Em uma segunda-feira pós-eleições, em 5 de outubro de 1992, cerca de 800 candidatos a vereador de Belo Horizonte protestavam contra a apuração realizada no TRE-MG em tempo recorde, logo após a finalização do pleito, no sábado anterior. O descontentamento de mais da metade dos 1.548 pretendentes a uma cadeira na Câmara Municipal movimentou o tribunal, que viveu momentos de tensão até decretar a recontagem de todos os votos para os parlamentares na capital.
Os candidatos apontaram erros de apuração e indícios de fraude em 75% das 3.002 urnas de BH e passaram manhã e tarde na porta do TRE, na Avenida Prudente de Morais, Centro-Sul da capital, gritando palavras de ordem. O clima publicado no Estado de Minas da terça-feira (5/10/1992) era de tensão nos corredores do tribunal. Os ânimos só foram acalmados quando cerca de 50 juízes eleitorais se reuniram no prédio e decidiram pela recontagem de todas as urnas.
No fim do dia, o tribunal já havia recebido mais de 800 pedidos para anulação do pleito e recontagem dos votos. Um último documento trazia a assinatura de representantes de todos os partidos que disputaram as eleições.
Embora ouvisse o coro de todos os partidos e mais da metade dos candidatos, a medida do TRE não foi completamente bem-aceita. Na quarta-feira daquela semana, o Estado de Minas trazia em sua edição a informação de que o presidente do TRE-MG, Ayrton Maia, havia revelado ameaças de bombas no prédio. O desembargador disse ainda que recebeu telefonemas com insultos e ouviu frases como “vocês estão matando a democracia no Brasil”.
“Ela explodiria às 20h de ontem. Mesmo sem acreditar na veracidade da ameaça, Maia contactou o Comando da Polícia Militar e foi realizada uma varredura no prédio, nada sendo encontrado. Além disso, o policiamento foi reforçado de oito para 18 policiais e o acesso ficou restrito a pessoas previamente identificadas”, apontava a matéria.
A nova apuração organizada pelo TRE-MG começou às 7h da quarta-feira com previsão para durar mais dois ou três dias, contrariando completamente o objetivo de conseguir divulgar os resultados na segunda-feira após a votação.
Reclamações
As queixas dos candidatos a vereador de BH em 1992 revelam, na prática, como era caótico o cenário das votações manuais descrito até aqui. A edição de 6 de outubro do Diário da Tarde trazia as reclamações de alguns integrantes do movimento que exigia a recontagem dos votos em frente ao TRE-MG.
O vereador Jaime Guimarães Ferreira (PDT) buscava a reeleição e exemplificou como ele percebeu que havia sido lesado durante a apuração dos votos. O pedetista registrou na Justiça Eleitoral as variações ‘Jaime Guimarães Ferreira’ e ‘Jaime Guimarães’, mas reclamou que no boletim dos escrutinadores constava apenas ‘Jaime Ferreira’. “Os mesários, cansados depois do dia de trabalho, não consultaram o livro de variações e somente computaram os votos dados a Jaime Ferreira, anulando todos os outros”, disse.
Sebastião Bigode (PSC) também teve problemas da mesma ordem. Segundo ele, os mesários anularam votos sob a justificativa de que ‘bigode não é nome’. “Reclamei pedindo que verificasse o livro das variações. Ele não quis. Então esfreguei meu título na cara dele e se precisar faço isso de novo”, protestou. Outros cinco candidatos ouvidos pelo Diário da Tarde reclamaram de problemas com registro de nome.
Já Geraldo Márcio, do PFL, tinha uma queixa diferente. O candidato disse ter sido barrado da apuração no Colégio Pitágoras, sua zona eleitoral, por um porteiro que estaria embriagado. Com isso, ele não pôde conferir a apuração da região da Barragem Santa Lúcia, onde esperava ter mais votos. Lucimar de Oliveira (PSD), por sua vez, reclamou que alguns apuradores da seção 209, da 38ª zona eleitoral estavam dormindo e outros preenchiam cédulas em branco com o nome de outros candidatos.
Sensação de insegurança
Em entrevista à reportagem, Ronaldo Gontijo, eleito vereador de Belo Horizonte em 1992, relembrou como foi o pleito para a Câmara Municipal há 30 anos. Foi quando ele conseguiu o primeiro de seus seis mandatos, e também o único com votação em papel. “Lembro das dificuldades. A gente não tinha segurança nenhuma, eles contavam manualmente, num processo moroso e que a gente não tinha certeza do resultado. Eu me lembro dos pedidos de recontagem, mas eu não tinha nem cacife pra reclamar. Eu era um professor da rede pública que resolveu se candidatar. Com a recontagem, a gente ficava muito inseguro, porque era algo muito artesanal e rudimentar”, recorda.
Eleito nas cinco votações posteriores, já com a urna eletrônica em Belo Horizonte, Gontijo diz que se sentia mais seguro e que conseguia perceber sua votação mais expressiva exatamente onde atuava mais.
“De 1996 pra frente já foi com urna eletrônica e nunca tive problema nenhum. Pelo contrário, a gente que é vereador sabe mais ou menos onde a gente tem mais aceitação. Eu só fui um vereador com votos muito concentrados no Barreiro. As vezes eu sabia onde eu seria mais bem votado e aquilo se confirmava pelo resultado das urnas. A urna eletrônica retrata o que a gente espera”, afirma.
O voto em papel no Brasil
Série especial do Estado de Minas recorda o período das eleições manuais no país, uma realidade desconhecida por boa parte dos eleitores atuais, que já começaram a escolher seus representantes políticos através da urna eletrônica.
Com entrevistas de personagens que atuaram nos pleitos com voto em papel e registros do acervo dos Diários Associados, a reportagem apresenta o cenário de obstáculos no acesso à democracia e de vulnerabilidade a erros e fraudes que tinham o poder de mudar o curso das eleições.
As matérias serão publicadas até a terça-feira (30/8). Continue acompanhando o conteúdo nos links abaixo:
Colaborou: Renato Scapolatempore