Responsável por intermediar o acordo entre a Vale o governo de Minas para reparação dos danos causados pela tragédia de Brumadinho, o presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Gilson Soares Lemes, acredita que a experiência pode ser repetida nas negociações sobre Mariana.
O caso está na esfera federal, com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, mas Lemes tem participado das reuniões que buscam uma solução para o rompimento da Barragem de Fundão, em 2015. “Participei de algumas dessas reuniões, o grupo está empenhado para que tenha uma solução mais rápida e acredito que isso seja possível”, disse.
O caso está na esfera federal, com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, mas Lemes tem participado das reuniões que buscam uma solução para o rompimento da Barragem de Fundão, em 2015. “Participei de algumas dessas reuniões, o grupo está empenhado para que tenha uma solução mais rápida e acredito que isso seja possível”, disse.
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Perguntado sobre eleições e a possibilidade de uma crise institucional se Bolsonaro não respeitar o resultado das urnas, Gilson Lemes não vê motivo de preocupação. “Eu, pessoalmente, não vi uma declaração dele dizendo que não vai respeitar as eleições (…) Acredito que os resultados, tanto no âmbito estadual como federal, vão ser respeitados. Não tenho a menor dúvida disso.”
O TJMG, na sua gestão, intermediou o acordo com a Vale para reparação dos danos da tragédia de Brumadinho. Foram quase R$ 38 bilhões. O senhor tem acompanhado a aplicação dos recursos?
O acordo da Vale chegou ao Tribunal de Justiça através do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), haja vista que as partes entenderam que seria possível a conciliação ou mediação. Nós realizamos várias audiências e foram realizadas também várias reuniões com as partes, de forma privada, para a construção desse acordo, que culminou com a homologação no dia 4 de fevereiro de 2021. Foi um processo que ficou dentro do Tribunal de Justiça em torno de cinco meses. Em quatro audiências a gente conseguiu chegar no acordo final. O que pegou mais foi a questão dos valores, porque foi criada uma expectativa muito grande em relação a um valor que deveria ser pago pela companhia, mas sem uma comprovação técnica do valor. Mas eu quero crer que o valor que conseguimos chegar foi importante, um valor alto, o maior valor da América Latina, de R$ 37,6 bilhões, e que foi revertido para centenas de obras, tanto na região de Brumadinho quanto nas outras regiões de Minas, inclusive no rodoanel. Com relação a aplicação, a gente tem visto que o governador começou algumas obras menores e parte destes recursos, através de decisões da Assembleia Legislativa, foi repassada a todos os municípios mineiros, para que fossem aplicados também em serviços públicos, e em benefício ao público. Então, acho que esses valores começaram já a ser aplicados, estão surtindo aí alguns benefícios.
Parte desse dinheiro, R$ 11 bilhões, acabou sendo uma boia de salvação para o governo desde o ano passado. Agora pode ser um trunfo eleitoral para o governador Romeu Zema. Como vê isso?
É uma questão que foi decidida, os valores foram repassados para o Estado e a Justiça não tem como impedir que o governador use isso como um trunfo. Na verdade, foi um acordo feito dentro do Tribunal de Justiça em favor da população mineira, e que o governador atual, eu não sei se está explorando, mas que se explorar ele vai ter que explorar dizendo que foi realmente uma busca das partes envolvidas para que os valores sejam revertidos em favor da população mineira e das regiões atingidas. Agora, esta questão eleitoral a gente não pode comentar porque nós estamos aqui justamente para poder presidir e decidir qualquer questão que envolva aí o aspecto do acordo em relação à eleição.
Acha possível um acordo nos mesmos moldes no caso da tragédia de Mariana? A quantia seria maior, pela extensão dos estragos?
Esse caso de Mariana, que nós já temos mais de cinco anos, ele foi remetido para a Justiça Federal, então foge da alçada do Tribunal de Justiça, mas o ministro Luiz Fux, que é o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tem chamado reuniões com todos os envolvidos, buscando também uma solução mediada para o conflito de Mariana. Participei de algumas dessas reuniões, o grupo está empenhado para que tenha uma solução mais rápida e acredito que isso seja possível. Só que, neste caso, o tribunal tem participado não como coordenador dessa mediação e sim como um participante. Parece que as partes já tinham fixado um valor de indenização e agora o que eles buscam é uma repactuação desses valores. É muito difícil indicar um valor preciso, haja vista o tamanho dos danos. Então, sem uma perícia técnica, é muito difícil. Acho que precisamos ter o mínimo de sondagem com relação aos prejuízos para indicar o valor, mas eu acredito que é possível sim chegar a um bom termo dentro da mediação que foi proposta.
A ação que visa suspender a mineração da Tamisa na Serra do Curral está nas mãos da Justiça estadual. Como o TJ pode agir nesse caso?
Tem algumas questões que a gente não pode emitir opinião porque elas podem chegar aqui para eu decidir. E toda decisão que um juiz toma que é contrária ao interesse público, o governador ou o prefeito podem requerer ao presidente a suspensão. Então, as questões postas dentro do Tribunal de Justiça, que são técnicas, jurisdicionais, elas têm sido decididas a tempo e modo, dentro da conformidade, com fatos e as leis. O que eu disse é que se a questão vier para o TJ na forma de mediação, vamos ter prazer em participar, assim como nós fizemos vários acordos, não só da Vale, como da reabertura de bares e restaurantes, questão da Santa Casa, em que conseguimos os leitos, da registração de horário. A mediação é o melhor caminho.
A Assembleia aprovou há poucos dias um projeto que autoriza o presidente do TJMG a conceder reajustes salariais para desembargadores, juízes e de outras carreiras do Judiciário sem autorização do Poder Legislativo. Isso não é dar muito poder ao Judiciário num momento em que os orçamentos são tão apertados?
Isso partiu de um único deputado da Assembleia Legislativa, que não tem conhecimento do que fala porque o que foi inserido dentro da nossa legislação é exatamente o que consta na nossa Constituição da República, que o salário do desembargador será 90.25% do salário do ministro do STF. A remuneração de magistrado só pode ser alterada por lei federal. Quem vota essa lei federal é o Congresso Nacional e a iniciativa é do STF. Então, o subsídio do desembargador depende exclusivamente da iniciativa do STF e de uma lei federal. O que se inseriu na nossa lei orgânica foi tão somente o que diz a Constituição, que o subsídio do magistrado é 90.25% do Supremo e só será alterado quando for alterado o salário do Supremo. Não existe nenhum reajuste para nenhum magistrado. Neste ano não houve, nos dois anos que eu administrei não houve, e só haverá se houver uma lei federal assim dizendo. (O projeto) foi porque nós precisamos constar na nossa lei que, quando houver o aumento do Supremo, que aqui também vai alterar esse 90.25%. É uma regra, que o Ministério Público tem, o Judiciário tem, e os Judiciários de outros estados também. Na verdade, o presidente do tribunal não tem autonomia de aumentar salário. Isso vem do Supremo em efeito cascata.
Em relação aos salários do TJMG acima do teto de R$ 39 mil. Como a sua gestão trabalhou essa questão. Tem muitos desembargadores e juízes ganhando acima do teto?
Não existe dentro do TJMG nenhum salário acima do teto do Supremo Tribunal Federal. O problema é que, além dos R$ 39 mil, o magistrado pode receber alguma verba indenizatória, como por exemplo, se vender um mês de férias. Se o magistrado recebe auxílio-saúde, isso é uma verba indenizatória. Se recebe auxílio-alimentação, é indenização. Outra coisa, semana passada aposentou o desembargador Elias Camilo e ele deve ter 40 anos de magistratura. Então, nesse período, ele acumulou férias-prêmio, que a cada cinco anos você tem três meses. Se ele tiver saldo dessas férias, ele recebe na aposentadoria. Então, vamos supor que ele tenha seis meses de saldo, ele vai receber R$ 180 mil de férias. Querem taxar (os salários) da magistratura como altos ganhos, mas, na verdade, o subsídio do magistrado está defasado há vários anos. Um juiz inicial hoje ganha um valor pequeno e a gente tem até dificuldade de recrutar magistrados.
O TJMG abriu recentemente um escritório de representação em Brasília, que vai pagar R$ 607 mil em 60 meses. Qual a necessidade de um escritório da justiça estadual na capital federal?
Essencial para o tribunal. Temos inúmeras questões em Brasília, seja no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), seja nos tribunais superiores, seja no Congresso Nacional. Vários magistrados precisam de apoio em Brasília para processos que estão tramitando no CNJ. Este escritório vai dar apoio justamente para a gente poder tratar destas questões. Nós vamos ter agora, a partir da gestão do José Arthur, uma atenção especial. Para se ter uma ideia, nós ficamos quase um ano e meio com as promoções de juízes travadas por causa de uma liminar dada no STF, que durante a gestão não tivemos como nos empenhar nisso porque não tinha ninguém dedicado a esta questão em Brasília. Temos apenas uma servidora e uma sala com computadores para servir de centro de apoio. O custo mensal disso é em torno de R$ 10 mil, com o aluguel. Aqui, por exemplo, o tribunal tem aluguéis de R$ 100 mil por mês. O Tribunal de Justiça tem um orçamento de R$ 9 bilhões por ano, então é uma despesa da autonomia do presidente fazer, como eu faço diversas, e o escritório vai continuar porque nós temos a necessidade de ter esse apoio técnico em Brasília.
O nome do senhor chegou a ser cotado para uma vaga no Supremo no ano passado, o que acabou não se concretizando. Mas tem ainda esse sonho de ir para um tribunal superior?
O que eu disse, e repito, é que todo magistrado de carreira que busca se aperfeiçoar e se promover na carreira tem o sonho de um dia ser ministro do STF. Fiquei muito feliz e honrado do meu nome ter sido cogitado porque isso me engrandece muito e engrandece o próprio Tribunal de Justiça. Agora, todos sabem que é uma escolha única, do presidente da República, e essa escolha tem viés político. Então, não depende exclusivamente do seu aperfeiçoamento, do seu currículo, da sua competência, depende também dessa escolha política. Após sair da presidência, continuarei no TJ, contribuindo com a prestação jurisdicional e evidentemente que, se for cogitado, buscarei trabalhar novamente para isso e ficaria evidentemente feliz, não poderia ser diferente com uma indicação. Mas compreendo todas as dificuldades do processo até se chegar ao STF. Digo sempre: a escolha é do presidente. As escolhas que ele fez foram boas escolhas e, se for reeleito, também fará, assim como o candidato Lula. Estamos sempre trabalhando muito e o destino a Deus pertence.
O presidente Jair Bolsonaro tem deixado transparecer que não vai aceitar o resultado das eleições, se ele perder. Como o senhor vê isso? Acha que podemos ter problemas nas eleições ou até uma ruptura institucional caso Bolsonaro seja derrotado?
Eu, pessoalmente, não vi uma declaração dele dizendo que não vai respeitar as eleições. Eu vi declarações dele dizendo que tem dúvidas em relação à urna eletrônica. Eu acredito que as eleições, mesmo com os ânimos acirrados, como é próprio, deverão transcorrer normalmente e acredito que os resultados, tanto no âmbito estadual como federal, vão ser respeitados. Não tenho a menor dúvida disso.
O senhor compartilha essa ideia de que as urnas eletrônicas podem ser fraudadas?
É compreensível que o candidato tenha suspeição própria dele em razão das pesquisas eleitorais. Temos a pesquisa eleitoral, assim como tivemos para senador (2018), em que a candidata Dilma estava em primeiro e depois de 15 dias ficou em quarto. Então a própria candidata à época deve ter suspeição, mesmo que ela não tenha declarado. Intimamente, ela pode ter pensado sobre o que aconteceu. Todos nós temos essa insatisfação. Então eu compreendo isso, mas não acredito que isso vá interferir no processo eleitoral. As urnas eletrônicas funcionam há muito tempo e o processo de coleta de votos não está vinculado à internet. Então eu acho que o importante é que se fiscalize a totalização dos votos, que é um processo importante, e que os partidos e as instituições devem buscar fiscalizar.
Como está vendo a disputa entre Zema e Kalil pelo governo do Estado?
Boa disputa, dois bons candidatos. Nós temos um relacionamento excelente com o governador Zema, da mesma forma tive com o prefeito Kalil. Eu acho que são duas vertentes diferentes, cada uma com um perfil próprio. E nós temos ainda uma terceira via, que é o senador Carlos Viana (PL), que vem crescendo. Então eu acho que Minas Gerais terá uma disputa saudável e, com certeza, qualquer um dos três candidatos tem condições de gerir o nosso estado e eu espero que o processo eleitoral transcorra bem.
Uma das metas da sua gestão era acelerar a digitalização de processos. Em dois anos, foi possível realizar essa ação?
Durante esses dois anos, em que nós administramos dentro da pandemia, nós trabalhamos diuturnamente, fisicamente, com reuniões, com inaugurações, e nesse período nós conseguimos implementar um processo judicial eletrônico criminal, que não existia, e além disso, digitalizar os processos antigos. Então, os processos civis estão 100% digitalizados e os criminais, que foram implementados posteriormente, nós já estamos muito avançados na digitalização. Até o final do ano, tanto no cível quanto no criminal os processos estarão 100% digitalizados. Ou seja, o Tribunal de Justiça estará totalmente eletrônico. Isso é um grande avanço, que facilita muito, porque em face desse problema pandêmico, tanto magistrados, como servidores, advogados, podem praticar atos do seu próprio escritório ou própria residência, desde que tenham uma internet boa. Sem nenhum prejuízo aí para o andamento célere dos processos. Em Minas Gerais, nós vamos ter só o processo eletrônico.