Se em grandes cidades e capitais, como Belo Horizonte, a eleição com cédulas de papel era morosa, sujeita a erros na contagem dos votos e a muitos tipos de fraude – como mostra desde domingo a série de reportagens do Estado de Minas –, no interior do estado, principalmente em pequenas cidades, o processo era ainda mais complicado.
Para se ter ideia de uma das dificuldades, em muitos lugarejos, depois da votação, as urnas eram lacradas e levadas para a apuração em outros municípios, sedes de comarca. Dependendo das condições do tempo e das estradas de terra, a viagem podia levar horas, atrasando os resultados da eleição. Entre os candidatos de certas cidades, não raro existia a desconfiança de que poderiam ser prejudicados por fraudes do adversário.
Para se ter ideia de uma das dificuldades, em muitos lugarejos, depois da votação, as urnas eram lacradas e levadas para a apuração em outros municípios, sedes de comarca. Dependendo das condições do tempo e das estradas de terra, a viagem podia levar horas, atrasando os resultados da eleição. Entre os candidatos de certas cidades, não raro existia a desconfiança de que poderiam ser prejudicados por fraudes do adversário.
Itacambira, no Norte de Minas, é um exemplo de como o voto em papel ajudava a acirrar ainda mais os ânimos entre grupos políticos rivais. O município ficou conhecido nacionalmente em setembro de 1986 por ter sido cenário de um dos conflitos mais sangrentos da política no estado, envolvendo dois grupos de uma mesma família que disputavam o comando da cidade. Quatro pessoas morreram no conflito e outras nove ficaram feridas a bala. (Leia abaixo nesta página sobre esse tiroteio)
Se antes dessa batalha já havia uma desconfiança muito grande entre os dois lados durante as eleições, depois dela ficou pior.
Se antes dessa batalha já havia uma desconfiança muito grande entre os dois lados durante as eleições, depois dela ficou pior.
Como os votos de Itacambira eram enviados para ser apurados em outra cidade (primeiro, Grão Mogol; depois, Montes Claros), já que o município não tinha cartório nem era sede de comarca, políticos da situação e da oposição viajavam 100 quilômetros acompanhando o transporte das urnas pela Polícia Militar.
Faziam a escolta até a apuração dos votos. “Eles suspeitavam de que na estrada alguém poderia violar os votos”, conta o aposentado Antônio Amaro, que foi chefe de seção eleitoral na cidade.
Faziam a escolta até a apuração dos votos. “Eles suspeitavam de que na estrada alguém poderia violar os votos”, conta o aposentado Antônio Amaro, que foi chefe de seção eleitoral na cidade.
Vigília das urnas
O descrédito na segurança das urnas em Itacambira é lembrado por José Francisco Ferreira (PTB), o Zequinha, de 63 anos, atual vice-prefeito da cidade, onde ele também já foi prefeito (2013/2016) e exerceu cinco mandatos de vereador. Ele recorda que na sua primeira eleição como vereador, em 1988, situacionistas e oposicionistas no município acompanharam e fizeram vigília das urnas de Itacambira durante todo o tempo antes da apuração dos votos.
Na eleição daquele ano, as urnas de Itacambira foram levadas para o ginásio da Associação Atlética Banco do Brasil (AABB) de Montes Claros, onde era feita a contagem manual dos votos das zonas eleitorais da cidade-polo do Norte de Minas e de alguns municípios vizinhos.
Na eleição daquele ano, as urnas de Itacambira foram levadas para o ginásio da Associação Atlética Banco do Brasil (AABB) de Montes Claros, onde era feita a contagem manual dos votos das zonas eleitorais da cidade-polo do Norte de Minas e de alguns municípios vizinhos.
Zequinha ressalta que o clima de guerra entre os grupos rivais motivava essa vigília das urnas, que ia do fechamento delas até a contagem do último voto. “A disputa política na cidade era muito tensa. As pessoas tinham receio de que alguém do lado adversário pudesse burlar as urnas com os votos”, relata o vice-prefeito.
Ele lamenta o tiroteio que marcou a história de Itacambira. Lembra que eram correligionários do então prefeito Geraldo Bicalho e integrantes da oposição, todos de uma mesma família. “A cidade perdeu muito com aquele acontecimento. Política se disputa no voto e na urna. Não na bala”, afirma Zequinha.
Ele lamenta o tiroteio que marcou a história de Itacambira. Lembra que eram correligionários do então prefeito Geraldo Bicalho e integrantes da oposição, todos de uma mesma família. “A cidade perdeu muito com aquele acontecimento. Política se disputa no voto e na urna. Não na bala”, afirma Zequinha.
O advogado Marcelo Veloso também conta uma história que evidencia a insegurança na apuração dos votos em papel na cidade. Segundo ele, depois das votações, as urnas eram lacradas e ficavam guardadas no posto dos Correios na cidade para ser em levadas no dia seguinte para o município vizinho de Grão Mogol, onde ocorreria a apuração.
“Só que o posto dos Correios ficava nos fundos da casa do ex-prefeito Geraldo Bicalho”, diz Marcelo Veloso. Geraldo Bicalho, de acordo com o advogado, costumava fazer “adivinhações de quantos votos teriam determinados políticos da cidade. “Às vezes, ele acertava as previsões”, conta, afirmando que jamais chegou a ser comprovada fraude na eleição na cidade.
“Só que o posto dos Correios ficava nos fundos da casa do ex-prefeito Geraldo Bicalho”, diz Marcelo Veloso. Geraldo Bicalho, de acordo com o advogado, costumava fazer “adivinhações de quantos votos teriam determinados políticos da cidade. “Às vezes, ele acertava as previsões”, conta, afirmando que jamais chegou a ser comprovada fraude na eleição na cidade.
Agilidade
Segundo o vice-prefeito Zequi- nha, hoje não existe mais tensão na disputa eleitoral em Itacambira. “A política aqui, hoje, é tranquila. Somente na época das eleições tem algumas desavenças. Mas, passada a votação, há uma conciliação. Hoje, a democracia é mais exercida”, comenta o vice-prefeito, que exalta a importância da urna eletrônica. “Acho que (a urna eletrônica) foi uma coisa boa demais. Agilizou muito o processo eleitoral. Antes, a gente tinha que esperar de dois a três dias a contagem dos votos. Agora, o resultado da eleição sai no mesmo dia da votação”, afirma.LEIA TAMBÉM:
BANHO DE SANGUE EM ITACAMBIRA
O conflito que deixou quatro mortos e nove feridos em Itacambira aconteceu em 14 de setembro de 1986, na Fazenda Boa Sorte, na localidade de Salto. O tiroteio envolveu integrantes da família Bicalho, que eram rivais na política local.
Era realizada no local a festa de Santa Luzia, que reuniu cerca de 500 pessoas. Conforme registra reportagem do Estado de Minas na época, o conflito envolveu simpatizantes da oposição (do então PMB local), controlada por Edmilson Bicalho Noronha – um dos mortos durante o tiroteio – e correligionários do então prefeito Geraldo Maia Bicalho (que era filiado ao antigo PDS), tio de Edmilson.
Além do líder da oposição, morreram no dois filhos de Geraldo Bicalho: o dentista Geraldo Eustáquio Bicalho e o advogado Geraldo Natal Bicalho, além do fazendeiro Moacir Caetano Oliveira, ligado ao então prefeito.
A reportagem do Estado de Minas conta que a chacina estava planejada desde a noite anterior: “Um correligionário de Geraldo Bicalho, chamado José Morcego, informou que o grupo de Edmilson Bicalho estava preparando uma emboscada para matá-lo. Imediatamente, cabos eleitorais e filiados do PDS foram acionados. Cada um deles providenciou uma arma. Itacambira estava em pé de guerra e o local do conflito seria na festa de Santa Luzia, na Fazenda de Antonio Mariano da Silva, a 36 quilômetros do município”.
Ainda de acordo com o registro jornalístico, a festa religiosa transcorria normalmente e 12 crianças foram batizadas, mas logo após uma procissão começaram as provocações entre os adversários. Partidários da oposição disseram que foi “o grupo de Geraldo Bicalho que começou toda a confusão, ameaçando atirar nas pessoas”. Porém, os correligionários do então prefeito negaram a versão e alegaram que o tiroteio foi iniciado por Edmilson e por mais seis homens.