Jornal Estado de Minas

ELEIÇÕES 2022

Corrida para tirar o título de eleitor

Isadora Luíza Ferreira de Souza tem 15 anos e, até dois meses atrás, vivia em Monsenhor Horta, distrito de Mariana, em Minas Gerais. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a região tem 1.740 habitantes, na qual 889 são mulheres. A cidade é parte da história do Brasil, mas hoje não é a mais badalada do circuito histórico mineiro.



Considerada área rural de Mariana, a maioria de seus moradores ganha a vida pela atividade agrícola. Foi nesse contexto que Isadora cresceu. A menina, que é apaixonada pelo estudo da história, quando soube que a lei permitia – mesmo sem os 16 anos completos – antecipar a retirada do título de eleitor, fez questão de realizar o processo.

"Você está vendo que a história está se repetindo ao longo do tempo. Nós, jovens, somos os que podemos mudar, porque uma pessoa mais velha já tem a concepção de mundo feita. Desde que eu era mais nova tinha interesse em ter a minha voz e fazer minhas próprias escolhas. Sempre fui uma criança que assistia ao jornal e gostava de acompanhar a política. Assim que descobri que poderia tirar o título, já quis. Falei com os meus pais e não pedi, só avisei que ia tirar. Meu pai me sugeriu tirar depois, mas eu expliquei que tento me conscientizar o máximo que posso e por isso fazia questão", comentou.



Decidida, Isadora foi com a mãe até o cartório eleitoral. "Ao mesmo tempo em que tenho um pai machista, tenho uma mãe muito empoderada, que vai contra tudo isso. Então, desde o início me apoiou e foi comigo tirar o título. Minha mãe me ensinou que não se deve votar nulo e branco, pelo fato de que foi muito difícil, principalmente para nós, mulheres, termos direito de tirar o voto direto", explicou. Isadora detalhou a sensação que teve ao ter o documento em mãos. "Cresci como cidadã. Foi uma sensação incrível", revelou.





Isadora se informou pelo estudo, mas também foi estimulada pelas informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A campanha do órgão para estimular o alistamento de eleitores de 15 a 17 anos surtiu efeito. Só nos primeiros três meses deste ano, 1,1 milhão de adolescentes se cadastraram para participar do pleito de outubro. O número é bem maior que o registrado no primeiro trimestre de 2018, ano das últimas eleições presidenciais, quando 877 mil jovens procuraram a Justiça Eleitoral para garantir o direito de voto – um aumento de 25,4%.

No mês passado, o TSE promoveu a Semana do Jovem Eleitor, para conscientizar o público da importância de participar do processo de escolha dos representantes. Somente em 24 e 25 de março foram emitidos mais de 90 mil títulos para quem tem menos de 18 anos.

Artistas e influenciadores 

Cientistas políticos apontam outro fator para explicar o aumento do interesse dos jovens: a campanha do TSE ganhou a adesão espontânea de artistas e influenciadores digitais, como a cantora Anitta. Mais próximos do diálogo com essa parcela da sociedade, eles ajudaram a reforçar a mensagem da importância do voto para a solução dos problemas do país, em um ambiente democrático.





''O meu papel é o de mudar o que está acontecendo para as próximas gerações, igual meus ancestrais fizeram. E eles tentaram o máximo possível resistir para existir'' - Carol Yoki Pataxó, jovem índia (foto: TSE/Divulgação)

Entre os jovens eleitores contabilizados pelo TSE está Anabel Almeida, de 17, estudante da unidade pública de ensino do Recanto das Emas, no Distrito Federal. No último ano do ensino médio, ela diz que foi incentivada a tirar o título. "Acho importante os jovens fazerem esse movimento para contribuir com a democracia brasileira. Também fiz o título porque quero ajudar a tirar o Bolsonaro do poder. Se todos os adolescentes que eu conheço votassem contra ele, eu tenho certeza de que já seria uma grande ajuda”, declarou.

Débora Messenberg, socióloga e professora da Universidade de Brasília (UnB), observa que essa dificuldade inicial de incluir o jovem e fazer com que ele tenha iniciativa em relação à vida pública pode vir de um sentimento coletivo de desinteresse da sociedade à política institucional. Portanto, ela defende que o estímulo à educação política deve começar desde a infância, por uma perspectiva de ação coletiva.

"Primeiro, é preciso desmistificar que a política é algo ruim ou algo externo a nós e esclarecer que a política a gente faz diariamente, seja percebendo isso, seja não percebendo. E, de outra forma, mostrar que é importante essa participação ativa na vida pública. Por isso, quanto mais cedo, melhor. Eu acredito que esteja com os jovens a perspectiva de mudança social, porque são eles que ainda trazem o espírito e o desejo da transformação", complementou.




Recado para futuras gerações

Carol Yoki Pataxó tem 18 anos e é nativa do povo pataxó, localizado em Minas Gerais. Ela comentou que não pesquisa sobre temas políticos, também acha que são poucas as pessoas que explicam sobre o assunto. Mas, com a ascensão do presidente Jair Bolsonaro (PL), a cada declaração do presidente dirigida aos povos indígenas ela passou a entender a importância de estar inserida nesse ambiente. "Eu decidi (tirar o título) porque eu vejo que tem muita coisa acontecendo que eu não concordo. Acho que eu deveria participar desses governos, de quem está comandando o meu país, porque, como eu sou nativa, eu acho que tenho que ter alguma influência no que vão fazer no meu território, nas minhas florestas, em tudo”, compartilhou.

“O meu papel é o de mudar o que está acontecendo para as próximas gerações, igual meus ancestrais fizeram. E eles tentaram o máximo possível resistir para existir. Tentaram mudar o que estava acontecendo, não deu muito certo. Ainda assim, eles tentaram e eu vou tentar fazer isso agora: mudar o nosso futuro para as próximas gerações. Eu acho que o voto vai mudar muita coisa sim”, definiu.

Débora Messenberg alertou, no entanto, que apesar de os jovens terem uma posição política mais clara, eles ainda se interessam e se alinham a movimentos sociais mais específicos de seu interesse, por isso esse pode ser, no geral, um voto difuso. “Os jovens particularmente têm uma posição mais clara. Pelo menos as pesquisas indicam um maior descrédito em consideração do governo Jair Bolsonaro como ruim e péssimo. E também é fácil entender a rejeição à própria política do governo em relação ao Ministério da Educação e mesmo na condução da pandemia. Então, nesse sentido, eles são muito disputados pela oposição para que eles (jovens) antes de mais nada se cadastrem e efetivamente se tornem uma massa de votos contra o governo", conjecturou.

No balanço do mês de março, o aumento de registros do TSE para a faixa etária entre 16 e 17 anos foi 45% maior do que a quantidade de alistamentos de fevereiro: de 200 mil para 290 mil. Caso abril repita os números do mesmo mês de 2018, quando houve 290 mil novos registros, as próximas eleições poderão ter mais de 2 milhões de jovens aptos a votar. Um número que não vai ser ignorado por partidos e candidatos, mas ainda é distante dos 2,5 milhões de adolescentes inscritos na Justiça Eleitoral uma década atrás, em 2012.