Sessões do Superior Tribunal Militar entre 1975 e 1985 revelam denúncias de tortura durante a ditadura no Brasil, de acordo com áudios inéditos analisados pelo historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Os áudios foram revelados com exclusividade pelo blog da Miriam Leitão, no jornal O Globo. A jornalista foi vítima de tortura durante o período ditatorial no Brasil.
Em um dos trechos, o ministro Waldemar Torres da Costa debate o tema durante sessão. "Quando as torturas são alegadas e, às vezes, impossíveis de ser provadas, mas atribuídas a autoridades policiais, eu confesso que começo a acreditar nessas torturas porque já há precedente."
No dia 24 de junho de 1977, o general Rodrigo Octávio Jordão Ramos fala: “Fato mais grave suscita exame, quando alguns réus trazem aos autos acusações referentes a tortura e sevícias das mais requintadas, inclusive provocando que uma das acusadas, Nádia Lúcia do Nascimento, abortasse após sofrer castigos físicos no Codi-DOI.”
O militar, então, relata que o aborto foi provocado por “choques elétricos no aparelho genital”. Em seguida, Ramos lê o que disse Nádia. “Deseja ainda esclarecer que estava grávida de três meses, ao ser presa, tinha receio de perder o filho, o que veio a acontecer no dia 7 de abril de 1974.”
O general Rodrigo Octávio continua, no mesmo dia, a falar de torturas em grávidas. “Lícia Lúcia Duarte da Silveira desejava acrescentar que quando esteve presa na Oban foi torturada, apesar de grávida, física e psicologicamente, tendo que presenciar as torturas infligidas a seu marido”, disse.
No dia 19 de outubro de 1976, o almirante Julio de Sá Bierrenbach afirma que as denúncias de sevícias atingem a imagem do Brasil no exterior: “São um verdadeiro prato para os inimigos do regime”. Elogia a repressão, rende homenagem à Oban — Operação Bandeirante, braço da tortura em São Paulo —, mas conclui, “o que não podemos admitir é que o homem, depois de preso, tenha a sua integridade física atingida por indivíduos covardes”. Ele qualifica os torturadores como “sádicos” e diz que “já é hora de acabar de uma vez por todas com os métodos adotados por certos setores policiais”.
Pesquisa
O historiador Carlos Fico, titular de História do Brasil da UFRJ, explica que o Superior Tribunal Militar passou a gravar as sessões a partir de 1975, mesmo as secretas.
“Até 1985 são 10 mil horas. Em 2006, o advogado Fernando Augusto Fernandes pediu acesso. Não conseguiu. Foi ao Supremo (Tribunal Federal), que mandou liberar. O STM não obedeceu. Em 2011, a ministra Cármen Lúcia determinou o acesso irrestrito aos autos. O plenário acompanhou a ministra. Em 2015, as centenas de fitas de rolo foram digitalizadas. Fernandes analisou apenas 54 sessões. Em 2017, consegui copiar a totalidade das sessões. Aprimorei o áudio e passei a ouvir”, conta o pesquisador.