão emitida pelo ministro Raul Araújo ainda não é final. O caso vai ser avaliado em plenário pelos sete ministros que compõe o colegiado do TSE e só então uma decisão definitiva será emitida.

Esse não é, aliás, o único caso do tipo analisado pela corte atualmente.

Em junho passado, o Ministério Público Eleitoral pediu que o TSE multasse o presidente Jair Bolsonaro e outros integrantes do governo por propaganda eleitoral antecipada.


O presidente Jair Bolsonaro (foto: EPA)

O pedido faz referência a um evento ocorrido no dia 18 do mesmo mês, quando durante entrega de títulos de propriedade rural em Marabá (PA), Bolsonaro exibiu uma camiseta com a mensagem "É melhor Jair se acostumando. Bolsonaro 2022". A cerimônia foi transmitida ao vivo pela emissora oficial TV Brasil.





O caso segue em tramitação, com última movimentação em outubro do ano passado.

O presidente também está envolvido atualmente em uma discussão sobre uma possível redução de alíquotas de impostos e produtos em ano eleitoral.

A Advocacia-Geral da União (AGU) fez uma consulta ao TSE para verificar se a possível redução de impostos federais que incidem sobre o valor da gasolina, ou até a implantação de um subsídio, pode ser considerado crime eleitoral.

A legislação brasileira proíbe a concessão de novos benefícios pelo poder público em ano de eleição.

O TSE reagiu ao pedido de consulta e afirmou ser incabível responder por considerá-lo pouco objetivo e demasiadamente abstrato. Na avaliação dos ministros, responder ao questionamento abriria o risco de dar salvo-conduto genérico ao presidente, que buscará a reeleição em outubro.





Na semana passada, Bolsonaro ainda foi criticado por convocar seus apoiadores para um evento de pré-candidatura neste domingo (27/3) em Brasília.

Inicialmente, o material publicado nas redes sociais do PL mencionava o "Lançamento da pré-candidatura do presidente Bolsonaro". Mas, na quarta-feira (23/3), os canais da legenda passaram a divulgar cartazes convidando para um "Movimento Filia Brasil - É com ele que eu vou".

Segundo Alberto Rollo, a mudança foi feita justamente para evitar qualquer possibilidade de crime eleitoral. "Em eventos do tipo, há sempre uma preocupação com o que é dito. Há um medo de que convidados que possam pegar o microfone e fazer declarações que possam ferir a lei, ou até os próprios candidatos possam escorregar", diz.

Ao ser questionado por uma eleitora sobre o evento, o próprio presidente respondeu: "Não começa a campanha ainda. Campanha é 45 dias antes . Mas é mostrar que eu sou candidato à reeleição".





O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (foto: EPA)

O PT também passa por situação semelhante. Após ser alertado sobre a possibilidade de ferir a lei eleitoral, o partido decidiu readaptar a ideia inicial de lançamento da candidatura do ex-presidente Lula.

Segundo o jornal Folha de S.Paulo, o petista gostaria que o evento de oficialização de sua entrada na corrida eleitoral fosse em espaço público, aberto, para o máximo possível de apoiadores. Advogados do partido, porém, alertaram que o ato poderia ser configurado como campanha antecipada e levaram a sigla a recalcular a rota.

Pelas regras eleitorais, uma chapa só pode ser formalizada após as convenções partidárias, previstas para o meio do ano.

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