A viúva do ex-policial militar Adriano da Nóbrega, Júlia Lotufo, afirmou que o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) manteve a ex-mulher de Adriano como funcionária fantasma do gabinete dele na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), quando o parlamentar ainda era deputado estadual. A declaração, feita em 2019 a uma amiga de Júlia, foi captada pela Polícia Civil do RJ.
Na conversa obtida pela Folha, Júlia fala com a amiga do casal, a veterinária Juliana Rocha, sobre queixas da ex-mulher de Adriano, Danielle Mendonça da Nóbrega, acerca das investigações do caso da “rachadinha” no antigo gabinete de Flávio. A conversa ocorreu em julho de 2019, quando Adriano estava foragido e a PCRJ investigava a estrutura que auxiliava o ex-PM na fuga, no âmbito da Operação Gárgula.
“Aí vem a Danielle e dá ataque que bateram na porta da casa dela e ela não está mais casada com ele. Ahn, mas e aí? Não estava levando dinheiro lá? Não quer que bata na porta dela? Errado seria se ela tivesse fodida, sem ganhar R$ 1. Ela sabia muito bem qual era o esquema. Ela não aceitou? Agora é as consequências do que ela aceitou”, disse a viúva de Adriano.
Júlia, inclusive, chega a falar o valor que a mulher embolsava por mês pelo esquema de corrupção e usou o termo “funcionária fantasma” para classificar o caso. “Ela foi nomeada por 11 anos. Onze anos levando dinheiro, R$ 10 mil por mês para o bolso dela. E agora ela não quer que ninguém fale no nome dela? [...] Bateram na casa dela porque a funcionária fantasma era ela, não era eu”, declarou à Juliana.
Adriano de Nóbrega ficou foragido de janeiro de 2019 a fevereiro de 2020, após se tornar alvo da Operação Intocáveis, deflagrada em janeiro daquele ano, para prender acusados de integrar milícia que atuava com grilagem de terra, agiotagem e pagamento de propina em duas comunidades de Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio. Ele era considerado um dos chefes do grupo e foi o único foragido da operação.
Na época, ele também era investigado por estar envolvido no suposto esquema de "rachadinha" de Flávio Bolsonaro. Danielle e a mãe do ex-PM foram apontadas como funcionárias fantasmas do filho do presidente Bolsonaro.
A ex-mulher foi denunciada em dezembro de 2020 no caso, mas as provas da investigação foram anuladas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em novembro de 2021. A Corte entendeu que o juiz que comandou o caso, da 27ª Vara Criminal do Rio, não tinha poderes para investigar Flávio.
Na ligação com a amiga, Júlia diz que Danielle culpava Adriano por ser alvo da operação, mas a viúva afirma que ela é culpada por aceitar o esquema. “Ela [fala]: ‘Ai, eu faço tudo na minha vida para viver direito e o Adriano tem essa vida errada que eu não escolhi’. Se eu fosse ela, a minha vida direita: ‘Olha só, Adriano. Não é direito eu estar num gabinete sem trabalhar. Não quero mais participar disso, não’. Mas estava entrando R$ 10 mil na conta dela. Ela não ia falar isso, né?”, criticou à amiga. Danielle esteve empregada no gabinete entre setembro de 2007 a novembro de 2018.
A ligação de Danielle como funcionária fantasma já tinha sido comprovada em outra investigação. Durante a Operação Intocáveis, em janeiro de 2019, a polícia encontrou mensagens no celular de Danielle, apreendido, que comprovava que ela estava envolvida no suposto esquema de corrupção no gabinete de Flávio Bolsonaro, liderado por Fabrício Queiroz.
A uma amiga, Danielle disse que “já vinha um tempo muito incomodada com a origem desse $ [dinheiro] na minha vida”. Quando foi exonerada, em novembro de 2018, Danielle reclamou para Adriano sobre a perda do “emprego”. Em resposta, Adriano afirma que “contava com o que vinha do seu tmbm [também]”. Para o Ministério Público, a frase mostra que o ex-PM também ficava com parte do salário dela.
As mensagens não se incluem na anulação do STJ, porque foram captadas em outra operação. A conversa entre Julia e Juliana também podem ser utilizadas na investigação contra Flávio, desde que haja solicitação para compartilhamento de provas, mas o pedido não foi feito até o momento.
O que dizem as partes
A assessoria do senador Flávio Bolsonaro afirmou, em nota, que nunca existiu funcionário fantasma ou “rachadinha” em seu gabinete. “Até onde o parlamentar tem conhecimento, todos que faziam parte da equipe trabalhavam de acordo com as regras e determinações da Assembleia. Importante lembrar que esse caso já foi debatido e superado na Justiça, sendo totalmente arquivado”, afirma a nota.
O Correio não conseguiu contato com a defesa de Danielle ou Júlia.