O presidente Jair Bolsonaro (PL) assinou ontem um decreto que concede o indulto individual ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 8 anos e 9 meses de prisão. Por 10 votos a um, a corte responsabilizou o deputado bolsonarista, na noite da última quarta-feira, por estimular atos antidemocráticos e incitar ataques a integrantes do Supremo. Na tarde de ontem, menos de 24 horas após o STF finalizar o julgamento, Bolsonaro fez a leitura do decreto durante transmissão ao vivo pelas redes sociais. O presidente disse que daria uma “notícia de extrema importância” durante a live, e que estava trabalhando no decreto desde a noite de quarta-feira, quando foi anunciada a condenação do deputado.
O decreto foi publicado em edição extra do Diário Oficial da União minutos após a transmissão. A publicação diz que a decisão “é incondicionada e será concedida independentemente do trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. O termo “trânsito em julgado” é usado quando não há mais possibilidade de recursos em um processo, o que torna a decisão judicial definitiva.
O perdão da pena pode ser concedido pelo presidente da República por meio de decreto, conforme prevê o artigo 84, XII, da Constituição. Porém, existem três institutos que extinguem a punibilidade: a anistia, o indulto e a graça, conforme previsão do artigo 107, II, do Código Penal. Na prática, isso significa que o crime cometido pela pessoa não é passível de punição. A anistia, habitualmente, ocorre por meio de lei ordinária, ou seja, deve passar pelo Congresso Nacional, está ligada a fatos específicos e tem cunho político, como a concedida após o regime militar no Brasil.
Para que ela seja concedida, podem ser impostas algumas condições (anistia condicionada). Seu efeito é retroativo, apagando todos os efeitos criminais. Assim, uma vez concedida, o juiz, de ofício, a requerimento do interessado ou do Ministério Público (MP), por proposta da autoridade administrativa ou do Conselho Penitenciário, declarará extinta a punibilidade.
A graça é concedida individualmente a uma pessoa específica; já o indulto é concedido de maneira coletiva a fatos determinados pelo presidente da República. A graça, modernamente conhecida como indulto individual, poderá ser provocada por petição do condenado, pelo MP, conselho penitenciário ou autoridade administrativa. O indulto coletivo, ou simplesmente indulto, é, normalmente, concedido anualmente pelo presidente, por meio de decreto, sendo conhecido como indulto de Natal. Portanto, o perdão anunciado por Bolsonaro para beneficiar Daniel Silveira é a graça.
“Considerando que a sociedade encontra-se em legítima comoção, em vista da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de opinião deferida pela Constituição, que somente fez uso de sua liberdade de expressão, decreto: fica concedida graça constitucional a Daniel Lucio da Silveira, deputado federal, condenado pelo Supremo Tribunal Federal, em 20 de abril de 2022, no âmbito da Ação Penal 1.044, à pena de oito anos e nove meses de reclusão", diz o texto assinado por Bolsonaro.
Bolsonaristas
O indulto individual concedido por Bolsonaro ao deputado Daniel Silveira provocou diversas reações no meio político, tanto de governistas quanto da oposição. Se por um lado a oposição apontou inconstitucionalidade no ato, deputados bolsonaristas comemoraram a decisão do presidente. A deputada governista Carla Zambelli (PL-SP) comemorou a decisão de Bolsonaro. “Jesus seja louvado! Agradeço a vida do nosso presidente Jair Bolsonaro”, escreveu pelo Twitter. Filho do presidente, Eduardo Bolsonaro (PL-SP) seguiu o mesmo tom. “Quem diria que um militar daria aula de Estado democrático de direito”, tuitou.
A deputada federal Alê Silva (Republicanos-MG) comemorou a decisão pelo Twitter, onde escreveu que Daniel Silveira “já pode dar uma bicuda e mandar aquela tornozeleira longe”. O deputado teve que usar tornozeleira eletrônica após ser preso em fevereiro de 2021. Em março deste ano, quando o ministro do STF Alexandre de Moraes decidiu que Siqueira deveria voltar a usar o item, o deputado bolsonarista chegou a dormir na Câmara dos Deputados para evitar que a Polícia Federal colocasse a tornozeleira eletrônica nele. A deputada Bia Kicis (PL-DF) considerou a indulto uma "grande atitude". "Chefe de Estado e da Nação, Bolsonaro tem sido o maior guardião das nossas liberdades, da democracia e da Constituição", escreveu.
Oposição
Para deputados federais e senadores da oposição, o ato do presidente Bolsonaro fere a Constituição Federal. Na noite de ontem, o líder da oposição no Senado Federal, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), criticou a decisão do presidente e afirmou que vai ao Supremo com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). O senador afirmou ainda que o presidente da República quer colocar fogo no Brasil ao decretar graça a Daniel Silveira e afirmou que ele foi condenado a 8 anos e 9 meses por atentar contra a democracia.
“Daniel Silveira foi condenado por tentar impedir o livre funcionamento dos Poderes. O que o presidente da República faz? Usa um dos Poderes para perdoar o criminoso. A missão de Bolsonaro e do bolsonarismo é esculhambar a Constituição. Não permitiremos!!", publicou o senador.
O vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL), disse que o presidente se precipitou e terminou se atrapalhando. Por telefone, Ramos, que também é professor de direito constitucional, disse ao Estado de Minas que “esse decreto é absolutamente inconstitucional. Não existe decreto nem de indulto nem de graça para trânsito, para anular um processo em andamento”. “O indulto e a graça servem para anular a pena e o Daniel (Silveira) ainda não está cumprindo pena. A manifestação do presidente não tem como objetivo soltar o Daniel. Apenas questionar o Judiciário e mobilizar a tropa e desviar o Brasil dos temas que importam aos quais não tem respostas para dar”, afirmou.
Condenação
O ministro do STF Alexandre de Moraes é o relator do processo contra o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) e votou pela aplicação de pena de oito anos e nove meses de reclusão, inicialmente em regime fechado. Ele também propôs a perda do mandato e a suspensão dos direitos políticos enquanto durar o cumprimento da pena, além do pagamento de multa de R$ 192 mil. O magistrado foi acompanhado integralmente por oito ministros: Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux. Em voto duro, Moraes disse que liberdade de expressão não pode ser usada como “escudo protetor” para a prática de crimes ou ataques à democracia. “A liberdade de expressão existe para opiniões contraditórias, jocosas, sátiras, opiniões, inclusive errôneas, mas não para opiniões criminosas, imputações criminosas, discurso de ódio, atentado contra o Estado de direito e a democracia”, enfatizou.
Os motivos de Bolsonaro
O decreto relaciona seis justificativas para a concessão da graça
A prerrogativa presidencial para a concessão de indulto individual é medida fundamental à manutenção do Estado democrático de direito, inspirado em valores compartilhados por uma sociedade fraterna, justa e responsável;
A liberdade de expressão é pilar essencial da sociedade em todas as suas manifestações;
A concessão de indulto individual é medida constitucional discricionária excepcional, destinada à manutenção do mecanismo tradicional de freios e contrapesos na tripartição de poderes;
A concessão de indulto individual decorre de juízo íntegro baseado necessariamente nas hipóteses legais, políticas e moralmente cabíveis;
O presidente da República foi confiada democraticamente a missão de zelar pelo interesse público, e a sociedade encontra-se em legítima comoção, em vista da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de opinião deferida pela Constituição, que somente fez uso de sua liberdade de expressão.