Com ares de comício de campanha política, mesmo com a decisão oficial do Partido Liberal (PL) de mudar o teor do encontro para incentivar a filiação, Jair Bolsonaro (PL) discursou, ontem, para cerca de três mil pessoas, segundo a organização, no Centro de Convenções Internacional do Brasil, em Brasília. O presidente da República manteve um tom messiânico em toda a sua fala, com isso se posicionou como o líder que vai “libertar” o Brasil. No discurso de cerca de 28 minutos, Bolsonaro falou como candidato à reeleição e destacou uma luta do "bem contra o mal", não de “esquerda contra a direita”. O evento do PL, denominado Movimento Filia Brasil, aconteceu em Brasília e teve a presença de apoiadores e várias autoridades políticas, entre ministros, senadores e deputados.
Apesar do recado democrático, Bolsonaro também mencionou que “embrulha o estômago” ter que “jogar dentro das quatro linhas”, em uma referência ao respeito que o mandatário da nação deve ter à Constituição e aos demais poderes Legislativo e Judiciário. “Por vezes me embrulha o estômago ter que jogar dentro das quatro linhas, mas eu jurei e, não foi da boca pra fora, respeitar a Constituição. Aqueles que estão ao meu lado, todos, em especial os 23 ministros, eu digo-lhes: vocês têm obrigação de juntamente comigo fazer com que quem esteja fora das 4 linhas seja obrigado a voltar para dentro das 4 linhas”, disse.
Ao se dirigir para o público, Bolsonaro entoou a palavra ditadura algumas vezes ao se referir ao governo anterior ao seu. Chegou a dizer que o país caminhava para um “abismo”. “Não podemos esquecer o nosso passado, porque aquele que esquece nosso passado está condenado a não ter nosso futuro. Os mais jovens podem não conhecê-lo, os seus pais e avós tem obrigação de mostrar para eles para onde o Brasil estava indo. Tem como, mostrando como vivem os jovens em outros países como, por exemplo, na Venezuela. Há pouco estávamos à beira do abismo”, comparou. Em um segundo momento, indicou que a ditadura começa no poder Executivo. Por isso, era importante que as pessoas fizessem a escolha correta sobre seus representantes.
Para exemplificar, o chefe do Executivo relembrou os tempos críticos de pandemia, quando governadores aderiram aos decretos de isolamento social da população contra a sua vontade. “Vocês sentiram na pandemia o gosto da ditadura. Onde alguns chefes do Executivo, em especial estaduais, tiraram o direito até de ir e vir de vocês. Obrigaram todos a ficar em casa. Muitos informais trabalhavam durante o dia para levar um prato à noite pra casa. Muitos queriam que o chefe do executivo assumisse uma posição. Isso que nós passamos, onde lamentamos todas as mortes, serviu de aprendizado pra vocês no tocante à responsabilidade para indicar os vários cargos que vocês querem que os representem”, explicou Bolsonaro.
Pré-campanha isfarçada
O evento não deveria ser para o lançamento da pré-candidatura de Bolsonaro. Apesar da negativa do partido, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, falou brevemente no palco e chamou Bolsonaro de 'futuro presidente pelo segundo mandato'. Em diversos trechos, era perceptível um discurso político de polarização, por meio de recados. "O nosso inimigo não é externo, é interno. Não é luta da esquerda contra a direita. É luta do bem contra o mal", afirmou o presidente.
Evocando Deus, Bolsonaro abriu o seu discurso dizendo que ninguém deveria desejar a cadeira dele – seu posto como presidente. “Costumo dizer, não queiram a minha cadeira. Lá é um local de muitas agruras, principalmente quando se quer fazer a coisa certa. Nós temos um compromisso. A minha vida não pertence mais a mim, pertence a você”, declarou. Em outro trecho, ele expôs o desejo de entregar um país melhor do que o recebido em 2019, mas somente “lá na frente”.
Ao discursar antes do marido, Michele Bolsonaro, consolidou que ali começava um “novo ciclo”. O que foi confirmado pelo esposo ao mencionar sobre “a soma” do PL a outros partidos, como Progressistas, Republicanos e outros que estava acontecendo para angariar forças para a administração do Brasil. O reforço do apoio a Bolsonaro vinha por meio da menção às cores da bandeira. Ao contar sobre as viagens pelo Brasil, o presidente alegou perceber que as cores verde e amarela estavam mais presentes por onde ia. “Aqui não tem vermelho. Aqui, além do verde e amarelo, temos o azul e branco (em alusão à bandeira). Temos um povo que quer paz, tranquilidade, trabalhar e ser feliz e temos tudo para que esse povo siga nessa direção”, frisou.
Apesar de não haver menção direta à pré-candidatura. O momento do discurso também foi usado para lembrar o público sobre a responsabilidade de escolherem seus representantes. “Aqui não é local de fazer campanha pra ninguém, todos aqui têm suas obrigações, sabem das suas responsabilidades e se apresentam para a mais nobre missão. A minha é representar cada um de vocês”, disse. Ele afirmou que, por ter “vivido um milagre” – por ter sobrevivido à facada da campanha em 2018 – entende que essa seja a sua missão, “a mais espinhenta”.
Lista de entregas no governo
O presidente Jair Bolsonaro (PL) também fez uma lista sobre suas entregas à frente do governo. Ele chamou de “libertação da pátria” as ações de criar o Pix, que, segundo ele, ajudou na efetivação de mais microempresários brasileiros, a redução do IPI, o perdão das dívidas do FIES e a implementação do Auxílio Brasil.
Pincelou temas polêmicos, como os projetos de exploração do meio ambiente que tramitam no Congresso, incentivados por ele. “Vejo irmãos indígenas na minha frente que querem e clamam para que o Congresso aprove um projeto de lei de modo que os liberte dentro da própria terra. Eles querem produzir, não querem ser tutelados pelo estado”, declarou.
No tema da corrupção, aproveitou para falar de legados deixados pelo PT. Sem mencionar o partido oponente, comentou sobre as dívidas da Petrobras e do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES). Segundo ele, “daria pra fazer 100 vezes a transposição do São Francisco”. “Acabou a farra com o dinheiro público”, disse. Ele não citou o recente escândalo envolvendo o ministro pastor Milton Ribeiro, que comanda o Ministério da Educação (MEC), mas alegou que sempre buscam “buscam qualquer coisa para transformar em um tsunami”.
“Todos sabem como nos portamos. Foram três anos e três meses em paz nessas questões. Se aparecer, nós cobraremos para que os fatos sejam elucidados. Todos somos humanos, podemos errar e podemos, devemos ter uma segunda chance para voltarmos a ser úteis para a sociedade”, minimizou sem citar claramente sobre o que estava falando.
Filiações O lançamento oficial do evento também aconteceu. O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, anunciou a filiação do ministro da Cidadania, João Roma, que vai disputar o governo da Bahia. Também entrou para o partido Marcos Pontes, ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, que pretende concorrer a deputado federal nas próximas eleições. O senador Eduardo Gomes, líder do governo no Congresso, também aderiu ao partido de Bolsonaro. Apesar do anúncio, nenhuma das autoridades assinou qualquer documento.
“Hoje estou com muito entusiasmo, assumindo o novo compromisso e caminhada. Esse homem (Bolsonaro) é aquele que foi atacado permanentemente, mas conseguiu entregar o que nunca fizeram”, disse Roma no palco, ao lado de Jair Bolsonaro (PL). O ministro deixou o Republicanos para disputar a vaga no governo da Bahia. Valdemar Costa Neto anunciou que a partir de amanhã os interessados da sociedade civil que se interessem na filiação poderão fazer pelo site do partido.
MANIFESTAÇÃO PRÓ-LULA
Centenas de pessoas se encontraram na manhã de ontem no Centro de Belo Horizonte para manifestar em favor da eleição do ex-presidente Lula mais uma vez para presidente da República. O ato foi convocado por aplicativos de mensagem, pedindo sigilo para não estragar a surpresa, inclusive recomendando que os participantes não usassem roupas vermelhas ou com símbolos em referência ao Partido dos Trabalhadores (PT) ou a Lula. O grupo primeiro lotou os corredores do Mercado Central, onde os seguranças tentaram impedir a manifestação, mas sem sucesso. Depois, os manifestantes saíram pela Avenida Augusto de Lima e ocuparam a praça Raul Soares. Na praça (foto), a intenção era abrir um bandeirão com os dizeres “Lula presidente do Brasil”, mas o responsável por levar a peça acabou não chegando. Uma faixa de “Fora, Bolsonaro” foi aberta. O trompetista Fabiano Leitão puxou o coro de “olê, olê, olê, olá, Lula”, e “Brasil, urgente, Lula presidente”. A reunião em BH é o lançamento dos Lulaços que a partir de agora devem ocorrer em diversas partes do país, como já aconteceu em outros anos eleitorais. Por volta das 11h30, o ato foi encerrado.