O prefeito Kalid Nedir Maikel (PSB), de Ladainha, no Vale do Mucuri, virou alvo de uma ação popular por ter abastecido os carros da administração municipal no posto que é propriedade do seu filho, Kalid Nedir Maikel Filho. De acordo com o advogado e especialista em direito público Sebastião Martins Cardoso, autor da ação, a prefeitura assinou contratos de R$ 4,2 milhões com o posto para abastecer a frota em 2021 e este ano.
Segundo ele, a Lei Orgânica do Município veda contratos de prestação de serviço entre a prefeitura e gestores da administração pública, incluindo pessoas a eles ligadas até o terceiro grau de parentesco. A ação tramita na Segunda Vara Cível da comarca de Teófilo Otoni desde abril. O Ministério Público de Contas do Estado de Minas Gerais (MPCMG) também está apurando o caso.
Segundo ele, a Lei Orgânica do Município veda contratos de prestação de serviço entre a prefeitura e gestores da administração pública, incluindo pessoas a eles ligadas até o terceiro grau de parentesco. A ação tramita na Segunda Vara Cível da comarca de Teófilo Otoni desde abril. O Ministério Público de Contas do Estado de Minas Gerais (MPCMG) também está apurando o caso.
O posto Maikel Eireli estava em nome do prefeito antes das eleições de 2020, mas foi transferido para o filho, de 19 anos, em setembro daquele ano, pouco antes da sua vitória nas urnas. A informação consta em documento registrado na Junta Comercial do Estado de Minas Gerais (Jucemg), no qual também está registrado que pai e filho moram no mesmo endereço.
Empossado em janeiro de 2021, o prefeito deu início, em fevereiro, a uma licitação que visava “o registro dos preços para futura e eventual aquisição de combustíveis”. Com a vitória na concorrência, o posto do filho do prefeito passou então a abastecer toda a frota da administração.
Segundo o advogado Sebastião Cardoso, os valores dos lances disparados no pregão eletrônico de 2021 pelo posto em nome do filho do prefeito foram subfaturados com objetivo de forçar a eliminação do concorrente. No documento remetido à Justiça, o advogado pediu a quebra dos sigilos bancário e fiscal do prefeito e do filho. “Pedi a quebra de sigilos para mostrar que o dinheiro que entra nas contas do posto acaba indo para as contas de outras empresas do prefeito ou até mesmo do filho dele”, afirma o advogado em entrevista à reportagem.
O Estado de Minas entrou em contato por telefone e e-mail com a Prefeitura de Ladainha e com a advogada Gleice Santos Oliveira, responsável pela defesa do Executivo no âmbito processual. Até o fechamento da reportagem, o retorno não havia acontecido.
No entanto, após a publicação, o advogado do prefeito, André Santos Neiva, emitiu um comunicado negando qualquer ilegalidade. Leia no fim da reportagem.
O Estado de Minas entrou em contato por telefone e e-mail com a Prefeitura de Ladainha e com a advogada Gleice Santos Oliveira, responsável pela defesa do Executivo no âmbito processual. Até o fechamento da reportagem, o retorno não havia acontecido.
No entanto, após a publicação, o advogado do prefeito, André Santos Neiva, emitiu um comunicado negando qualquer ilegalidade. Leia no fim da reportagem.
Subfaturamento
A licitação para decidir quem iria fornecer combustível à prefeitura foi realizada na modalidade pregão eletrônico. As propostas foram recebidas pela prefeitura da cidade em 5 de fevereiro de 2021. Totalizando 35 lances virtuais, distribuídos entre dois competidores, a primeira oferta pelo litro da gasolina – por R$ 5,18 – foi lançada pelo Auto Posto Ladainha Ltda. Mas o menor lance, R$ 4,72, foi dado pelo posto Maikel Eireli.
Logo, o estabelecimento em nome do filho do prefeito firmou contrato com a prefeitura por R$ 1.322.350 para abastecer os veículos do Executivo pelo prazo de 12 meses. O terceiro licitante – Sociedade de Petróleo Arfla Ltda, em Teófilo Otoni – foi desclassificado pelo preenchimento incorreto das informações necessárias para dar o lance durante o pregão.
Logo, o estabelecimento em nome do filho do prefeito firmou contrato com a prefeitura por R$ 1.322.350 para abastecer os veículos do Executivo pelo prazo de 12 meses. O terceiro licitante – Sociedade de Petróleo Arfla Ltda, em Teófilo Otoni – foi desclassificado pelo preenchimento incorreto das informações necessárias para dar o lance durante o pregão.
Duas notas fiscais do Auto Posto Ladainha consultadas pela reportagem mostram que, em 17 de fevereiro de 2021, o estabelecimento obtinha a gasolina comum por R$ 4,73 o litro, considerando gastos com transporte. Durante sua participação no pregão eletrônico da prefeitura, o menor lance feito por ele foi de R$ 4,84. Contudo, o posto do prefeito arrematou por R$ 4,72 – oferecendo ao comprador, portanto, praticamente o preço de custo do concorrente, evidenciando assim, conforme o advogado, que os valores lançados no pregão eram “artificiais” com o objetivo de assegurar o fechamento do contrato entre o Executivo e o posto em nome do seu filho.
“Muito provavelmente o diesel também foi subfaturado e, por isso, vou requerer à Justiça uma perícia”, afirma Sebastião Cardoso, que também já atuou como procurador do município de Capelinha, no Vale do Jequitinhonha, entre janeiro e agosto de 2021.
Aumentos abusivos
Outra suposta irregularidade apontada na ação diz respeito aos prazos da licitação. Conforme a cláusula 10.2 do edital de concorrência pública checada pela reportagem, as propostas encaminhadas deveriam ter vigência mínima de 60 dias, contados da data da sessão de abertura da licitação, que, no caso, ocorreu em 5 de fevereiro de 2021. Porém, o primeiro aditivo contratual aconteceu em 10 de março, aumentando o preço da gasolina em R$ 0,99 – ou seja, quase R$ 1 por litro. No segundo aumento, em 4 de maio, o litro foi de R$ 5,71 para R$ 5,92.
“Eu pedi as notas fiscais do posto do prefeito (à prefeitura). Caso não receba, irei fazer a solicitação dos documentos via Justiça. Entretanto, não há condições de ele ter vendido o mesmo combustível tão mais barato que o outro estabelecimento. São postos de gasolina do mesmo porte. Caso os valores não tivessem sido subfaturados, não haveria necessidade de aumentar em praticamente um real o litro antes do prazo de 60 dias. Em nenhuma parte do país a gasolina subiu tanto (à época)”, analisa o advogado.
Já o óleo diesel comum, que foi contratado a R$ 4,08, no mesmo período passou a ser comercializado a R$ 4,33 após o primeiro aditivo. No segundo aumento, o preço do litro foi para R$ 4,78.
Outro contrato
Com o vencimento do contrato de 12 meses, o prefeito Kalid Nedir Maikel autorizou a realização de novo processo de licitação, em fevereiro de 2022, para aquisição de combustíveis. Novamente, o posto Maikel Eireli sagrou-se vencedor e fechou contrato com a prefeitura pelo valor inicial de R$ 2.892.322,30 – o que, novamente, conforme o advogado Sebastião Martins Cardoso, seria ilegal, tendo em vista que, como já citado, o artigo 92 da Lei Orgânica vedaria a participação da empresa por estar em nome do filho do prefeito. Na ocasião, nenhum outro posto tentou participar da concorrência.
Conflitos de interesse
As operações financeiras e licitatórias na Prefeitura de Ladainha também já chamaram a atenção do vereador Ruy Carlos Gomes Vieira (PSB) – atualmente secretário da Mesa Diretora do Legislativo. Em 2020, o parlamentar acionou o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCEMG) apontando irregularidades no processo licitatório de 2016.
Após apurações, o Ministério Público de Contas de Minas Gerais (MPCMG) emitiu um relatório, em 24 de fevereiro deste ano, fazendo diversas contestações, incluindo a licitação de 2021, da atual gestão. Segundo o órgão, os preços variaram em intervalos curtos de tempo entre junho e julho e depois entre setembro e outubro do ano passado.
“Os preços praticados na contratação do posto Maikel Eireli variaram constantemente e sem que houvesse reajuste formal. Dessa forma, não é possível verificar se manteve a margem de lucro do fornecedor e o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. A situação fica ainda mais grave em razão de o posto Maikel Eireli ser de propriedade do Sr. Kalid Nedir Maikel Filho, filho do Prefeito Municipal e ex-proprietário dessa mesma empresa, Sr. Kalid Nedir Maikel, tendo em vista o patente conflito de interesses existente”, afirma trecho do relatório do MP de contas do estado.
Em nota à reportagem do Estado de Minas, o MPCMG disse que “atualmente o processo está em fase de citação dos responsáveis, sendo que nenhuma defesa foi apresentada ainda”.
Advogado do prefeito se pronuncia
Após a publicação, o advogado do prefeito, André Santos Neiva, encaminhou um comunicado no qual diz “que tal situação já foi objeto de [outra] denúncia [anônima] junto ao Ministério Público de Minas Gerais, o qual entendeu não haver qualquer ato de ilegalidade e/ou improbidade na contratação do Posto Maikel”.
Ainda conforme o advogado, “a situação envolve uma questão pessoal do Dr. Sebastião Martins Cardoso contra a procuradora do município, a qual foi casada com ele e possui três filhos, inclusive medida protetiva em desfavor do mesmo, conforme afirmado pela própria em contestação e manifestação apresentadas pelo município no referido processo”.
“Ademais, deve-se esclarecer que o preço hoje pago pelo município, mesmo com os aumentos de mercado, são menores do que os praticados em 2020 pela gestão anterior no outro posto existente na cidade chamado Autoposto Ladainha”, acrescenta Neiva.
Embora o MP de Contas qualifique como “grave” o fato do posto Maikel Eireli ser de propriedade de Kalid Nedir Maikel Filho, o advogado destaca entendimento divergente por parte do MP mineiro ao arquivar o outro processo:
“(...) não há impedimento legal de participação em processo licitatório de empresa que possua entre seus sócios relação de parentesco com agente público, conforme o artigo 9º da Lei de Licitações, seja a de nº 8.666/93 (antiga), seja a nova legislação (Lei nº 14.133/2021), também no artigo 9º”, destaca trecho da decisão do MP , em 13 de agosto de 2021.
Sem dar detalhes, o advogado Sebastião Martins Cardoso, procurado novamente pela reportagem, confirma o pedido de uma medida protetiva contra ele feita pela procuradora do município Gleice Santos Oliveira.
“Fomos casados de 2011 a 2017, mas isso não tem qualquer relação com o fato objetivo aqui colocado. Estão tentando me desqualificar ao dizer que minha motivação é pessoal. Não gosto de expor minha vida, mas asseguro que essa medida não tem qualquer relação com episódios de violência ou ameaça”, afirma.