O presidente Jair Bolsonaro (PL) abriu uma nova crise com o Supremo Tribunal Federal (STF). Na noite de quinta-feira (21/4), ele concedeu uma "graça constitucional" ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado, na véspera, a mais de oito anos de prisão e à cassação de mandato pela Corte. A decisão pegou de surpresa magistrados do STF que avaliam se terão de julgar o decreto do chefe do Executivo, segundo fontes.
O presidente anunciou o perdão aos crimes de Silveira em uma transmissão ao vivo nas redes sociais. O ato foi publicado em edição extra do Diário Oficial da União. "Um decreto que vai ser cumprido", disse Bolsonaro. "É uma notícia de extrema importância para a nossa democracia e a nossa liberdade. É um documento que eu comecei a trabalhar desde ontem, quando foi anunciada a prisão de 8 anos e 9 meses ao deputado federal Daniel Silveira", afirmou.
Bolsonaro se apoiou no artigo 84, inciso XII, da Constituição Federal, que prevê: "Na graça, o presidente da República pode perdoar o condenado da totalidade da pena ou somente efetivar a comutação reduzindo-a em parcela fixa ou proporcional fixando a pena que ainda deva ser concretamente cumprida pelo condenado".
No entanto, o fato do caso ainda não ser considerado transitado em julgado é o que põe em xeque a constitucionalidade do decreto do presidente, pois a própria lei diz que a ação precisa ser encerrada para que a graça seja concedida.
A graça extingue a punibilidade, mas não alcança os demais efeitos da condenação criminal. "O indulto é um decreto presidencial que, ao contrário da anistia, não anula a condenação. Anula a necessidade do cumprimento da pena", explica Fernando Neisser, doutor em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP).
A situação é considerada inédita, por se tratar do perdão presidencial concedido a uma pessoa específica que acabou de ser condenada pela Corte. "Esse decreto é ilegal e cabe ao Supremo anular", conclui Neisser.
Porém, há quem discorde. O ex-ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU) Fábio Médio Osório defendeu que não há indícios de inconstitucionalidade por parte do presidente.
"Está exercendo um ato constitucional e previsto nos instrumentos de um Estado Democrático de Direito", argumenta. "Concedida pelo presidente da República por meio de decreto presidencial, a graça é um benefício constitucional que se traduz numa forma de extinção de punibilidade. A graça é concedida individualmente, como competência do Chefe Executivo por meio do Decreto", afirmou.
Aceno político
Ao conceder perdão ao deputado Daniel Silveira, Jair Bolsonaro provoca nova instabilidade entre os Poderes. Com a sinalização para a base mais radical, o presidente demonstra disposição em brigar com o Judiciário para garantir a reeleição no pleito deste ano.
Na avaliação do cientista político Leonardo Queiroz Leite, doutor em administração pública e governo pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), o ato de Bolsonaro reforça a relação conflituosa instalada na Praça dos Três Poderes.
"O Supremo é uma espécie de inimigo para o bolsonarismo. E isso é grave, do ponto de vista democrático, porque o STF é o guardião da Constituição, da liberdade democrática", aponta Leite.
Os bolsonaristas têm uma visão oposta. Filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) ironizou. "Quem diria que um militar daria aula de Estado Democrático de Direito", tuitou. A deputada federal Alê Silva (Republicanos-MG), por sua vez, escreveu que Daniel Silveira "já pode dar uma bicuda e mandar aquela tornozeleira longe".
O STF decidiu condenar Silveira, na última quarta-feira, por estimular atos antidemocráticos e ameaçar instituições. Relator do processo, o ministro Alexandre de Moraes votou pela aplicação de pena de oito anos e nove meses de reclusão, inicialmente, em regime fechado para o réu. Ele foi acompanhado por nove integrantes da Corte.
Moraes também propôs a perda do mandato e a suspensão dos direitos políticos enquanto durar o cumprimento da pena, além do pagamento de multa fixada em R$ 192 mil com correções monetárias.
O primeiro efeito da condenação é a inelegibilidade. Ela será reconhecida judicialmente quando Daniel Silveira pedir registro de uma candidatura.
Aliado do chefe do Executivo e dos filhos do presidente, o parlamentar é acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de coação no curso do processo, incitação à animosidade entre as Forças Armadas e o STF, e tentativa de impedir o livre exercício dos poderes da União.
O que diz a lei
A graça, um tipo de indulto individual, é prerrogativa do chefe do Poder Executivo e está prevista na Constituição Federal de 1988. Segundo o inciso XII do artigo 84, é de competência do presidente da República "conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei". No entanto, a concessão de indultos não é ilimitada: são considerados crimes "insuscetíveis de graça ou anistia" a prática de tortura, tráfico de drogas, terrorismo e demais crimes definidos como hediondos. No decreto que concede perdão a Daniel Silveira, Bolsonaro fez uso do artigo 734 do Código de Processo Penal (CPP), que trata da concessão de graça, indulto, anistia e da reabilitação. O trecho diz que o presidente da República possui a faculdade de concedê-la espontaneamente "a qualquer pessoa do povo".