Jornal Estado de Minas

Poderes

Com aval da ala militar do governo


A decisão de baixar decreto para conceder perdão ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) foi fruto de uma escolha do próprio presidente Jair Bolsonaro (PL), que ouviu apenas seus auxiliares mais próximos, ligados ao núcleo bolsonarista do Palácio do Planalto, incluindo assessores militares. O núcleo político do Centrão, coordenado pelo ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), não foi consultado. Segundo fontes ouvidas pelo Estado de Minas, o indulto foi uma resposta do presidente ao que considera “excessos e erros” do Supremo Tribunal Federal. E abre mais uma frente de embate com o Poder Judiciário, gesto que agrada à base de eleitores de Bolsonaro.





De acordo com essas mesmas fontes, sempre que o presidente Bolsonaro tem a opção de confrontar o Judiciário ele parte para esse caminho. Desta vez, com forte apoio da ala militar – representada pelo general Braga Neto – e subsidiado pelo ministro da Justiça, Anderson Torres, e o advogado-geral da União, Bruno Bianco. Mas não se fala, no Planalto, em ruptura institucional.

“O Supremo é que vai ser o causador da crise institucional, a graça está prevista na Constituição, em vários países é assim”, disse uma dessas fontes. E argumenta que o presidente cumpriu seu papel, dentro dos limites constitucionais, para conter o que considerou “um erro” do Supremo: “Isso faz parte do sistema de freios e contrapesos do Estado democrático, o STF julgou errado, o presidente concede a graça”. Apesar de não terem sido consultadas, as principais lideranças do PP e do PL – os maiores partidos da base do governo –apoiaram a edição do decreto de graça a Daniel Silveira.

O deputado Daniel Silveira foi condenado pela corte por ataques à democracia e ameaças a ministros do Supremo e instituições. Por 10 x 1, o Plenário sentenciou o parlamentar a 8 anos e 9 meses de prisão em regime fechado, perda do mandato e dos direitos políticos e multa de R$ 200 mil. A decisão provocou reações não apenas no seio do bolsonarismo, como também na ala militar palaciana, que acumula críticas à atuação do STF e vincula algumas decisões judiciais contrárias aos interesses do governo a um suposto ativismo político dos ministros da corte.





“Não” a Temer 


Do ponto de vista eleitoral, manter a crise entre os Poderes em temperatura elevada interessa a Bolsonaro, que alimenta sua base ideológica, seus apoiadores nas redes sociais e, ao mesmo tempo, afaga a ala militar, independentemente dos desdobramentos do caso. Se o Supremo reconhecer o poder discricionário do presidente, ele terá enviado aos seus seguidores a mensagem de que há proteção institucional para a disseminação da ideologia bolsonarista. Se o decreto for suspenso, acirrará a tensão entre o Planalto e o STF, o que também interessa ao presidente fomentar.

Bolsonaro articula uma chapa à re- eleição com um militar para vice-presidente, que pode ser o general Braga Neto, ex-ministro da Casa Civil e atual assessor direto do presidente no Planalto. O general é uma das vozes mais contundentes contra decisões do Supremo e, em diversas ocasiões, defendeu o “poder moderador” das Forças Armadas. Também se envolveu em embates públicos com ministros da corte ao sugerir que as eleições de outubro poderiam “não ocorrer” caso o voto impresso não fosse aprovado.

Com a escalada da crise, o ex-presidente Michel Temer propôs a Bolsonaro que “revogue por ora o decreto e aguarde a conclusão do julgamento”. Em nota divulgada ontem, Temer argumenta que, “somente depois disso o presidente poderá, de acordo com a Constituição Federal, eventualmente, utilizar-se do instrumento da graça ou do indulto”. Para o ex-presidente, “este ato poderá pacificar as relações institucionais e estabelecer um ambiente de tranquilidade na nossa sociedade. Neste entretempo, poderá haver diálogo entre os Poderes. O momento pede cautela, diálogo e espírito público”.





Só que, diferentemente de 2021, quando aceitou conselhos do ex-presidente para superar mais uma crise envolvendo militares e o Supremo, Bolsonaro rejeitou a sugestão de Temer de forma telegráfica, via redes sociais: “Não”, postou o presidente.

No 7 de Setembro do ano passado, depois da reação política aos discursos golpistas que fez em palanques para comemorar a data, Bolsonaro se aconselhou com Temer, que conseguiu baixar a temperatura política ao convencê-lo a escrever uma carta declarando que não pretendia “agredir quaisquer dos Poderes” e que as declarações decorreram “do calor do momento”.

Ontem, nem o Palácio do Planalto nem o Supremo Tribunal Federal se pronunciaram oficialmente sobre a polêmica edição do decreto de indulto. “A hora é de fazer cálculos, estudar o movimento. É o silêncio que antecede a tempestade”, disse um assessor palaciano, prenunciando mais turbulência pela frente.