Brasília - O Judiciário brasileiro sofre com a alta demanda de processos que se acumulam nas mãos dos ministros. No Supremo Tribunal Federal (STF), há ações que correm desde antes da promulgação da Constituição, em 1988. O acervo da corte, atualmente, conta com 20.662 tramitações, de acordo com o Portal da Transparência do tribunal. No sistema, a matéria mais antiga é a Ação Cível Originária (ACO) 307, registrada em 19 de março de 1982. Os autos tratam dos limites territoriais entre Mato Grosso e Goiás. O primeiro relator do caso foi o ministro Cordeiro Guerra. A ministra Rosa Weber assumiu a ACO em 2012. No entanto, o processo ainda não foi incluído no calendário de julgamentos do STF.
Em setembro de 2020, a Suprema Corte julgou o processo mais demorado que já passou pela história do Judiciário. Ação, movida por ninguém menos que a Princesa Isabel de Orleans e Bragança, pedia a posse do Palácio da Guanabara, no Rio de Janeiro, onde, atualmente, funciona da sede do governo do estado. 124 anos depois, o STF impôs uma derrota à monarquia e decidiu que as dependências pertencem ao povo.
Dos mais de 20 mil processos no STF, 3.805 se concentram nas mãos do presidente da corte, Luiz Fux. Ele tem ainda outras 94 ações, além dos processos endereçados a ele como presidente. Edson Fachin acumula 2.903 relatorias. Os indicados do presidente Jair Bolsonaro (PL), André Mendonça e Kassio Nunes Marques, têm 2.773 e 2.133 ações, respectivamente. Em seguida, Gilmar Mendes (1.464); Luís Roberto Barroso (1.331); Dias Toffoli (1.324); Lewandowski (1.089); Rosa Weber (1.068); Cármen Lúcia (668) e Alexandre de Moraes (635). Segundo o sistema do STF, também há outros 90 processos sob relatoria de magistrados aposentados.
Alguns julgamentos, considerados urgentes, seguem fora de pauta e sem previsão de retomada. Esse é o caso do marco temporal. Fux adiou a apreciação da matéria que trata sobre a demarcação de terras indígenas. O tema é de extremo interesse do governo Bolsonaro. A medida prevê que os indígenas só poderiam reivindicar terras onde estavam fisicamente presentes na data da promulgação da Constituição Federal — ou seja, em 5 de outubro de 1988.
Para agilizar a alta demanda, o STF atua, desde 2016, com o plenário virtual, modalidade em que os ministros depositam seus votos no sistema do tribunal, sem necessidade de uma sessão presencial. Em 2018, sob gestão da ministra Cármen Lúcia, o STF também lançou uma ferramenta de inteligência artificial batizada de Victor. A máquina é capaz de ser todos os recursos extraordinários que sobem para o STF e identificar quais estão vinculados a determinados temas de repercussão geral. A Corte também tem trabalhado com análise de ações conjuntas. Esse foi o caso do chamado “Pacote Verde”, por exemplo, em que os ministros discutiram o conjunto de sete processos movidos contra políticas ambientais do governo Bolsonaro.
Em maio, os ministros repetiram a fórmula e apreciaram em sessão plenária três processos que questionaram artigos da Lei 11.705 de 2008, conhecida popularmente como Lei Seca. Na semana passada, os ministros ainda decidiram, em sessão plenária, que os votos de magistrados aposentados continuam valendo em julgamentos no plenário presencial. A regra aplicada anteriormente previa que em caso de pedidos de destaque, a ação deveria ser retirada do plenário virtual e julgada presencialmente pelos ministros, iniciando todo processo zero e desconsiderando todos os votos proferidos no sistema do STF.
O professor de estudos brasileiros da Universidade de Oklahoma (EUA) Fabio de Sá e Silva comenta a imensa quantidade de processos em tramitação no país. “Além do problema de ‘oferta’, há também um problema de ‘demanda’: governo e bancos são os maiores litigantes do país, são eles que inundam o STF com casos. Um caminho para desafogar o STF seria criar meios alternativos de resolução de conflitos, por exemplo, administrativos, que ajudassem a estancar um pouco desses casos”, analisa.
Para o advogado Miguel Pereira Neto, conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), o Judiciário possui poucos magistrados para o tamanho de ações. “O Brasil tem muito menos ministros e muito mais casos do que muitos outros países. A própria Itália, por exemplo, tem mais ministros que o Brasil. Como 11 ministros do Supremo darão conta de julgar o número absurdo de processos?”, compara.
O constitucionalista Camilo Onoda Caldas aponta a judicialização da política como um dos principais fatores para a alta demanda. “O próprio desenho constitucional feito em 1988 aumentou a possibilidade de que recursos fossem analisados pela corte. Somadas a isso, temos o processo de judicialização política que aumenta o número de processo judiciais perante ao STF, basta verificarmos que as diversas ameaças à democracia acabou ocupando o tribunal com julgamentos de inúmeros casos dessa natureza”, avalia.
Para o advogado especialista em direito eleitoral Cristiano Vilela, é natural que alguns temas eventualmente demorem um tempo maior para serem apreciados. “Justamente para que possam ser maturados e melhor interpretados a luz da lei e do interesse social. Essa característica, entretanto, não pode servir de desculpa para casos totalmente descabidos, como o de processo que demora mais de 30 anos para ser julgado”, frisa.