Os movimentos rurais querem criar uma bancada no Congresso em 2023, nos moldes da "Bancada do Cocar" almejada pelos indígenas. A crise econômica e a má gestão do governo Bolsonaro levaram a uma maior mobilização desses grupos. E agora eles pretendem atuar de forma direta nas eleições, elegendo candidatos e participando da elaboração dos planos de governo.
Segundo Alexandre Conceição, que integra a Direção Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), é a primeira vez que a entidade participa de forma organizada das eleições. Nos anos anteriores, os candidatos foram decididos localmente, sem uma decisão central do MST.
"O diferencial é essa entrada mais organizada, por conta da crise e da falta de representação no Congresso hoje", afirma Alexandre. Segundo ele, a atuação do movimento durante a pandemia, com a distribuição de alimentos, colocou as lideranças políticas do MST em destaque e atraiu pedidos de partidos e do próprio ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para que dirigentes do movimento participem das eleições.
Atualmente, o movimento tem três representantes na Câmara: Valmir Assunção, João Daniel e Marcon, todos do PT. O objetivo, segundo Alexandre, é dobrar a representação com Rosa Amorim, por Pernambuco; Ruth Venceremos, pelo Distrito Federal; e Gilvânia Ferreira, pelo Maranhão. Todos concorrerão pelo PT. "Nós queremos construir uma bancada da agricultura familiar, dos povos indígenas, dos ribeirinhos, que possa debater sobretudo a soberania nacional do país, a produção de alimentos saudáveis, a reforma agrária", diz Alexandre.
"O Brasil não resiste mais a um desgoverno, que não deu garantia, que tirou o poder de compra não só da agricultura familiar, mas também dos trabalhadores", disse a coordenadora-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar no Brasil (Contraf), Josana Lima. "Nós temos muita disposição nesse processo de reconstruir a pauta. A zona rural precisa ser conhecida como um espaço que tem vida, um espaço que tem pessoas", continua.
Josana afirma que os agricultores familiares foram os mais atingidos pela pandemia, e tiveram grande dificuldade ao ficar isolados em suas comunidades e não conseguirem inserção com qualidade no ensino on-line para os mais jovens. Segundo ela, as dificuldades e os desmontes dos últimos anos fizeram a categoria se mobilizar mais nesta eleição.
"Está muito claro na nossa base que as eleições de 2022 serão diferenciadas. E isso começou na disputa passada para prefeito", afirma Josana. A categoria está buscando montar bancadas agora para as assembleias legislativas estaduais e também para o Congresso. O entendimento é que não adianta eleger um presidente alinhado com os interesses dos agricultores familiares, se não houver representantes no Legislativo para alterar a legislação.
Demandas e propostas
Já a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) ainda não definiu quais candidatos vai apoiar, mas concorda que o governo Bolsonaro foi extremamente prejudicial para a categoria. "Os agricultores e as agricultoras familiares estão cada vez mais atentos às propostas em debate nestas eleições, exatamente pelo cenário de pandemia e, sobretudo, da inflação, do desemprego, do aumento do preço dos combustíveis, das tarifas de energia e dos custos de produção", disse o presidente da Contag, Aristides Santos.
No momento, a atuação da Contag ocorre no diálogo com os agricultores familiares para entender quais são as demandas e propostas que podem beneficiar a categoria. Com essas informações, a confederação vai preparar uma Plataforma da Agricultura Familiar para apresentar aos candidatos ao Planalto, além de pautar também os governos estaduais e municipais.
Para o professor de ciência política da UnB David Fleischer, os movimentos rurais costumam ter força nas eleições locais, mas isso varia muito de acordo com a região. "Em alguns estados, eles têm mais eleitores; em outros, menos. A estratégia é tentar eleger principalmente deputados estaduais, talvez algum deputado federal. Porém, na eleição presidencial, eles não têm tanto peso, não", afirma.
Fleischer avalia que o atual governo, por desmontar as políticas sociais e pela má gestão da pandemia, levou a uma maior mobilização dos movimentos sociais no geral, incluindo rurais.
Demandas
Principais pontos para 2022, segundo os movimentos rurais
Preocupação com a situação econômica: alta inflação e fome;
Falta de medidas para mitigar a estiagem no Sul e as enchentes no Sudeste e no Nordeste;
Paralisação da reforma agrária;
Desestruturação dos serviços do INSS;
Falta de recursos para a equalização do crédito rural e para o Plano Safra;
Condição precária da saúde na zona rural;
Filas longas para a Previdência Social e para o Auxílio Doença;
Aumento da produção de alimentos
Frase
A estratégia é tentar eleger principalmente deputados estaduais, talvez algum deputado federal. Porém, na eleição presidencial, eles não têm tanto peso, não"
David Fleischer, cientista político