Era 2018. A poucos dias do segundo turno das eleições, o candidato ao Governo de Minas Gerais Romeu Zema (Novo) aparecia em um vídeo em que repetia ao lado de apoiadores: "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos". Ao final, vinha o grito: "Bolsozema!", em referência ao apoio declarado por ele ao então candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PL).
A cena parece distante do atual cenário de 2022, momento em que o agora governador adota a neutralidade em relação à disputa nacional como estratégia em busca da reeleição. Seu principal opositor hoje é o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil (PSD).
Eleito na esteira da onda "antipolítica" e bolsonarista de 2018, e tido como um dos gestores mais próximos a Bolsonaro ao longo do mandato, o hoje autointitulado "político" Zema passou a se distanciar do presidente nos últimos meses, evitando fechar um palanque conjunto e fazendo acenos mais discretos ao mandatário.
Em entrevistas recentes, tem dito que a associação do seu nome ao de Bolsonaro ocorre por coincidência, por terem sido eleitos juntos como desconhecidos. Também diz que deve cobrar mais ações do governo federal em relação a Minas.
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Aliados do governador ouvidos pela Folha de S.Paulo dizem que há motivos para a corda bamba em relação ao presidente. Entre eles está o alto índice de rejeição a Bolsonaro, cuja aliança é vista como potencial prejuízo ao governador, que busca a vitória ainda no primeiro turno.
Outro fator é o contingente de eleitores que, nas sondagens atuais, declaram votar em Lula para a Presidência e Zema no estado -um fenômeno que já ganhou apelido próprio: "Luzema".
Estimativas do Novo com base nas pesquisas já divulgadas apontam que 39% dos eleitores de Lula estariam nesse quadro, tido como mais forte na região norte de Minas e no Vale do Jequitinhonha.
Alguns aliados e integrantes do partido já falam que Zema, caso não vença no primeiro turno, poderia até ser aconselhado a manter a neutralidade em uma segunda rodada.
A distância protocolar em relação ao presidente contrasta com o histórico dos últimos anos. Sem experiência política antes de 2018, o empresário Zema estava na rabeira das intenções de voto naquele ano quando chamou a atenção ao pedir votos a Bolsonaro ao fim de um debate na TV Globo.
Na época, faltavam cinco dias para o primeiro turno e o Novo já tinha um candidato próprio, João Amoêdo. "Aqueles que querem mudança, com certeza, podem votar aí nos candidatos diferentes, que são o Amoêdo e o Bolsonaro", disse na ocasião.
A situação foi vista como um dos principais impulsos para uma virada nas pesquisas. Alçado ao segundo turno, declarou oficialmente apoio a Bolsonaro e adotou o bordão Bolsozema, ainda que não tenha tido apoio explícito do PSL, partido do presidente à época. Venceu com 71,8% dos votos.
Embora tenha sempre recusado a alcunha de aliado, a postura alinhada a Bolsonaro chamou a atenção em diferentes momentos. Em 2020, recusou-se a assinar cartas de governadores que cobravam medidas em relação à crise da Covid e em apoio a presidentes da Câmara e Senado, alvo de embates com o governo federal.
Chegou a dizer à Folha de S.Paulo em 2021 que Bolsonaro poderia ter capitaneado ações contra a Covid, mas que via "certa perseguição a ele".
A pandemia, porém, também foi o momento em que mais foi obrigado a rever suas posições, saindo de falas em que defendeu "deixar o vírus circular", em alinhamento ao que defendia Bolsonaro, a outras em que, em fase mais restritiva, disse que quem saía às ruas e fazia aglomeração poderia "ser tachado de assassino".
No mesmo ano, criticou a defesa de voto impresso e rebateu o presidente quando ele tentou culpar governadores sobre a escalada do preço dos combustíveis. Pouco depois, porém, voltaram a estar próximos em eventos.
Para o cientista político Carlos Ranulfo, a postura de Zema neste ano, embora contraste com 2018, condiz com o cenário que aponta terreno confortável ao governador na disputa.
"O que aconteceu de lá para cá é que Zema ganhou luz própria, tem uma administração considerada boa e não precisa de Bolsonaro para vencer a eleição."
Segundo ele, pesa também nesse cenário o fato de Lula estar à frente em Minas nas intenções de voto à Presidência e de o candidato apoiado por Bolsonaro no estado, Carlos Viana, ainda não ter decolado.
Aliados de Zema também veem no discurso atual uma forma de fazer acenos a bolsonaristas -como ao dizer que não vota no PT- sem nacionalizar totalmente o debate.
Na visão do grupo, o governador também mantém terreno no eleitorado Luzema com o fato de não receber críticas diretas de Lula.
"Não é brigando que a gente resolve os problemas, é com diálogo, com parceria. Foi assim que lidei com o presidente e com o governo federal, e será assim com quem quer que seja eleito presidente", disse Zema em campanha na TV.
Para o deputado estadual Roberto Andrade (Patriota), líder do governo na Assembleia, Zema "virou maior do que o Novo" e "Lula é maior do que o PT", daí um impulso para potenciais votos Luzema.
A atual coligação que apoia o governador também tem partidos que defendem a mesma dobradinha, caso do Avante e Solidariedade.
Já para o deputado estadual Agostinho Patrus (PSD), presidente da Assembleia e coordenador da campanha de Kalil, o fato de o ex-prefeito ainda ser desconhecido no interior como aliado de Lula aponta que é cedo para dar como certo um movimento Luzema.
"Estão tentando voltar a 2006 , que era uma disputa diferente da de agora, polarizada e radicalizada", afirma. "O que temos nas nossas pesquisas é que à medida que conhecerem o Kalil, votarão no Kalil."